No Mali, Hollande agradece às suas tropas. Por que, mesmo?

François Hollande, presidente da França, chegou ao Mali neste domingo (3), para se dirigir às tropas que enviou ao país há quase um mês. O presidente disse ter viajado ao país para agradecer pelo que vê como um “trabalho bem-sucedido” no Mali, mesmo em meio a protestos internacionais contra o intervencionismo militar disseminado e contra seus efeitos para a população.

Tropas francesas e africanas no Mali - RFI press

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Desde Timbuktu, a correspondente da Al-Jazeera Jacky Rowland acompanhou a visita de Hollande, que disse que as suas tropas só vão retirar-se do Mali quando houver "democracia e respeito pelos direitos humanos", e quando o país todo estiver de volta sob controle do governo central.

O presidente francês disse ainda que outra condição para a retirada das suas tropas é a “derrota dos rebeldes”, numa declaração subjetiva e perigosa, que abre muitas possibilidades para a intervenção militar.

Enquanto multidões se aglomeram “em agradecimento” por ver a região “livre dos rebeldes ligados à Al-Qaeda”, segundo Rowland, Hollande disse que Timbuktu o deixou “cheio de emoção pela hospitalidade e pelo apoio da população”, referindo-se ao grupo que se manifestou favorável à intervenção militar francesa.

Há 3.500 soldados franceses no Mali atualmente, numa operação para “recapturar territórios” aos grupos armados. O governo francês e seus aliados fazem questão de dizer que a operação militar iniciada pela França, em interpretação controversa de uma resolução da ONU de dezembro passado, é totalmente apoiada pelo governo do Mali e por seus vizinhos.

O presidente interino do Mali, Diocunda Traore, disse, em um discurso durante a visita de Hollande: “Juntos liberamos Gao e Timbuktu, juntos liberamos Kidal e Tessali, caçamos os terroristas até os seus esconderijos.” A comprovar pelo tom belicoso, nenhuma das partes envolvidas na reação militar contra os grupos armados, dos quais o protagonista é o nortenho Ansar Al-Dine, chegou a falar em negociações.

O presidente Hollande disse ainda prever, para breve, a transferência do comando das operações militares às forças africanas ou da ONU, que é o que estava previsto para uma eventual intervenção na resolução aprovada em dezembro no Conselho de Segurança. Adiantando-se, porém, o governo francês iniciou unilateralmente a Operação Serval em 11 de janeiro, e recebeu apoios sucessivos da União Africana, da Inglaterra, dos EUA e do Canadá.

Críticos da política internacional intervencionista preocupam-se com as reais pretensões da França em sua antiga colônia, com os impactos que a operação militar pode ocasionar social, política e economicamente, com a sustentabilidade de uma situação de relativa segurança trazida de forma coercitiva e com a falta de preocupação com uma solução real e construtiva ao conflito no Mali, que envolve diferentes atores e reivindicações ainda não totalmente compreendidas pelas potências que resolveram intervir.

Em meio a interpretações simplistas, ainda não se exploraram discursos locais e regionais contrários à intervenção, mas tem-se dado foco aos “agradecimentos” da população à “salvação” proporcionada pela antiga potência colonial, ao apoio do governo do Mali e de seus vizinhos africanos e às “conquistas” militares de território, à força. Sobre os atores “do outro”, ou “dos outros lados”, nenhuma ou poucas notícias, sempre insuficientes para favorecer uma perspectiva crítica sobre a metodologia intervencionista de cunho militarista, pouco questionada pela ONU, como lembrado pela presidenta Dilma Rousseff.

Grupos de direitos humanos que viajaram ao país questionam ainda a conduta dos soldados do Mali envolvidos na operação francesa, e mencionam até a execução de civis. Ainda, com o fim da intervenção francesa, mesmo que apoiada e liderada, oficialmente, por militares africanos,não foi planejada a situação interna do país, que pode deteriorar. O agravo da situação já tensa e a falta de uma solução sustentável ao conflito, ao qual apenas uma resposta militar e, consequentemente, temporária foi dada, pode deixar a população ainda mais vulnerável.