“Vacinar a consciência brasileira contra os crimes da ditadura”

Uma reunião realizada nesta quinta-feira (15) na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Marabá, definiu estratégias para a participação dos movimentos sociais do estado na audiência pública da Comissão Nacional da Verdade no próximo sábado (17).

Por Mariana Viel, de Marabá (PA), especial para o Vermelho

O encontro reuniu jovens estudantes que integram a Consulta Popular, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Pastoral da Juventude, o Levante Popular da Juventude, a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab), o movimento Debate e Ação – formado por alunos de ciências sociais da UFPA – e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O representante do PCdoB no Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e membro do Comitê Paraense pela Memória e Verdade, Paulo Fonteles Filho, falou sobre o forte clamor popular em torno do restabelecimento da verdade em todo o país. Ele fez uma breve apresentação dos recentes avanços do GTA na localização dos restos mortais dos heróis da Guerrilha do Araguaia desaparecidos durante a ditadura militar e do andamento dos processos de anistia e indenização dos camponeses da região que também sofreram torturas e foram obrigados a colaborar com os agentes da repressão.

Segundo ele, durante o trabalho de pesquisa do GTA o grupo se deparou com “uma realidade assustadora” que indica a morte de mais de 350 camponeses da região, além do desaparecimento dos cerca de 65 guerrilheiros do PCdoB. Para Fonteles, a constituição da Comissão da Verdade – que irá escrever um livro-relatório sobre a atuação do Estado brasileiro durante a ditadura – deve ser compreendida como um momento muito importante da história do país. “Temos a missão de vacinar a consciência dos brasileiros para que a violência que liquidou os sonhos de toda uma geração não se repita.”

Fonteles falou ainda da necessidade de trazer o debate sobre os anos de chumbo para a universidade e afirmou ainda que, passados mais de 27 anos do fim da ditadura, a atuação de agentes da repressão na região ainda é forte. Ele ressaltou as ameaças a camponeses e ex-mateiros – obrigados a colaborar com os militares – e a intimidação que os próprios membros da GTA têm sofrido nos últimos anos. “Quem pensa que a turma da ditadura tá em casa de pijama está muito enganado. Quando falamos de ditadura estamos falando não apenas do passado, mas também do presente.”

O estudante de agronomia da UFPA, Marcelo Barbosa, explica que desde o começo de 2012 o Levante Popular da Juventude tem se organizado no estado do Pará. “Sabemos que nosso estado sofreu muito com a repressão. Temos acompanhado as mobilizações nacionais realizadas pelo Levante. Tiramos algumas datas para fazer atividades chamadas de escrachos. Já realizamos ações em Belém e em Curionópolis, cidade batizada com o nome do Major Curió. Também fizemos atividades de agitação e propaganda nas cidades aqui da região, principalmente, em Marabá.”

Ele diz que o grupo está ainda envolvido com a criação de uma Comissão da Verdade dentro da Universidade Federal do Pará. “O papel da juventude nesse processo é fundamental. Temos que entender que durante a ditadura quem mais sofreu foram jovens como nós. Temos nos articulado através da UFPA de Belém, que durante a ditadura teve um estudante assassinado. Essa é uma pauta que dialoga muito e estamos visualizando um grande caminho pela frente.”

O coordenador da Cimi nos estados do Amapá e Pará e da CPT em Marabá, Marcos Antônio Reis, lembrou que uma questão que ainda é latente na cidade é a cultura do medo e da violência. Para ele, é fundamental que a comunidade acadêmica participe desse processo.

Ele enfatizou a questão dos índios Suruís que foram obrigados a colaborar com a ditadura e falou de relatos que indicam que os indígenas chegaram a ser forçados a decepar as cabeças de alguns dos guerrilheiros do Araguaia capturados pela ditadura. “Somos agora convocados a participar. Devemos pensar em um mutirão para que possamos colaborar com o registro das histórias dos Suruís – para que eles também possam ser reparados.”

Um dos compromissos dos membros da Comissão Nacional da Verdade que chegam nesta sexta-feira (16) em Marabá é uma visita à aldeia Suruí, localizada a cerca de 100 km de Marabá. O evento deste sábado (17) deverá oficializar também a formação da primeira comissão da verdade indígena do país, que irá registrar a repressão do Exército contra o povo Suruí. Há relatos de que 16 indígenas foram obrigados a servir de mateiros para os militares e que mulheres da tribo sofreram violência sexual.