O papel civilizatório dos jesuítas

*Por Aldo Rebelo

 A eleição de um jesuíta como papa, o cardeal argentino que tomou o nome de Francisco, continua a produzir uma torrente de revisões nem sempre favoráveis ao papel da ordem religiosa na Igreja e na História. Mas cumpre reconhecer que no Brasil ela teve atuação civilizatória nos primórdios da colonização, introduzindo a educação e a cultura, tendo à frente um padre-estadista, Manuel da Nóbrega, e um jovem filólogo antes da palavra, o agora beato José de Anchieta.

O Brasil é uma criação tropical tanto do império português quanto da Companhia de Jesus, embora os dois tenham se desentendido a ponto de o governo de Lisboa, chefiado pelo secretário de Estado marquês de Pombal, ter expulsado os religiosos em 1759 como ato de construção do Estado laico decorrente da Ilustração, mas também por divergências quanto ao comércio e à ocupação do território. Os jesuítas colecionaram inimigos por proteger os índios, embora escravizassem os negros.

Agora diz-se até que eles destruíram as línguas indígenas. Na verdade, homens de letras, ao mesmo tempo valorizaram o tupi e fixaram o português na Colônia – inclusive nas mais belas peças de oratória do pregador Antônio Vieira, “imperador da língua portuguesa”, segundo o poeta Fernando Pessoa.

Anchieta aprendeu o idioma dos curumins que catequizava e preparou a Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil, dando ao ágrafo tupi uma norma escrita que estruturou a língua geral. Foi o idioma da consolidação do território nos séculos XVI e XVII, daí a observação de Gilberto Freire sobre o “povo invasor que adotou para o gasto ou o uso corrente a fala do povo conquistado, reservando a sua para o uso restrito e oficial.” Quando os jesuítas foram expulsos, prevaleceu o português, mas o vocabulário dos índios se eternizou na denominação de pessoas, lugares, acidentes geográficos e sobretudo da fauna e da flora.

*Aldo Rebelo é ministro do Esporte e deputado federal licenciado pelo PCdoB

Artigo publicado no Diário de S. Paulo, na edição de 06/04