Escola baiana une avós e netos para resgatar velhas brincadeiras 

Brincadeiras antigas podem ser mais fascinantes para as crianças do que as atuais. Afinal, são novidade para a geração dos brinquedos industrializados e dos jogos eletrônicos. A professora Vânia Emília Dourado, 36 anos, da Escola Anísio de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, cidade baiana de 25 mil habitantes, encravada na Chapada Diamantina, conseguiu envolver alunos da educação infantil e seus avós numa proposta pedagógica para ensinar a brincar como antigamente. 

Escola baiana une avós e netos para resgatar velhas brincadeiras

O projeto pedagógico Meus Avós Brincavam de Quê? foi um dos distinguidos este ano no 6º Prêmio Professores do Brasil, promovido pelo Ministério da Educação. “É preciso valorizar aquilo que está perdido. Tirar o aluno da sala para brincar, resgatar brincadeiras antigas que a maioria das crianças de hoje não conhece”, comenta a professora.

“O projeto foi uma troca, um resgate cultural e uma forma de aproximar e de integrar a comunidade escolar”, comemora Vânia, que vai investir parte do dinheiro do prêmio em livros. “Fui premiada, mas todos ganharam,” afirma, anunciando que já se prepara para elaborar o projeto para 2013.

Foram selecionadas para o projeto pedagógico dez brincadeiras vinculadas a vivências culturais da região. Assim, avós e pais puderam lembrar a infância e brincar com filhos e netos. Cantigas de roda, como Seu Juquinha e Mulher Rendeira, foram selecionadas entre as muitas enviadas pelas famílias das crianças de quatro e cinco anos.

Boneca de milho

Zulmira Emília, 68 anos, avó de Jaiane, de cinco anos, entrou na roda das brincadeiras antigas. Além das cantigas cantadas em roda nos tempos de menina, ela criava as próprias bonecas. “A gente brincava com bonecas de espiga de milho”, lembra. “Os cabelos eram feitos de palha desfiada, que a gente amarrava; os olhos, com carvão. Depois, era só enrolar nuns paninhos e fazer de conta que era um nenê”, conta, feliz com as lembranças da infância. “Minha neta nunca tinha visto esse tipo de boneca. Ela achou engraçada e brincou.”

Jaime Francisco Dourado, 78 anos, marido de Zulmira, também mostrou à neta como ele e os amigos construíam os próprios carrinhos, com rodas de sabugo de milho e casca de cabaça. “Nem me lembrava mais; há quanto tempo não fazia um”, diz Dourado. “Ela gostou demais e as crianças da escola, também. Voltei a brincar, a me divertir.”

O projeto ainda resgatou frutos típicos da caatinga que as crianças de antigamente usavam para criar brinquedos, como o quiabento, arbusto coberto de espinhos que pode chegar a cinco metros de altura. Com os frutos, eram simulados animais em fazendinhas. Gravetos viravam pernas, rabos e chifres. “As crianças de Iraquara, que é uma cidade pequena, ainda têm o hábito de brincar na rua, mas com bola”, diz a professora. “As brincadeiras antigas, elas não conhecem.”

Cultura popular

Autores como o historiador Câmara Cascudo (1898-1986) e a professora Tizuko Kishimoto explicam que o resgate de jogos tradicionais infantis é importante porque esses jogos partem da cultura popular e expressam a produção espiritual de um povo em uma determinada época histórica. Como são transmitidos pela oralidade, estão sempre em transformação, incorporando criações anônimas das sucessivas gerações.

Pesquisas mostram a importância de resgatar os jogos tradicionais na educação e socialização da infância, a exemplo do projeto da professora Vânia Emília. Ao brincar e jogar, a criança cria vínculos sociais, ajusta-se ao grupo, obedece a regras e aprende a ganhar e a perder. Valores que seguirão com ela na vida futura.

Na experiência lúdica de brincar juntos, promovida pela Escola Anísio de Souza Marques, netos e avós puderam cultivar a fantasia, vivenciar a amizade e a solidariedade, traços fundamentais para o desenvolvimento de uma cultura solidária na sociedade brasileira atual, como afirma a professora Elizabeth Lannes Bernardes, da Universidade Federal de Uberlândia, no artigo Jogos e Brincadeiras Tradicionais: um Passeio pela História.

Da Redação em Brasília
Com informações do MEC