As máscaras caem no Sul do Chile

No sul do Chile existe um povo que quiseram relegar aos livros de história. Um povo que elogiavam seu passado glorioso, mas já faz muito tempo, lhes foi negada a possibilidade de presente e futuro.

Por Raúl H. Contreras Román*

repressão aos Mapuches

É o povo que, segundo nos foi ensinado, deu o sangue que ocupa a metade da bandeira nacional, sangue que faz parte da paisagem histórica e natural, como a cordilheira e o mar que adornam o resto do emblema pátrio. Sangue guerreiro quando foi derramado em defesa do território contra o invasor espanhol, mas infame e invisível quando se trata de outros invasores. 

Faz anos que as notícias que chegam do sul cheiram a mentira. Continuamente parecem ser escritas por um roteirista treinado em tempos que era necessário inventar combates, a vinda de um cometa ou uma nova campanha solidária nacional, para silenciar os gritos das torturas e inventar uma legenda que acompanhasse a foto dos corpos repartidos no pavimento. Um roteirista preparado para fazer montagens que recriam uma e outra vez os clássicos mais sangrentos do drama histórico nacional.

Desta vez o roteirista não parece diferente, mas extremou sua capacidade, seu ódio. Talvez não teve medo em inspirar-se nos que ocuparam seu lugar em momentos prévios para a “Pacificação da Araucanía” (1) e que conseguiram criar condições para legitimar a invasão do território e a aplicação de uma guerra de extermínio contra este povo.

Talvez o atentado ao casal Luchsinger-Mackay (2), fez parte do roteiro ou talvez permitiu uma virada em sua elaboração, que permitiu a partir deste ato – por todos condenado, inclusive pelos mapuches e suas organizações – aguçar e levar ao extremo da criatividade sua escrita letal.

Tem sido tamanha sua capacidade que até os estadistas, os sempre bem comportados e mensurados integrantes da classe política nacional, têm abalado aos setores latifundiários e empresariais que convocaram a formação de grupos de choque contras os mapuches.

Resultou tão eficaz que tornou-se normal a injustiça e o tratamento desigual diante da Lei. Agora, bloquear uma estrada (3) está bem, quando for contra os “terroristas” mapuches. Armar-se e chamar o paramilitarismo é permitido, quando for contra os violentos “índios”.

Diante da espetacularização do atual roteiro, no sul caem-se as máscaras e ao corolário, quiseram que fosse, o definido branqueamento do país que nunca acomodou sua mesticidade e menos ainda sua composição multicultural.

No sul caem-se as máscaras e o rosto real é o da crua repressão a um povo. Repressão que há anos os roteiristas dominantes têm visto como o único caminho para a expansão total do capitalismo extrativista, na terra que, porfiadamente, um povo insiste em defender.

Notas:

1. Nas últimas décadas do século 19 o Exercito do Chile invadiu o território que ocupavam os mapuches na região sul, do Rio Bio Bio. Esta ação foi denominada “Pacificação da Araucanía” e provocou a perda de mais de 90% do território mapuche e quase 40% de sua população que foi confinada as chamda reduções indígenas

2. No dia 4 de janeiro de 2013, em Vilcún (Região da Araucanía, Chile) foram encontrados os corpos do casal Luchsinger-Mackay dentro de sua casa incendiada. Estes descendentes europeus eram proprietário de ampos territórios reclamados pelas comunidades mapuches como parte da terra usurpada. A partir do assassinato do casal, nas últimas semanas o ambiente repressivo na zona sul do Chile se intensificou. Sem ter maiores antecedentes, de imediato assumiu-se que o crime havia sido cometido por pessoas vinculadas ao movimento mapuche e esta situação desatou uma onda de repressão nas comunidades que incluem violentos ataques, detenções arbitrárias, a militarização da zona e o uso ilegal da força por parte da repressão.

3. No dia 7 de janeiro de 2013, as associações dos transportadores de caminhões convocaram para bloquear uma das principais estradas do Chile (Rota 5 Sul), para protestar contra a insegurança e o “terrorismo mapuche”. Esta ação foi levada adiante sem a intervenção da força pública, possibilitando que essa estrada permanecesse fechada por quase todo o dia. Para muitos setores isso demonstrou a desigualdade entre a Lei, já que se fossem outros grupos os que realizassem esta ação (trabalhadores, pescadores, estudantes, mapuches) seriam fortemente reprimidos. A ação dos transportadores foi abalada por ministros do governo que se pronunciaram a favor do fechamento da estrada. Assim como um ministro destacou que os agricultores estão no seu direito a “defender-se com o que tenham”, aludindo aos supostos ataques “terroristas” dos mapuches.

* Raúl H. Contreras Román é antropólogo chileno