Pronatec: números em alta e conteúdos pedagógicos em baixa

Na semana de comemoração de um ano do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), a presidente Dilma Rousseff anunciou os números do programa. No total, foram cerca de 2,5 milhões de matrículas em cursos de formação inicial e continuada e técnicos, sendo estes últimos com um total de 740 mil vagas. A previsão também tem escalas grandiosas: até 2014 está prevista a geração de oito milhões de vagas com um investimento total de R$24 bilhões.

Por Viviane Tavares*

Estes e outros números, além de saírem na mídia, serão divulgados em cerimônia de comemoração realizada pela Secretaria De Educação Profissional e Tecnológica (Setec) daqui a uma semana. Mas, para falar de educação, embora sejam indicadores significativos, os números não devem ser vistos de forma isolada.

Como você viu na edição de nº 21 da Revista Poli , a discussão do Pronatec divide opiniões e aponta questões que necessitariam uma discussão mais aprofundada na concepção do programa. Entre os itens mais criticados por pesquisadores e militantes da educação estão a qualidade dos cursos oferecidos, a questão da formação para o mercado (e para grandes eventos esportivos), além do fortalecimento da iniciativa privada em detrimento da pública e o enfraquecimento do ensino médio e profissional integrado.

O Programa atual reúne um conjunto de seis ações voltadas para a ampliação do acesso ao ensino profissional no país: expansão da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica; expansão das redes estaduais de ensino técnico; continuidade do acordo de oferta de vagas gratuitas no Sistema S (Senac, Senai, entre outros), com ampliação e inclusão destes no sistema federal de ensino; bolsa-formação; ensino técnico à distância, por meio da Rede e-Tec Brasil; e a oferta de linha de crédito para financiamento de cursos técnicos por meio do Financiamento Estudantil (Fies). Outras novidades do programa são os desdobramentos como o Pronatec Copa e Pronatec Brasil sem Miséria, em parceria com o Ministério do Turismo e do Desenvolvimento Social, respectivamente.

Para o professor e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, a formatação do programa atual atende a interesses como o de apresentar números por parte do governo e o de venda de matrículas por parte das instituições privadas, mais especificamente ao Sistema S. "Precisamos analisar este programa sob dois aspectos: o primeiro é que continuamos formando poucas pessoas com o nível médio técnico porque isso cabe apenas aos institutos federais e estaduais – que embora estejam no programa não receberam o devido investimento – e o segundo é que, tal qual está posto, existem grandes números de cursos, mas estes, às vezes, não tem nada a ver com a história pregressa nem a perspectiva futura de quem os faz. O Sistema S vende postos de matrículas e tem um dinheiro público assegurado como ninguém", analisa Frigotto.

O que é oferecido?

Frigotto explica que o Pronatec não é inovador. Ele relembra que iniciativas como esta surgiram no Brasil na década de 60 com a criação do Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO) e depois o Plano Nacional de Formação do Trabalhador na década de 80, para suprir a demanda com mão de obra. Mas, de acordo com o professor, após 50 anos o problema-chave da educação ainda não foi resolvido. "Tivemos diversas iniciativas, mas não enfrentamos a questão central que é dar à população trabalhadora brasileira a educação básica, especialmente, de nível médio. Também não fortalecemos as instituições públicas. Hoje formamos uma minoria no ensino profissional", explica.

O secretário de educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, Marco Antonio de Oliveira, explica que as vagas geradas e as instituições parceiras passam por um processo de acreditação, e no caso das parcerias realizadas por meio do Fies é acrescida ainda uma visita técnica na instituição ofertante. "A escola informa as áreas de atuação dela por meio de documentação e um técnico ou professor de um instituto federal vai à instituição para certificar as condições de instalação, laboratórios e verifica se tem o número de docentes necessários, enfim, se a instituição reúne ou não as condições de prover os cursos através do Fies". Segundo Marco, as instituições do Sistema S são dispensadas desta visita.

Claudio Gomes, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), argumenta que os critérios utilizados para a seleção dos cursos e instituições do programa priorizam a preparação para o mercado e a geração quantitativa de vagas, e que esta lógica prejudica a formação de uma formação de qualidade e de um profissional crítico. "Este programa reflete o que é encontrado em todo histórico da formação profissional que a gente experimenta aqui no Brasil e não só hoje. Não é à toa que essa concepção levada na EPSJV é para lá de contra hegemônica dentro da oferta de educação profissional. O que vemos hoje na maior parte dos cursos é o preparo uma profissionalização com o objetivo de atender uma determinada forma de produção, uma linha produtiva específica, de atendimento de um mercado, que exige uma breve e uma baixa qualificação. Por conta desta pouca e restrita formação, vai remunerar pouco. Então, essa inserção do mercado destes trabalhadores, é uma inserção de poucos salários mínimos, de dois, não vai além disso, e por conta dessa baixa qualificação, a gente pode depreender que está mais vulnerável", analisa.

