Povo Suruí cria a primeira Comissão da Verdade indígena do Brasil

Uma reunião realizada nesta sexta-feira (16) na aldeia indígena Sororó, localizada a 100 km de Marabá, sul do Pará, oficializou a instalação da Comissão da Verdade Suruí. Esse será o primeiro registro oficial do sofrimento e dos impactos da ditadura brasileira na vida de uma comunidade indígena no país.

Por Mariana Viel, de Marabá (PA), especial para o Vermelho

Cacique Marabá - Mariana Viel

Relatos da nação indígena apontam que eles sofreram torturas e foram obrigados a colaborar com Exército brasileiro durante a repressão à Guerrilha do Araguaia.


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O encontro – que teve a presença da representante da Comissão Nacional da Verdade, a psicanalista Maria Rita Khel – abordou questões relativas ao processo de registro das histórias do povo Suruí. O objetivo é que os próprios filhos, netos e sobrinhos dos índios escrevam os relatos dos mais velhos sobre as torturas sofridas, numa tentativa de assegurar a fidelidade das histórias e também garantir que eles se sintam confortáveis para compartilhar as experiências ainda guardadas com tanta dor e angústia.

Divididos desde 2004 em duas aldeias – a Sororó (composta por cerca de 80 famílias) e a Itahy (que possui nove grupos familiares) – os Suruí são um povo originalmente nômade que cultivava pequenos roçados de plantação e viviam às margens do Rio Araguaia. Por volta de 1974, o Exército tentou montar uma base militar dentro da aldeia e proibiu o povo Suruí de caçar e de praticar alguns de seus tradicionais rituais.

Durante a abertura da reunião, o cacique Mairá – da aldeia Sororó – falou que seu povo sofre ainda hoje os reflexos da brutalidade dos militares. “Estamos aqui para pedir que o governo brasileiro possa enxergar que nós estamos falando a verdade. Queria apresentar a minha comunidade, mas hoje não estão todos aqui porque o meu povo não acredita mais nas promessas que são passadas aqui”.

Em entrevista ao Portal Vermelho, a representante da CNV, Maria Rita Kehl, explicou que os Suruí sempre se sentiram muito explorados pelas pessoas que ao longo dos anos estiveram na aldeia pedindo para que eles contassem sua história. A lentidão no julgamento da reparação de 14 índios que deram entrada em processos junto à Comissão de Anistia é outro fator que agrava o descrédito dos Suruí.

“Como o processo de anistia e as reparações deles ainda não saíram houve um pouco de confusão. Mesmo a gente explicando que a nossa comissão é outra coisa, houve um momento em que parecia que o nosso contato ia terminar completamente”.

Ela explicou que foi através da interferência do representante do PCdoB no Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e membro do Comitê Paraense pela Memória e Verdade, Paulo Fonteles Filho – um dos primeiros a se aproximar dos Suruí – que surgiu ideia de que eles mesmo façam a coleta dessas histórias.

“Os caciques das duas aldeias conversaram entre eles e decidiram que os próprios índios iriam criar uma comissão da verdade para contar essa história. Estamos tentando conseguir duas bolsas junto ao Ministério da Educação [MEC] para que aqueles que estão na universidade possam fazer esse trabalho”.

Além do contato com o MEC, em Brasília, a CNV também mantém contato com instituições federais do Pará que possam disponibilizar com mais agilidade as bolsas e os instrumentos para que esse trabalho seja iniciado o mais rapidamente possível.

“Estamos cumprindo a nossa promessa e estamos muito felizes em saber que essa será a primeira comunidade indígena que vai fazer isso. Já tem muita gente nos perguntando sobre essa questão em todo o país. Mas um dos principais retornos desse processo é saber que a sociedade não ignora mais a história do Suruís”.

Neste sábado (17), será realizada uma audiência pública a partir das 15 horas, na Câmara Municipal de Marabá, para registrar os relatos de indígenas e camponeses da região durante o período a repressão do Exército na região. Calcula-se que cerca de 350 camponeses foram mortos por agentes da ditadura. Os relatos devem contribuir ainda para a localização das ossadas de 65 guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil desaparecidos na região durante o período.