Conflito no Mali pode deixar 700 mil desalojados

Mais de 700 mil pessoas devem ser desalojadas em consequência da violência no Mali. Destes, 400 podem fugir para países vizinhos nos próximos meses e 300 mil ficarão desabrigados, afirmou nesta sexta-feira (18) a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Melissa Fleming, em Genebra (Suíça).

"Cerca de 147 mil malineses já fugiram para países como Mauritânia, Níger, Burkina Fasso e Argélia, após o início da crise no ano passado, incluindo 2.744 desde que começaram os ataques aéreos franceses", disse.

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Os últimos acontecimentos no Mali continuam confusos. Números divergentes e falta de informações são recorrentes desde o primeiro bombardeio ao campo de rebeldes islâmicos no norte do país, em 13 de janeiro.

Argélia

A comunidade internacional se voltou com mais afinco ao conflito depois que, em retaliação aos ataques franceses, um grupo de jihadistas realizaram um sequestro coletivo em um campo de exploração de gás na Argélia, no dia 16. Muitos reféns de diferentes nacionalidades morreram durante a tentativa de resgate promovida pelo Exército local.

Os primeiro-ministros britânico, David Cameron, e japonês, Shinzo Abe, se mostraram descontentes com o desfecho e cobraram do premiê argelino, Abdelmalek Sellal, detalhes da operação de resgate dos reféns.

O grupo comandado pelo argelino Mokhtar Belmokhtar, expulso da Al Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI), assumiu a autoria do sequestro e justificou a ação como uma resposta à intervenção francesa no Mali.

Tropas africanas

O primeiro contingente de uma nova força regional africana chegou nesta quinta-feira (17) ao Mali, para se juntar às tropas francesas. Cerca de 100 soldados togoleses desembarcaram em Bamako e forças nigerianas já estariam a caminho. Contingentes do Níger e do Chade estão se agrupando no Níger, país a leste do Mali.

A expectativa inicial é de que a força africana só estaria operacional em setembro, mas a intervenção militar francesa iniciada na semana passada acelerou as coisas. No total, a expectativa é de que 5.300 soldados do continente africano sejam enviados ao Mali, mas por enquanto essa é uma realidade distante.

A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) se reunirá sábado em Abidjan para uma reunião extraordinária sobre o Mali. A França anunciou nesta sexta-feira que o ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, participará.

Batalha em Konna

O Exército do Mali voltou nesta sexta-feira a avançar e anunciou ter recuperado o controle da cidade de Konna (centro) das mãos dos grupos islamitas. A informação foi confirmada por uma fonte da segurança regional e por habitantes da região contactados pela AFP. O local continua inacessível aos observadores independentes. Combates já haviam sido registrados na quarta-feira e na madrugada de quinta-feira.

"Houve um segundo confronto com islamitas a cerca de 20 quilômetros de Konna", disse o capitão Saliou Coulibaly à agência France Presse (AFP). "Seis islamitas foram mortos e conseguimos apreender oito veículos e destruir outros." Apesar das declarações oficiais malinesas, um militante islamita disse à AFP, em condição de anonimato, que a batalha pelo controle da região de Konna "não terminou".

Rebeldes, que controlam o norte do país desde abril, avançaram na semana para o sul, em direção ao território controlado pelo governo e tomaram Konna, que fica a 700 quilômetros da capital Bamako.

Guerra longa

O fato é que os confrontos iniciais das tropas francesas com militantes islâmicos no Mali têm mostrado que os combatentes do deserto são mais bem treinados e equipados do que a França tinha previsto antes da intervenção militar da semana passada, afirmam diplomatas franceses e de outros países na ONU.

A percepção de que a luta nas semanas – ou meses – à frente poderia ser mais sangrenta do que o previsto pode tornar os países ocidentais ainda mais relutantes em se envolver ao lado da França. No entanto, as autoridades francesas esperam congregar seus aliados na agressão, dizem diplomatas.

"Nossos inimigos estavam bem armados, bem equipados, bem treinados e determinados", afirmou um diplomata francês. "A primeira surpresa foi que alguns deles estão se mantendo no local", disse ele.

Apesar de países da Europa terem anunciado apoiar a ofensiva francesa no Mali, nenhum país até então ofereceu apoio militar e logístico concreto. Os Estados Unidos. Como era de se esperar, aplaudiram a iniciativa francesa, mas excluíram de imediato o envio de tropas suas. Washington ofereceu, em vez disso, acesso a informações dos serviços de inteligência, obtidas graças a satélites e aviões não tripulados (drones).

Numa Europa em crise, só a Bélgica se prontificou a enviar tropas para o terreno – cerca de 70 soldados que vão participar em tarefas de transporte e manutenção. Até então, a maioria dos apoios europeus diretos à França resume-se a alguma ajuda logística. A Alemanha, a Bélgica e a Dinamarca e Grã-Bretanha ofereceram meios de transporte aéreo. A Itália também diz-se pronta a fornecer apoio logístico.

Falando à chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton – para quem a UE foi “unanime a saudar a resposta da França” – o eurodeputado Daniel Cohn-Bendit resumiu no Parlamento Europeu o desconforto dos franceses com a falta de solidariedade dos parceiros europeus.

“Madame Ashton, a senhora disse que esta guerra nos diz respeito a todos. Todos nos dizem o mesmo. Mas ali só há soldados franceses. O que estão a dizer aos franceses é: nós mandamos umas enfermeiras e vocês que morram", disse o eurodeputado franco-alemão.

Além das questões econômicas, o jornal El País levanta mais algumas razões para a relutância europeia de entrar em mais uma guerra. Na Alemanha, por exemplo, a chanceler Angela Merkel não estaria interessada em aventuras bélicas sem data para acabar, justamente em um ano eleitoral.

Histórico de intervenções

A França tem um histórico de intervenções militares em suas antigas colônias em momentos de insurreições e instabilidade política. O analista da BBC Tim Whewell frisou que a França, que até 1950 e 1960 controlava vários países africanos, ''nunca deixou a região por completo''.

'"Mesmo após a independência de suas antigas colônias africanas, a França já interveio em conflitos no Gabão, na República Centro-Africana, na Costa do Marfim e na República do Congo", disse.

Por trás da ingerência, há sempre interesses do país neocolonialista. No caso do Mali, a vasta oferta de recursos naturais coloca dúvidas em relação às reais intenções francesas. O país é o terceiro maior produtor de ouro da África, além de possuir urânio, diamantes, minério de ferro e potencial petrolífero.

Com agências