Até agora o programa ofereceu 1,8 milhões de cursos de formação inicial e continuada, que são consideradas formação profissional pelo Pronatec, e tem duração de 160 a 400 horas. No total, foram investidos no Sistema S R$ 1,5 bilhão, que segundo a assessoria do MEC, serão revertidos em reforma e ampliação das unidades de ensino, construção de 38 centros tecnológicos e 23 centros de inovação, além da implantação de 81 unidades móveis.

Formato pronto

Embora na concepção inicial a ideia do programa não era se basear nos formatos prontos e sim na demanda local, Marco Antonio de Oliveira da SETEC explica que os cursos oferecidos precisam estar no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos ou no Guia Pronatec de Cursos FIC, que estabelecem a carga horária e formação escolar mínima. Além disso, de acordo com o secretário, as turmas são formadas de acordo com a demanda de mercado e a existência dos cursos nas instituições ofertantes, levando em conta as necessidades locais. "No caso do Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, estabeleceu-se uma demanda de 130 mil vagas identificando os possíveis beneficiários deste programa e houve nos estados e nas localidades onde as redes estão instaladas um processo de pactuação de oferta de vagas. Esta oferta leva em conta duas coisas: a capacidade da instituição de ofertar e as características da economia local. Houve uma convergência de interesses", argumenta.

Frigoto levanta a preocupação na fórmula pronta e, segundo ele, há um suposto consenso geral de que a qualidade do Sistema S deve ser seguida como o padrão para todo o programa. "Encontramos uma qualidade mercantil, quedominantemente se baseia em buscar, tentar, preparar para o que serve pro mercado. Acontece que na verdade eles vão vender as matrículas, ganhar o dinheiro e não vão preparar para o mercado. Não porque eles não tenham competência para isso, mas a base que esse aluno tem e o tempo que vão dedicar a ele e os métodos que vão usar vão fazer com que o trabalhador dê de cara no muro, por não existir uma necessidade daquela formação ou, caso exista, só para uma proporção mínima", reflete.

Desdobramentos

O Pronatec Copa e o Pronatec Brasil sem Miséria já são dois desdobramentos para demandas específicas que surgiram neste primeiro ano do lançamento do Programa. O primeiro, em parceria com o Ministério do Turismo, tem como intuito formar profissionais para cursos do eixo turismo, hospitalidade e lazer das cidades-sede ou turísticas que serão afetadas pelo evento. Já o segundo é voltado a pessoas inscritas no Cadastro Único e beneficiárias ou não do Bolsa Família. O Pronatec Brasil sem Miséria é desenvolvido junto às prefeituras municipais, por meio da assistência social, que se responsabilizam pela mobilização dos beneficiários, pré-matrícula e acompanhamento dos alunos, e conta com o apoio dos governos estaduais.

"É uma demanda voltada para um determinado momento, sem dúvida nenhuma. O Ministério do Turismo trabalha como prioridade os grandes eventos turísticos e esportivos que são a Copa e as Olimpíadas, mas a atividade turística no país está em expansão e trabalhamos com cenário de crescimento nos próximos anos", explica Marco Antonio. Ele acrescenta ainda que a conquista do emprego não depende exclusivamente da qualificação, depende de fatores econômicos, que escapam a área de atuação do MEC e do MTur.

O professor da UERJ Gaudêncio Frigotto entende que os cursos ofertados são pragmáticos e que limitam a área de atuação profissional. "Existe a lacuna fundamental entre essa multidão de jovens e adultos que estão fazendo Pronatec e o mercado de trabalho. Como são cursos de adestramento e treinamento, o grande problema é que esse jovem e adulto acabe se culpabilizando depois por não ter encontrado vaga. Do ponto de vista ideológico tem um poder alienador muito grande, um poder de culpar a vítima", analisa.

Expectativas futuras

Marco Aurélio explica que paralelamente ao evento de balanço do Pronatec está sendo organizado também um mapa da educação profissional do ensino técnico cujo objetivo é, com base no Plano Brasil Maior, analisar o tipo de demanda existente para cruzar com dados das redes ofertantes. "Queremos analisar os setores da atividade que hoje concentram as opções de investimento do governo voltadas à inovação e aumento de produtividade e competitividade. A partir daí, vamos verificar qual é o impacto disso na geração de emprego e que tipo de demanda em termos de qualificação profissional existe. Os dados serão cruzados com os das redes ofertantes e somados aos dos territórios, assim teremos um mapa que servirá de subsídio para programar de maneira mais sistemática a oferta de cursos", explica. O mapa está previsto para 2013, quando será realizado um encontro de pactuação entre os ministérios, governos estaduais e instituições ofertantes de vagas.

Esta pactuação entre a oferta de cursos e as demandas locais estava prevista desde a origem do programa. Como forma de desenvolver esta iniciativa, o MEC previa fóruns estaduais que não aconteceram, dos quais participariam as instituições, a gestão estadual e a sociedade civil. "Os fóruns prometidos não aconteceram, mas há a indagação de que se eles fossem realizados talvez fossem reiterados essa mesma lógica que se dá hoje da educação para o mercado, na qual o sistema S é tido como menina dos olhos", aponta o professor da EPSJV Claudio Gomes.

*Da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz