Projeto que regula publicidade infantil completa 11 anos

O Instituto Alana, na manhã de 12 de dezembro, com o apoio da Comissão de Direitos Humanos, realizou em Brasília (DF) um ato público pela Regulação da Publicidade Infantil. A manifestação mobilizou parlamentares e organizações da sociedade civil e marcou o aniversário de 11 anos de tramitação do PL 5.921/2001 na Câmara.

Criado em 2001 pelo então deputado Luiz Carlos Hauly, atualmente licenciado, trabalhando na Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná, o PL já passou por diversas instâncias. A morosidade por trás do processo parece atender interesses pouco nobres.

Pedro Hartung, assessor de advocacy do núcleo de Defesa do Instituto Alana explica que "deveria existir uma própria conduta empresarial mais ética, que por si só não faria publicidade direcionada ao público infantil", mas na falta desta, a necessidade de uma legislação que proteja a infância se torna essencial.

Atraso de Parecer

O PL, que já tramita há 11 anos na Câmara, encontra-se hoje na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), onde espera, há quase dois anos, o parecer do relator da comissão, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP). O relator disse em audiência pública em julho deste ano que apresentaria seu parecer na primeira quinzena de agosto, porém, até agora o processo continua parado. À época, participaram da audiência empresários, publicitários, advogados empresariais e representantes de organizações e órgãos que defendem a infância e o consumidor.

Hartung afirma que "uma forma de se postergar a tramitação de um projeto de lei é requerer que ele passe por outras comissões, e isso foi feito. Em meados de 2008 teve um pedido de dois deputados, um foi o deputado Ratinho Jr e o outro o Lúcio Vale, para que o projeto de lei passasse pela comissão de Desenvolvimento Econômico, e Ciência e Tecnologia, atrasando ainda mais a tramitação dele. Ele então passou pela comissão de desenvolvimento econômico, foi aprovado na forma de outro substitutivo elaborado pelo deputado Osório Adriano, e agora se encontra na comissão de Ciência e Tecnologia com a relatoria do deputado Salvador Zimbaldi, do PDT, que até agora não apresentou parecer". Após a apresentação do parecer de Zimbaldi, o PL ainda segue para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que avaliará os aspectos jurídicos do mesmo e o encaminhará ao Senado.

Bilhões para Enganar

Reportagem de Paula Salati, na edição 186 da revista Caros Amigos, mostra que anualmente se gasta 15 bilhões de dólares ao ano em pesquisas para aprofundar a eficácia da publicidade infantil. Os dados são da psicóloga estadunidense Susan Linn no livro "Crianças do Consumo: A Infância Roubada". A matéria ainda destaca informação do Instituto Alana que diz que, até os 8 anos de idade, crianças não discernem fantasia de realidade, e até os 12, não compreendem o caráter persuasivo da publicidade.

A publicidade, como sabemos, é uma das variantes na formação de hábitos e valores na sociedade, e isso se torna ainda mais forte quando se trata do público infantil. Pedro Hartung observa que "hoje a gente tem mais de 30% da população infantil com obesidade ou sobrepeso no Brasil". O advogado completa a informação mostrando a importância da televisão nesses números, afinal "a publicidade direcionada ao público infantil de alimentos com alto teor de sal, gordura e açúcar é uma variável importantíssima para formar esse hábito alimentar, a gente não vê publicidade, por exemplo, de verduras e frutas na tv."

Abuso Infantil

A psicóloga Ana Olmos especializada em crianças, famílias e adolescentes, e mestre pela USP, aponta em seu trabalho, "Publicidade dirigida à criança: violência invisível contra a infância", que ainda existem problemas sociais agravados por essas práticas. "Do ponto de vista social, essa situação que engendra a vergonha é uma situação de violência, real ou simbólica, ao psiquismo do jovem. Participam dessa violência os meios de comunicação social quando estão a serviço dos interesses de consumo do mercado… No caso do telespectador criança ou adolescente de um país como o Brasil a situação adquire contornos ainda mais graves, considerando que milhares vivem abaixo da linha da pobreza, convivem com o analfabetismo funcional e enfrentam dificuldades de acesso à saúde e à educação. O acesso à cultura, lazer e entretenimento são também fontes essenciais de estímulo ao desenvolvimento emocional e intelectual."

Pedro Hartung aponta dados preocupantes que vão de encontro com as ideias de Olmos: "Pesquisas da Fundação Casa demonstram que mais de 90% dos jovens que estão em conflito com a lei, têm o estímulo, o desejo, muitas vezes pra esses atos ligados ao consumo… A publicidade não é a única variável, mas é uma variável importantíssima".

Pressão

O ato ocorrido no dia 12 visou pressionar parlamentares para que não se passe mais um ano sem algum tipo de regulação. O presidente da CDHM, deputado Domingos Dutra (PT-MA), falou sobre a importância de um marco regulatório de proteção à infância em relação à publicidade. Além de Dutra e Hauly (criador da PL), o ato reuniu diversas lideranças políticas na Câmara, entre elas a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão; deputada Liliam Sá (PSD-RJ) e deputada Erika Kokay (PT-DF), ambas representantes da Frente Parlamentar Mista dos Direitos da Criança e do Adolescente; deputada Aline Corrêa, (PP-SP), deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), deputado Luiz Couto (PT-PB), deputada Rosane Ferreira (PV-PR), deputado Henrique Eduardo Alves (líder do PMDB na Câmara, RN), deputado Paulo Teixeira (PT-SP), deputada Antônia Lúcia (PSC-AC), deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) e Jonas Donizete (PSB), recém-eleito prefeito da cidade de Campinas.

A sociedade civil esteve representada por manifestações da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI); Christina Velho, da ANDI Direitos e Comunicação; a pesquisadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar da Universidade de Brasília (UNB), Renata Monteiro; Helena Martins, representante do coletivo Intervozes; Diego Vale, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), e Raquel Fuzaro, integrante do Movimento Infância Livre do Consumismo.

Posições

Nas audiências públicas se tornam claras as posições de diversos setores. A Associação Brasileira de Anunciantes, por exemplo, acredita na autorregulação, visão que é partilhada pela maioria das empresas publicitárias e emissoras que lucram com os anúncios representadas pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Em contrapartida, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Conselho Federal de Psicologia, além do instituto Alana, lutam pela efetivação de uma legislação específica que respeite o direito à proteção integral garantida pela Constituição Federal, mais precisamente em seu artigo 227 que diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

A pressão da sociedade civil é para que "os parlamentares tenham atenção sobre o tema, e realmente no próximo ano não deixem esse tema passar da infância para a adolescência, porque isso demonstra que uma geração inteira de crianças não foi contemplada por uma legislação sobre o tema, o que já ocorre em vários países, por exemplo, na Suécia, Noruega, na própria Alemanha", explica Pedro Hartung, que ainda completa dizendo que "Isso não significa que não possa existir publicidade, mas que toda e qualquer publicidade que hoje é feita para o público infantil, seja redirecionada para os pais, que são os responsáveis por analisar tanto o conteúdo e adequação dessa mensagem para os seus filhos".

* ilustração Instituto Alana

Fonte: Caros Amigos