Fragata Liberdade: Um bom final por seis motivos

 Foram muitos litígios em poucos meses: a Fragata Liberdade detida em Gana numa tentativa de embargo por parte de credores que não aceitaram permutas da dívida; a questão do pagamento dos “fundos abutre” na Justiça de Nova York ; o pedido do Clarín para que a Lei de Meios seja declarada inconstitucional. A ordem de liberação da fragata, pelo Tribunal de Direito do Mar, é um bom final para o Estado argentino por seis motivos.

Por Martín Granovsky, em Página/12

O juiz Raúl Zaffaroni, da Corte Suprema, fez a advertência, no Página/12, há dois domingos. Disse que a Argentina não pode se basear em um Direito ao qual chamou, ironicamente, “cautelar”. Para explicá-lo, usou uma frase: “Um Direito pelas dúvidas”. Para Zaffaroni, é tão Direito pelas dúvidas que uma medida cautelar adie indefinidamente uma decisão de fundo, como uma prisão preventiva capaz de manter uma pessoa durante anos no cárcere só porque a sentença não se produziu em tempo razoável.

Foram muitos litígios em poucos meses: a Fragata Liberdade detida numa tentativa de embargo por parte de credores que não aceitaram permutas da dívida; a questão do pagamento dos “fundos abutre” na Justiça de Nova York [fundos detentores de títulos da dívida pública argentina, que recusaram uma renegociação após a moratória de 2001] ; o pedido do grupo Clarín para que um juiz declare a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual fora do âmbito das certezas constitucionais, cautelares, decisões da Corte Suprema sobre as cautelares, decisão de fundo do juiz Horacio Alfonso a favor da constitucionalidade da exigência de que o Grupo Clarín se adapte aos novos limites. Tantos litígios semearam milhares de processualistas aficionados, com ou sem título da Faculdade de Direito, e sem que os primeiros fossem sempre menos piores que os segundos.

Sem usurpar títulos e honras dos bons processualistas, a ordem emitida ontem pelo Tribunal de Direito do Mar sobre a fragata Liberdade chama a atenção por um elemento: a velocidade.

Sem usurpar esses mesmos títulos, tampouco, na análise de outro caso, a velocidade se impôs na decisão de segunda instância da Justiça de Nova York que suspendeu até fevereiro – ou seja, uma suspensão com data exata e muito próxima – a sentença do juiz Thomas Griesa contra os direitos argentinos em um processo aberto pelos advogados dos fundos abutre.

Há pouco mais de um mês, em 14 de novembro, o Tribunal de Direito do Mar recebeu os documentos com as posições da Argentina e de Gana e, no dia 15 de dezembro, já estava pronta a ordem de liberação da fragata.

A ordem do Tribunal tem um aspecto interessante. Ao ler o texto completo não aparecem os “fundos abutre” como sujeito nem como parte do litígio. De um lado está a Argentina, que considera a fragata Liberdade como um barco de guerra e sustenta que, por isso, ele não pode ser retido. Também alega que forçar a fragata a seguir no porto de Tema viola a liberdade de navegação. Por outro lado está Gana, com seu argumento de que a liberdade de navegação vale para as águas internacionais e não para as interiores.

O Tribunal entendeu que para um navio de guerra não há distinção de águas. Ao seguir essa linha mestra, estabeleceu três medidas: a liberdade de movimentos para a fragata, a apresentação dos reclamos de cada país no próximo sábado no próprio tribunal e o pagamento dos gastos a cargo de Gana e da Argentina, separadamente. Qualquer apreciação sobre os documentos que serão entregues no dia 22 não mudará a ordem de liberação do barco.

Para o Estado argentino, é um bom final por seis motivos:

– O pleito estava dispersando energias do principal objetivo da política internacional da Argentina, que é coordenar esforços para a integração sul-americana e prevenir na medida do possível os efeitos da crise global.

– Tanto as humilhações reais como a percepção de que o país pode ter sofrido uma humilhação nacional costumam criar um “irredentismo” que desvia esforços a respeito da meta de melhorar as condições de vida, sobretudo dos setores mais vulneráveis.

– Para os fundos abutre e seus lobistas é uma derrota.

– A derrota fica potencializada pela sentença da Câmara de Nova York freando o ímpeto de Griesa, que já queria um depósito em dinheiro por parte da Argentina em favor de um pagamento futuro para o setor minoritário de portadores de títulos que, ao contrário de 93%, não aceitaram as renegociações.

– O governo possui agora uma maior margem de manobra para desenhar uma estratégia de fundo com vistas a fevereiro em Nova York.

– Ainda que no sábado o ministro da Defesa, Arturo Puricelli, e o chanceler Héctor Timerman, tenham aparecido juntos na coletiva de imprensa, algo lógico em meio a um litígio internacional, a Fragata Liberdade atracou em Gana contra as recomendações do chanceler. Gana era um porto que a Marinha havia excluído de seus giros durante os sete anos de chefia do almirante Jorge Godoy. Por imperícia, para dizer o mínimo, Gana voltou à rota da Fragata Liberdade e terminou em derrota. A experiência pode servir para estabelecer políticas rigorosas que não só reduzam danos, como também os impeçam.

martin.granovsky@gmail.com

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer