Países ainda enviam soldados para treinar na Escola das Américas
Uma das medidas concretas para proteger os direitos humanos é pôr fim ao treinamento de soldados nos EUA, apontou o informe da Comissão da Verdade do Equador, há alguns anos.
Por Pablo Ruiz Espinoza*, na Adital
Publicado 24/12/2012 16:03

Desde 1990, se realizam protestos nos Estados Unidos contra a Escola das Américas (School of the Americas, SOA, em inglês) uma academia militar dirigida pelo Exército dos Estados Unidos que a cada ano treina milhares de soldados latino-americanos.
A partir de 2001, foi renomeada como Instituto de Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental (WHINSEC, em inglês) como uma maneira de enganar a opinião pública em uma tentativa de acabar com as mobilizações que exigiam seu fechamento. No entanto, os protestos contra a academia militar continuam até o momento.
Como parte dessas mobilizações, entre os dias 16 e 18 de novembro deste ano, milhares de ativistas de organizações sociais e religiosas, chegarão até o fronte onde opera a Escola das Américas, em Fort Benning, Geórgia, para demandar o fechamento da "Escola de Assassinos”, como também é conhecida.
Nessa Escola, foram treinados, por exemplo, os agentes da polícia secreta de Augusto Pinochet, entre os quais, o diretor da DINA, Manuel Contreras, assim como também os agentes mais sanguinários que a história do Chile tem memória como Miguel Krassnoff e Álvaro Corbalán, já condenados por centenas de violações aos direitos humanos.
Manuel Contreras foi também o gestor da Operação Condor, o nome militar que ocultou por muito tempo o trabalho secreto e mancomunado dos aparatos de segurança da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Bolívia.
Essa coordenação dos organismos repressivos do Cone Sul implicou na perseguição e assassinato de milhares de pessoas fora de seus próprios países de origem.
É conhecido, a partir dos documentos desclassificados dos EUA, que Alejandro Fretes Dávalos, chefe do Estado Maior das Forças Armadas do Paraguai, relatou que, no Panamá, o Exército dos Estados Unidos tinha instalações de comunicações que foi "empregada para coordenar informação de inteligência dos países do Cone Sul”.
Sem dúvida, o treinamento e a intervenção, muitas vezes direta dos EUA, contribuíram para que as Forças Armadas e a polícia cometessem graves violações aos direitos humanos em toda a América Latina.
O informe da Comissão da Verdade do Equador "Sem verdade não há justiça” recordou em 2010 que "O imaginário do inimigo interno” foi concebido no marco da Doutrina de Segurança Nacional para se referir não apenas às organizações insurgentes, mas também às organizações sindicais, estudantis, indígenas ou de qualquer outro tipo que fossem consideradas como uma ameaça à ordem democrática.
O informe acrescenta que "As Forças Armadas eram as principais estruturas encarregadas de combater o ‘inimigo interno’, na América Latina, e, portanto deveriam ser capacitadas constantemente para levar adiante seu propósito” e que "desde a década de 50, a formação da força pública na América Latina, contou com a estreita colaboração dos Estados Unidos através de centros como a Escola das Américas”.
Levando em consideração o referido anteriormente, no capítulo das "Recomendações da Comissão da Verdade” se exorta aos ministros da defesa nacional e ao governo para que "não se autorizem os membros das Forças Armadas e da Polícia Nacional a participar de cursos de formação ou capacitação em escolas ou instituições que tenham antecedentes de ensino de práticas contrárias aos direitos humanos”. Apontando expressamente o Instituto de Cooperação para Segurança Ocidental, antes conhecido como a Escola das Américas.
Quiçá por esse entendimento, em junho passado, o Presidente equatoriano Rafael Correa decidiu não continuar enviando mais soldados nem policiais à Escola das Américas. O chanceler Ricardo Patiño, ao informar a decisão anterior do Equador, aproveitou a ocasião para citar a Martín Meehan, senador democrata por Massachusetts, que uma vez comentou que se a Escola das Américas decidisse realizar um encontro entre seus ex-alunos, "reuniria infames e indesejáveis capangas do hemisfério”.
SOAW assinalou que "As milhares de vítimas de violações aos direitos humanos no Equador e em toda América Latina tem direito de conhecer os responsáveis pelos assassinatos, desaparecimentos forçados e torturas a fim de que esses sejam levados ante a justiça para que paguem por seus crimes. Ao mesmo tempo, os Estados devem dar garantias à sociedade e aos sobreviventes de não repetição, sendo uma medida concreta terminar com a formação militar na Escola das Américas que tanto prejuízo e sofrimento tem causado a nossos povos”.
Em 31 de agosto (2012), a Caravana pela Paz do México, que tem percorrido mais de 20 cidades em sua visita aos Estados Unidos, chegou até as instalações da Escola das América para exigir seu fechamento. Alguns jovens escreveram sobre seus corpos a frase: "Os assassinos não nascem, se fazem aqui”, e estão cobertos de razão, pois dezenas de narcotraficantes do Cartel ‘Los Zetas’ são ex-militares treinados na Escola das Américas.
Por esse motivo, o poeta Javier Sicilia disse que "Essa escola não forma exércitos, mas sim criminosos”. Mais de 60 mil mortos contabilizam a nefasta guerra contra as drogas no México.
Em setembro, o Presidente Daniel Ortega se reuniu pela segunda vez com o fundador do movimento contra a Escola das Américas, o padre Roy Bourgeois, comprometendo-se a não continuar enviando soldados à Escola das Américas.
Nessa ocasião, Ortega disse: "A SOA é um anátema ético e moral. Todos os países da América Latina têm sido vítimas de seus egressos. A SOA é um símbolo de morte e terror. Por isso, estamos reduzindo o número de nossas tropas na SOA. No ano passado (2011), enviamos somente cinco soldados e nenhum este ano”, disse Ortega durante a reunião.
Com a Nicarágua, já são seis países que anunciaram a retirada de suas tropas da Escola das Américas (Venezuela, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Nicarágua).
No entanto, mais de uma dezena de países continuam enviando suas tropas à questionada academia militar. Segundo dados da mesma WHINSEC, no ano de 2011, foram treinados na Escola das Américas 21 soldados do Brasil, 142 do Chile, 512 da Colômbia, 121 do Peru, 96 de Honduras, 54 do Panamá, 58 de El Salvador, 10 da Guatemala, 16 do México, 36 da Costa Rica, 37 da República Dominicana e 15 do Paraguai, entre outros.
Essas cifras não incluem o treinamento que atualmente realizam instrutores da própria WHINSEC, nos citados países latino-americanos.
Não devemos esquecer que em 1996 foram publicamente conhecidos manuais que eram utilizados na Escola das Américas onde "se aconselhava aplicar torturas, chantagem, extorsão e pagamento de recompensas por inimigos mortos”.
Ainda que os Estados Unidos tenham dito que esses manuais eram contrários à política estadunidense, reiteradamente vem usando a tortura contra prisioneiros de guerra tanto em Guantánamo como em outros lugares, mostrando repetidamente que os direitos humanos podem ser violados em nome da segurança nacional.
Lamentavelmente, é essa a mentalidade que se promove nessa academia militar, para onde são encaminhados soldados latino-americanos para obter "formação”.
*Pablo Ruiz Espinoza é jornalista chileno membro da Comissão de Ética Contra a Tortura e do Observatório pelo Fechamento da Escola das Américas