Moara Crivelente: Governo israelense segue dividindo a Palestina

Depois da vitória em uma luta de mais de seis décadas, no dia 29 de novembro, a Palestina conseguiu ser reconhecida como um Estado (mesmo que não membro) pela Assembleia Geral da ONU. Uma esmagadora maioria votou a favor do reconhecimento; ainda assim, o país está longe de ter estabelecidas sua soberania e sua integridade territorial – conceitos tão importantes nas relações internacionais.

Por Moara Crivelente*

Em uma viagem a Jerusalém, em junho, participei de um tour oferecido pela ONG israelense Ir Amim, que vê a cidade como símbolo importante do conflito entre israelenses e palestinos, não só pelo que ela significa em termos religiosos, mas pelas diferentes situações que nela se desenrolam. A parte Leste da cidade, supostamente palestina, é uma mistura extenuante de favelas brasileiras e segregação. Depois de bairros residenciais israelenses, muito bem pavimentados, com parques e outras infraestruturas básicas, salta-se para o próximo quarteirão, onde vivem os palestinos, em poucos metros de distância. São vários os bairros em que isso se repete: ruas esburacadas, sem calçadas, casas depredadas, e vários problemas administrativos.

Os palestinos não têm permissão de administrar esses bairros; seus residentes pagam regularmente os impostos à administração israelense, principalmente por essa ser uma forma de comprovar a sua residência e, assim, evitar que a sua casa seja desapropriada pelo Governo de Israel. Há casos em que alguns palestinos tentaram vender as suas terras a israelenses, pela falta de condições de vida decente. Em certas circunstâncias, segundo o guia de Ir Amim, o palestino que tenta vender a sua casa é dissuadido ou mesmo morto por seus vizinhos, já que está “entregando terras para o inimigo”.

O tour planejado por Ir Amim dura uma manhã inteira, e dedica-se exclusivamente à parte Leste de Jerusalém, passando tanto por esses bairros em que israelenses também são ocupantes, quanto por outras partes já tomadas por Israel – como o Monte Scopus, onde fica a Universidade Hebreia de Jerusalém. Além disso, passa por um bairro de refugiados, separado do resto da cidade por um vale estreito e mais um muro de separação. Ali se vive como nas favelas mais abandonadas, nitidamente; porém, não foi possível entrar.

A revista eletrônica +972, cujos membros variam entre jornalistas independentes e antigos correspondentes tanto de jornais de centro-direita quanto de centro-esquerda israelenses, e a ONG Ir Amim, que publicou um relatório sobre a recente posição de Israel – desde os 134 votos favoráveis ao reconhecimento da Palestina – denunciam o descongelamento de alguns assentamentos e a construção de mais unidades habitacionais em outra área, a E1.

Esta área, E1 (Leste 1), assim chamada pelo Ministério da Habitação, fica localizada à leste da linha que delimita a municipalidade de Jerusalém (ou seja, é território palestino, e fica a caminho de Ramallah). Já havia ali assentamentos irregulares, mas, agora, há planos para a construção de 3 mil novas unidades habitacionais para israelenses, que sequer mencionam a população palestina local. Os planos envolvem também a transferência de um Departamento de Polícia israelense, desde os territórios da Cisjordânia, para E1.

Muitas construções, ilegais mesmo segundo leis internas, já começaram em 2004, mas foram congeladas pouco tempo depois por pressão internacional. Em novembro de 2012, após o pedido de reconhecimento palestino levado à ONU, o Governo de Benjamin Netanyahu anunciou que vai permitir um planejamento de zonas para a construção de 3 mil unidades habitacionais para judeus em E1; seguindo estes planos, a Cisjordânia acabará dividida em duas.

Isso minará todos os esforços de estabelecimento de um país palestino, que será descontínuo e seguirá perdendo territórios. A ocupação israelense da região é considerada até mesmo pelos EUA e pela União Europeia como determinante para que uma “solução de dois estados” se torne inviável para o conflito Israelo-Palestino. Enquanto protestos seguem crescendo para que Israel respeite as condições sugeridas pelo plano Rota para a Paz (Road Map for Peace, em inglês), proposto pelo Quarteto (EUA, União Europeia Rússia e ONU) em 2002, para a criação de dois Estados, o Governo israelense mantém-se determinado a exigir ouvir, diretamente do Governo palestino, o reconhecimento de um Estado judeu em Israel.

Durante seus discursos na Assembleia Geral, no passado dia 29, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, reiterava a sua defesa de um Estado palestino que vivesse em paz com o Estado de Israel, enquanto o enviado israelense para a ONU, Ron Prosor, dizia sentir falta – ou, quase, fazer questão – de que o presidente palestino dissesse, diretamente, “dois Estados para dois Povos”. Ainda assim, Abbas havia dito que não tinha ido à ONU para deslegitimar Israel como um Estado (tática que está na base de todas as políticas do Governo israelense contra o palestino), mas sim para afirmar a legitimidade de um Estado que precisa agora da sua independência, a Palestina.

Não adiantou. Além de Israel manter todas as suas retóricas – principalmente depois de o primeiro ministro israelense ter ameaçado com “consequências” para o processo de paz caso os palestinos levassem o seu pedido à ONU – o governo ainda anunciou a retomada das construções em território palestino, prejudicando a solução de dois Estados defendida amplamente por vários atores, envolvidos direta ou indiretamente no processo de paz.

A repetição do adjetivo “judeu” para classificar o Estado de Israel é, junto com a ausência do adjetivo “palestino” para se referir ao que acaba de nascer formalmente, um atestado da irredutibilidade improdutiva de Israel, prática que se estabelece frequentemente em conflitos assimétricos. Com a ilusão de que a solução do conflito interessa mais aos palestinos que aos israelenses, o governo mantém a sua política de deslegitimar o Estado palestino. Agora, porém, com 138 países posicionados a favor do último, talvez a situação não se sustente mais.

*Moara Crivelente é cientista política e mestranda em Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e dos Sociais, pela Universidad Autónoma de Barcelona. ([email protected])