Cessar-fogo de Israel e Hamas: pendências de que pouco se trata

Enquanto os mais otimistas comemoram o acordo de cessar-fogo entre Hamas e Israel, assinado nesta quarta-feira (21) com mediação dos EUA e do Egito, alguns questionam a sua sustentabilidade, e outros ainda cobram do quadro mais amplo: a criação – ou o reconhecimento – de um Estado palestino.

Por Moara Crivelente*

O mais palpável, de momento, é a responsabilidade que ambas as partes assumiram, tendo o Hamas o desafio de frear manifestações mais violentas por parte de outros grupos armados e manter a sua legitimidade interna como partido governante em Gaza; e Israel a obrigação de “aliviar” o bloqueio que mantém sobre Gaza – como diz o documento disponibilizado pela BBC – desde 2006-07.

Shimon Peres, presidente de Israel, ao contrário do que os mais apreensivos acreditam, defende ainda ser viável uma solução de “dois Estados” para o conflito Israelo-Palestino. A constante ocupação israelense de territórios palestinos, principalmente na Cisjordânia – Israel se retirou de Gaza em 2005-06, ainda que mantivesse o bloqueio sobre a Faixa – levou inclusive Mahmood Abbas, presidente da Autoridade Palestina, a questionar a possibilidade de uma solução como essa. Shimon Peres, por outro lado, afirma que a opção sempre esteve na posição oficial de seu governo, e depende apenas do reconhecimento, por parte do Hamas, de um Estado judeu israelense – e do cessar dos “ataques” contra Israel.

Benjamin Netanyahu, por outro lado, parece quase se desculpar com os cidadãos israelenses pelo acordo assinado ontem, no fim da tarde. Segundo o primeiro-ministro, muitos esperavam uma operação militar mais forte contra Gaza, num evento em que quase 160 pessoas morreram dentro de poucos dias. Alguns meios de comunicação mostraram com bastante vigor também a explosão de um ônibus em Tel Aviv, que resultou em alguns feridos. Assim como os mísseis que atingiram as proximidades da cidade há poucos dias, a explosão é mais uma advertência sobre o maior alcance da violência.

Não muito despercebido passou, porém, o fato de que cada vez mais soldados israelenses estão se recusando a participar na opressão contra os palestinos. A organização israelense Breaking the Silence (“Quebrando o Silêncio”), dedicada a dar voz aos testemunhos dos soldados que serviram a Força de Defesa de Israel (FDI) em operações militares como a Cast Lead (ou “Chumbo Derretido”, como ficou conhecida no Brasil), de 2008-09, continua ativa, em parceria com muitas outras ONGs israelenses do gênero. Além disso, livros como Breaking Ranks (“Rompendo Fileiras”, ainda sem tradução no Brasil), de Ronit Chacham, divulgam histórias de soldados que se recusaram a cumprir o serviço militar em Gaza e na Cisjordânia – e que, por isso, foram presos.

De volta às mesas de negociação – onde, lembre-se, cabem limitadíssimos atores, como bem exposto pelo especialista em resolução de conflitos John Paul Lederach –, os acordos entre Israel e os diversos atores palestinos têm demonstrado alguma instabilidade, com ou sem a benção dos EUA. As diversas fases das “Negociações de Paz”, inacabadas, dos Acordos de Oslo, e os consecutivos eventos de escalada de violência estão aí para comprovar a insustentabilidade do modelo. Se não há uma integração de todos os atores – o Hamas, classificado de grupo terrorista inclusive pelos meios de comunicação, é sistematicamente excluído das negociações principais – e uma abrangência maior das propostas, ainda virão muitos anos de ondas de otimismo e, logo, frustração, o que intensificará a inimizade e a falta de confiança entre israelenses e palestinos.

Uma das últimas tentativas de negociações abrangentes entre Israel e a Autoridade Palestina é um exemplo: em 2010, o presidente Barack Obama convidou Mahmood Abbas e Benjamin Netanyahu à Casa Branca para retomar as negociações de paz, congeladas desde 2007, quando outro ensaio havia sido iniciado e logo paralisado. A história se repetiu: as negociações foram encerradas novamente, devido à retomada das construções de bairros residenciais israelenses em território palestino, paralisadas pela moratória – acordada inclusive com os EUA – que então vencia. Abbas fez as malas e voltou para casa, para então seguir uma alternativa: a reaproximação com o partido rival, Hamas, e o reconhecimento do Estado palestino pela ONU, esforços que ainda se sustentam.

Agora, a observação se voltará ao papel de Abbas e do seu partido Fatah, enfraquecido por problemas econômicos internos, pela frustração da população palestina com a falta de avanços na resolução do conflito e pelos repetidos ataques de Israel, demonstrando a vulnerabilidade do Estado palestino por vir e dos acordos negociados entre a AP e o governo israelense. Ainda, a maior relevância interna do Hamas como grupo de resistência também tem levado analistas a especular sobre o declínio do governo liderado pelo Fatah, e Khaled Mashal, líder político do Hamas, outra vez declara que a ofensiva israelense contra o seu território “fracassou” – como quando quase 1.400 palestinos morreram, na operação Chumbo Derretido.

Enquanto isso, ativistas internacionais seguem o coro puxado, agora, por Obama – ainda que ele o faça num tom mais tímido que o desejado – pedindo por uma “mudança durável” nas negociações atuais. No acordo de ontem, falou-se também da cessação de “assassinatos direcionados” – ou targeted killings, no termo usado pelos estrategistas/relações públicas da FDI, através do seu primeiro ministro Netanyahu –, até então considerados legítimos pelo governo. O termo foi usado até mesmo para descrever o assassinato de Ahmed al-Jaba’ari, chefe militar do Hamas – em um dos primeiros momentos da escalada de violência –, em um ataque em que mais 8 pessoas morreram, e fotos de ataques como esse são postadas no site da FDI e nas apresentações de Power Point que o seu departamento de relações públicas distribui. Num momento de virada política em ambos os lados do conflito, a preocupação com a imagem política se mescla com a importância dos resultados das negociações. Como das outras vezes.

*Moara Crivelente é colaboradora do Vermelho, cientista política e mestranda do curso de Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e dos Sociais, da Universidad Autónoma de Barcelona.