Prisioneiros palestinos organizam resistência e exigem dignidade

O Movimento dos Prisioneiros Palestinos publicou recentemente um documento em que apresenta as suas causas através de um contexto histórico da luta dos palestinos detidos em prisões israelenses, principalmente sob a permissiva, arbitrária e abrangente categoria de “detenção administrativa”. O documento examina as razões políticas e estruturais para a decisão do movimento de organizar greves de fome.

Prisioneiros palestinos - PressTV

O trabalho foi realizado com base em análise do Movimento, na literatura, em dezenas de entrevistas com prisioneiros libertados e a partir também de declarações e entrevistas da Unidade Jurídica da Associação Addameer realizadas com os presos nas cadeias, que lutam por seus direitos e lideram a greve de fome em massa. 

A seguir, alguns trechos do documento extenso e rico em detalhes históricos, traduzido para o português pela Associação Addameer para os direitos humanos e apoio aos prisioneiros políticos palestinos.

Causas históricas

O Acordo de Oslo (assinado 1994 entre a Organização para a Libertação da Palestina e Israel) não permite a libertação dos prisioneiros palestinos, que somavam cerca de 12 mil pessoas em cárceres israelenses, que têm dividido os prisioneiros de acordo com as classificações de "segurança" geográficas e políticas.

Exemplos das classificações são os prisioneiros da cidade de Jerusalém e prisioneiros de territórios ocupados em 1948, considerados como cidadãos israelenses e tratados como prisioneiros criminosos devido à autodeterminação para as autoridades israelenses.

A Autoridade Palestina foi alvo de críticas e protestos ao assinar o Acordo de Oslo sem garantir a libertação dos prisioneiros palestinos, o que motivou os prisioneiros a lutar e entrar em sucessivas greves de fome para exigir os direitos que lhes cabem e liberdade enquanto prisioneiros de guerra e civis que lutaram contra a ocupação.

As forças da ocupação liberaram milhares de prisioneiros no âmbito do "processo político" à época, mas centenas de prisioneiros considerados perigosos para a segurança de Israel foram mantidos em cárceres israelenses após o Acordo de Oslo.

Após a redistribuição das forças da ocupação israelense nos territórios palestinos ocupados e a constituição da Autoridade Palestina, em 1994, o governo israelense fechou prisões no território palestino ocupado e embarcou em uma operação em larga escala para transferir detentos e distribuí-los em prisões dentro das fronteiras da potência ocupante. Isto configura uma grave violação do artigo nº 67 da Quarta Convenção de Genebra, que prevê a manutenção das pessoas acusadas de delitos protegidas no país ocupado.

A decisão de transferir a responsabilidade dos cuidados aos detentos palestinos do comando militar que administra a ocupação no território palestino para o Ministério da Segurança Interna e o Serviço Prisional Israelense cria uma nova fase que considera o prisioneiro palestino como detento de “segurança”. Isso afeta as condições de vida do prisioneiro palestino, que passa a ser vulnerável a sanções individuais e coletivas (sob o pretexto de violar os regulamentos) como, por exemplo, o isolamento, a privação de visitas familiares e pesadas multas financeiras.

Com o início da Segunda Intifada (levante palestino iniciado em setembro de 2000, que veio após a greve de fome dos prisioneiros), a força de ocupação prendeu milhares de jovens palestinos inexperientes politicamente, o que impactou a organização em cárcere e a capacidade organizacional e tática para enfrentar o Serviço Prisional Israelense.

O governo israelense explorou este declínio para enfraquecer as conquistas do Movimento dos Prisioneiros Palestinos nas últimas três décadas, desgaste este intensificado em mais de 20 campanhas de greve de fome que mataram os seis primeiros prisioneiros mártires: Abdul Qader Abu Al fahem, na prisão de Asqalan ( Ashkelon), em 1970, depois de ser forçado a utilizar tubos de alimentação; Rasim Halawa, Anis Dauli e Ali Jaafari, que morreram em greve de fome na prisão Nafha, em 1980.

Depois, juntou-se a eles o prisioneiro Isaac Maragheh pela sua participação na mesma greve, e o sexto era Hussein Obeidat, que se tornou mais um mártir na prisão Asqalan, em 1992, por sua participação na greve de fome geral que agregou todas as prisões.

A articulação do Movimento

Durante os anos de 2000 a 2004, o Movimento de Prisioneiros Palestinos tentou se recuperar, mas a profundidade da crise fracassou a tentativa e, em 2004, iniciou-se uma campanha aberta de greve de fome que durou por mais de três semanas, quando finalmente cessou sem a conquista dos seus objetivos.

Então, iniciou-se uma nova fase na história do Movimento, caracterizada pela arrogância do serviço Penitenciário Israelense, que impôs novas políticas, como a privatização das prisões, iniciativa que, indiretamente, veio a direcionar a responsabilidade sobre o prisioneiro à Autoridade Palestina e às famílias dos detentos. O esforço visava prejudicar os esforços da luta palestina e adaptar os detentos aos novos e sufocantes procedimentos com o intuito de neutralizar os efeitos da resistência dentro e fora das cárceres israelenses.

Tais medidas coincidiram com outras novas punitivas contra os prisioneiros, como, por exemplo, a política de multas, que viola os regulamentos do Serviço Penitenciário israelense para os denominados "prisioneiros de segurança". O Serviço Penitenciário também duplicou a adoção do confinamento solitário contra os presos e seus principais líderes, para impedi-los de planejar a reconstrução do movimento em cativeiro.

Outra medida adotada foi o corte de determinados alimentos das prisões, o que reduziu drasticamente as alocações mensais (chamadas de Alospkah), que inclui alimentos como açúcar, chá, café e materiais de higiene pessoal, num esforço contínuo de barrar os recursos básicos dos prisioneiros mantendo os custos da detenção.

Derrota interna e desastre nacional

A divisão palestina entre os partidos Fatah e Hamas após as eleições de 2006 intensificou a fragilidade do Movimento dos Prisioneiros Palestino. O Serviço Prisional aproveitou a delicada fase dos cativos e separou os prisioneiros do Hamas e do Fatah dentro das prisões. Tal procedimento foi um duro golpe para a estrutura do movimento em cativeiro, que perdeu a soberania sobre suas decisões após a influência crescente dos serviços de segurança da Autoridade Palestina sobre os detidos.

Depois de a resistência palestina capturar o soldado das forças de ocupação Gilad Shalit, em 26 de junho de 2006, na Faixa de Gaza, o governo israelense tomou várias medidas sem precedentes contra os prisioneiros e suas famílias, principalmente dos 700 cativos da Faixa de Gaza (o número caiu para, atualmente, 453 presos), privando-os de direitos como o de receber visitas de familiares.

A Faixa de Gaza é considerada por Israel como "hostil e controlada por uma organização terrorista" desde meados de 2007.

A administração prisional passou a humilhar deliberadamente as famílias dos presos durante as visitas. Os maus-tratos eram praticados pelas Forças Especiais (Naassom e Massada e Dror) que lidam diretamente com os prisioneiros palestinos.

A missão das Forças de Controle dos Prisioneiros é a de inspecionar seus quartos e setores e de agir para a supressão de protestos, usando tipos especiais de armas e munições semelhantes às usadas para reprimir manifestações pacíficas contra o muro e as colônias e assentamentos ilegais. Exemplo disso foram as ações públicas em protesto contra a morte do detento Mohammed al-Ashqar, em outubro de 2007, na prisão de Negev, uma semana antes da data de sua liberação.

O Estado de Israel passa a utilizar os prisioneiros, dentro deste contexto, como manobra e negociação para pressionar as facções que capturaram o soldado Shalit, por meio de sanções que atingem os direitos humanos dos palestinos coletiva e individualmente. A instituição parlamentar e executiva israelense criaram leis associadas à organização de inteligência, política e de segurança, e o Knesset (parlamento israelense) aprovou uma série de leis que negam os direitos básicos dos presos palestinos. A intensificação da repressão por parte das Forças da Autoridade Prisional, visando a privação do direito à educação, é um exemplo.

Este período foi marcado pela piora dramática das condições de vida dos presos políticos, de maneira nunca antes vista.

Diante dessa nova realidade e diante da redução da capacidade tática do Movimento de ação coletiva para preservar os ganhos históricos, os prisioneiros recorreram, individualmente, a ferramentas jurídicas (que lhes permitem exigir o cumprimento de regulamentos da prisão), como o fornecimento de petições, reclamações e correspondências de protesto contra as ações arbitrárias tomadas contra eles.

Isso acontece apesar do conhecimento que os prisioneiros têm de que o recurso ao sistema judicial israelense equivale a atraí-los para a propaganda habitual da suposta "democracia israelense", e que a consagração das soluções individuais acontecem em detrimento do trabalho e luta coletiva. Os prisioneiros também têm consciência de que esta não pode ser a única ferramenta, especialmente porque os dados indicam alta rejeição das petições dos presos nos Tribunais Distritais (cerca de 90%), embora elas se baseiem nos regulamentos da prisão de Serviço e do Direito de Israel.

A Suprema Corte de Israel rejeitou a maioria das petições apresentadas por organizações de direitos humanos palestinas e israelenses, que exigiam que os prisioneiros palestinos usufruíssem dos mais simples direitos, como o citado pela organização Adalah, com a exigência para que as famílias da Faixa de Gaza pudessem visitar seus filhos presos em prisões israelenses, onde as visitas são totalmente proibidas desde junho de 2007.

Recuperar o controle 

No início de 2011 (período de muita movimentação no Oriente Médio com as revoltas árabes), em resposta à ausência de uma estratégia palestina para libertar prisioneiros políticos, o Movimento de Presos deu início a greves de fome individuais e coletivas, para expressar a rejeição aos procedimentos políticos de confinamento solitário e em exigência por tratamento dos sistemas prisionais em conformidade com as Convenções de Genebra Terceira e Quarta.

A campanha de greve de fome que obteve mais destaque, ainda que não a nível internacional pela mídia, foi realizada em meados de outubro de 2011, com a participação de 500 presos políticos da Frente Popular para a Libertação da Palestina.

A greve teve fim com o anúncio do acordo de troca, em 18 de outubro, que previa a liberdade de 1.027 presos políticos palestinos em troca do soldado israelense Shalit.

Em 17 de janeiro, apenas um dia após a primeira parte de presos políticos do acordo Shalit ser liberada, o detento palestino Khader Adnan declarou uma greve de fome que durou 66 dias, em protesto contra a política de detenção administrativa e tratamentos humilhantes e degradantes que feriam a dignidade dos presos. Sua campanha de greve de fome desencadeou manifestações nas ruas, o que contribuiu para que a população somasse forças aos protestos dos encarcerados.

O Movimento avaliou que não há espaço para negociações, uma vez que o acordo não havia sido respeitado e ainda estavam encarcerados 4600 palestinos, incluindo 120 prisioneiros veteranos que estão detidos desde antes dos Acordos de Oslo.

As negociações também não evitaram o isolamento de 19 prisioneiros membros da liderança do Movimento. Esta nova fase de luta por direitos humanos foi considerada pelos detentos como o momento de recuperar a visibilidade e a participação política como componente integrante e atuante do movimento nacional palestino, sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos e leis internacionais que asseguram esses direitos.

A fronteira entre a dignidade e a liberdade

Em 17 de abril de 2012, o Movimento de Presos Políticos Palestinos anunciou uma campanha de greve de fome em massa que foi definida como a "Batalha até a Vitória ou a Morte", exigindo o fim das políticas de isolamento, a permissão de visitas de familiares, acesso à educação, boas condições de encarceramento, com alimentação e limpeza adequadas e, principalmente, o fim da detenção administrativa.

No ano passado, dia 14 de maio, às véspera da Nakba, dia em que se relembra a Catástrofe Palestina (quando Israel foi estabelecido), o Estado israelense aprovou uma série de demandas dos prisioneiros sob a garantia e negociação bilateral do Egito. As negociações favoreceram especialmente a reivindicações de oito presos políticos palestinos, liderados por Bilal Diab e Hlahalh Thaer Hlahlah, que suportaram 77 dias contínuos em greve de fome, em protesto contra a política de detenção administrativa. As exigências foram atendidas pelo governo isralense por temer confrontos populares que coincidiriam com o 64 º aniversário da Nakba.

A Associação Addameer de Apoio aos Presos e Direitos Humanos acredita que as campanhas do Movimento dos Presos Políticos Palestinos trouxeram de volta os olhares das instituições de defesa dos direitos humanos. Isso representa um salto qualitativo na história da luta dos prisioneiros, que sempre demandam melhorias das condições de vida dos encarcerados.

Em decorrência da greve, foi possível por fim aos procedimentos de isolamento e assegurar o direito a visitas de familiares, além de outras conquistas que tiveram um papel político importante no campo dos direitos humanos no encarceramento em massa na Palestina.

No entanto, o acordo não acabou com a política de detenção administrativa e a campanha da Addameer e de suas organizações parceiras, desde 2009, ainda segue em curso, exigindo o fim desta política prisional considerada tortura e que constitui uma grave violação ao determinado pela Quarta Convenção de Genebra, enquadrando, desta maneira, a detenção administrativa em crime de guerra.

Diante desta situação, é dever das organizações de direitos humanos (palestinas, árabes e internacionais) monitorar e acompanhar o serviço prisional israelense e exigir a implementação de suas obrigações em conformidade com acordos e normas internacionais, a fim de exercer pressão real e efetiva e de observar as obrigações do Estado israelense em relação ao direito humanitário internacional. Isso deve ser analisado não somente no que acontece fora das prisões, como também dentro, no que diz respeito às condições de saúde dos presos.

Esta mobilização da Addameer e parceiras, na prática, tem o intuito de estabelecer uma comissão internacional de investigação também aos procedimentos deliberados do Serviço Prisional, que muitas vezes resultam em negligência médica, maus tratos e tratamento degradante e humilhante, considerados como prática de tortura.

As exigências por melhores condições dentro das prisões não descarta ou diminuiu a importância de uma estratégia nacional fora delas, baseada no direito humanitário internacional (elaborado nas Convenções de Genebra e em seus protocolos adicionais), de modo a garantir a retomada efetiva da causa dos prisioneiros palestinos nas prisões israelenses a nível jurídico. Assim poder-se-á proporcionar aos presos o respeito e o direito a defesa de suas casas e sua luta, pela conquista da liberdade, pelo fim da colonização e do apartheid.

De acordo com esta estratégia, a causa palestina e a luta dos presos políticos palestinos ganharão mais apoio de países irmãos e solidários, que tenham a iniciativa de se organizar em rede com outras instituições e organizações regionais e internacionais e potencializar a campanha em defesa da causa dos presos e pela liberdade. O objetivo é, no mínimo, que seja assegurado o tratamento do sistema prisional em conformidade com os tratados das Convenções de Genebra, e que os detidos sejam considerados prisioneiros de guerra e civis. De acordo com o direito internacional, eles têm o direito de resistir e lutar pela liberdade da sua terra e do seu povo em condições claras de ocupação.

Fonte: Comitê Brasileiro de Solidariedade pela Libertação dos Presos Políticos Palestinos