Cerca de 800 refugiados malianos por dia chegam a países vizinhos

O conflito no Mali segue em escalada, em meio às declarações internacionais de aumento de tropas, perseguição aos insurgentes, e outras medidas militaristas. Porém, também começam a ser evidenciados relatos de violação dos direitos humanos, coerção, disseminação da pobreza e da insegurança, entre outras ameaças constantes.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Tuaregues do Movimento Nacional de Liberação do Azawad - Al-Jazeera

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), aproximadamente 800 cidadãos do Mali atravessam a fronteira diariamente, tornando-se assim refugiados do conflito armado no país. O principal destino é a vizinha Mauritânia, onde o campo de refugiados M’bera recebe centenas de pessoas por dia em fuga da violência e da sensação de insegurança.

Grupos de defesa dos direitos humanos já denunciaram o que chamaram de “execuções” indiscriminadas de civis por parte do exército oficial, que é aliado das tropas francesas na Operação militar Serval, iniciada há quase um mês pela França, sem o aval direto mas também ainda sem condenação por parte da ONU.

O campo M’bere tem pouquíssimo acesso à água potável, a cuidados médicos e comida. Do outro lado da fronteira, no norte do Mali, os grupos armados são variados, e ainda incompreendidos tanto pela mídia tradicional quanto pelos atores diretamente envolvidos no “combate” contra eles.

Diversidade de causas

Há uma mistura de insurgentes religiosos, milícias étnicas e grupos seculares entre os indivíduos que as tropas francesas têm como alvo, todos colocados no mesmo pacote de “terroristas islâmicos ligados a Al-Qaeda”. Enquanto alguns assumem a sua ligação com o grupo islâmico mais falado do mundo, os outros, também sofrendo ataques, nada têm a ver com o “terrorismo” e com a “imposição da sharia”, características que têm sido usadas pelo Ocidente para justificar sua intervenção militar.

Entre os seculares estão os tuaregues, que exigem a separação da região Azawad do resto do Mali, e reivindicam a sua autodeterminação. Um dos grupos que defende esta causa é o Movimento Nacional de Liberação do Azawad, que já se disse disposto a ajudar o governo e as tropas francesas a combaterem os grupos islamitas, inclusive Ansar al-Dine (dito “ligado a Al-Qaeda”), desde que o governo aceite a condição de independência à região do Azawad.
Há ainda duas milícias étnicas principais, a Ganda Koy e a Ganda Izo, que se declaram “grupos de autoproteção”, uma para o grupo étnico Songhai e a outra para os Fulani e outras etnias. Ambos combatem tuaregues e árabes, vistos como grupos étnicos rivais num longo histórico de violência armada.

Entre os islamitas estão o Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM), o Ansar al-Dine (“Defensores da fé”) e o Movimento pela Unidade e pela Jihad na África Ocidental (MUJAO). Mesmo entre estes, há divergências e cuidados, por exemplo, com relação aos tuaregues, já que muitos também pertencem a este grupo étnico tradicionalmente nômade.

Exército maliano

A maioria dos refugiados na Mauritânia vem do norte do Mali, e um refugiado disse, em entrevista à Al-Jazeera, que o exército do Mali “persegue pessoas por causa da cor da pele e do grupo étnico” a que pertence, “não se importa se [a pessoa] está carregando armas, ou se faz parte de algum grupo armado.”

A Federação Internacional de Ligas pelos Direitos Humanos (FILDH) disse, em janeiro, que na cidade de Sevare 11 pessoas foram assassinadas num campo militar. Ainda, a rede Al-Jazeera diz haver “relatórios credíveis” e evidências de que mais 20 pessoas foram executadas na mesma área. E em Niono, no centro do país, 2 tuaregues foram executados por soldados malianos, de acordo com a FILDH. O Exército do Mali nega as acusações.

Apesar de dizer-se aliada das forças do Mali para legitimar a sua operação militar como mais do que uma intervenção neocolonialista, a França, através de seu ministro das Relações Exteriores Laurent Fabius, disse que não vai “aceitar qualquer violação de direitos. A comunidade internacional enfrentará uma situação muito séria se [a força de intervenção] for identificada com os abusos.”

Até o fim de janeiro, muitas organizações de ajuda humanitária tentavam, sem sucesso, aceder ao norte para levar suprimentos básicos aos afetados pelos conflitos armados. Apesar do avanço progressivo do Exército, apoiado pelas tropas francesas, a tomar o domínio de diferentes grupos, as 12.000 pessoas deslocadas entre 10 de janeiro e o fim do mesmo mês ainda não receberam ajuda, segundo o ACNUR.

Em 2012, o ACNUR já contabilizava 142.000 refugiados do Mali nas vizinhas Mauritânia, Burkina Faso e Nigéria. Houve ainda relatórios, de acordo com a agência da ONU, de que muitas pessoas foram proibidas de se deslocar, o que poderia explicar o baixo número de pessoas que buscaram refúgio no sul do país. Mesmo assim, a Argélia resolveu fechar a sua fronteira com o Mali em dezembro, e a Nigéria considerava a mesma opção.

Situações como essa, em que os grupos armados já estão em tensão entre si se veem agora acossados pelo Exército e pelas tropas estrangeiras, e também em que as famílias empobrecem em ritmo acelerado, sem acesso a bens de necessidade básica, servem apenas para escalar a violência já extremada. Como declarado pelo Brasil, através da presidenta Dilma Rousseff e do ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, essas situações requerem mais a “Responsabilidade ao Proteger” (princípio cunhado pelos diplomatas brasileiros) do que preocupações estratégico-militares e sectaristas.