As diferenças entre as críticas a Israel e o antissemitismo

Em decorrência da exacerbada preocupação pela segurança, o governo de Israel, por intermédio da imprensa ocidental consagra-se como uma verdadeira vítima diante de um “complô árabe internacional”. Essa premissa é frequentemente sustentada sob o argumento de uma guerra ininterrupta desde a fundação do Estado em 1948, por isso, tudo o que à primeira vista possa aparentar um Estado de apartheid, para alguns não o é.

Por Luciana Garcia de Oliveira*

Como resultado disso, torna-se em certa medida possível nos depararmos com matérias que recordam o massacre de Sabra e Chatila como resultado de um conflito entre cristãos e muçulmanos.

Logo, qualquer israelense, mesmo Ariel Sharon, estaria isento e seria considerado inocente de tamanha atrocidade. Todo esse tipo de manipulação tende a reforçar a ideia de que tão somente os atentados suicidas sejam uma espécie de uma expressão da vontade de extermínio e, nesse passo, toda a reivindicação palestina perde sua legitimidade.

O sionismo, resultado do processo de auto emancipação das comunidades judaicas na Europa, é também um empreendimento colonial, responsável por instalar grandes levas de colonos judeus na Palestina que, à primeira vista foi entendida como uma terra sub-povoada e mal explorada. O resultado imediato dessa consciência foi o êxodo de em torno de 75% de palestinos, fruto de um projeto de transferência, amplamente discutido e debatido no Congresso Sionista de Zurique de 1937. Todos os mecanismos de limpeza étnica encontram-se muito bem documentados em excelentes fontes israelenses. Um grande exemplo disso é a celebre frase proferida por David Ben Gurion, ao referir-se aos refugiados palestinos: “O tempo passará e tudo será esquecido”.

Muitos são incapazes de atentarem para a verdadeira causa da atual intensidade na reprovação de Israel, sobretudo nos meios progressistas, qual seja, o seu grande prestígio anterior, do histórico mito sionista. Na medida em que há uma descoberta progressiva de uma vasta fraude intelectual, por parte de acadêmicos, políticos e jornalistas europeus, tomados por um sentimento de culpa por uma história recente, emergiu uma forte necessidade de gritar.

A essa altura e, diante de um vasto acervo bibliográfico, artístico e cinematográfico tendente à denunciar os crimes cometidos pelo governo e exército israelense, os reprovadores profissionais da reprovação ao suposto antissemitismo correm o risco de não serem mais levados tão a sério, o que não significa deixá-los impunes do abuso de toda essa vitimização.

No Brasil, esse debate infelizmente é muito tardio, foi motivado, em meio à repercussão da lista das personalidades e entidades mais “antissemitas do mundo”, promovido pelo centro Simon Wiesenthal e sobretudo diante da inserção do nome do cartunista brasileiro Carlos Latuff, em meio a algumas entidades e personalidades verdadeiramente racistas. Nesse sentido, foi idealizado por ele próprio a promoção de um abaixo-assinado, hospedado pelo site Avaaz.org a fim de angariar apoio pelo “fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”, conforme esta descrito em sua introdução. Apesar de tardia, é preciso esclarecer em todos os meios de divulgação toda a confusão entre judaísmo e política israelense e entre antissemitismo e antissionismo, a fim de evitar procedimentos retóricos tendentes tão somente à manutenção dessa confusão conceitual. A reação contra esse abuso nunca será tarde.

* Luciana Garcia é integrante do Grupo de Trabalho sobre o Oriente Médio e o Mundo Muçulmano do Laboratório de Estudos sobre a Ásia da Universidade de São Paulo (LEA-USP).