Diálogos entre esquerda mundial ganham espaço em Túnis

Dentre as centenas de atividades realizadas no Fórum Social Mundial da Tunísia, em Túnis, o que mais se presenciou foi a aproximação de organizações e partidos políticos da América Latina com movimentos do mundo árabe. Foi justamente com esse objetivo que as fundações Maurício Grabois e Perseu Abramo promoveram a atividade "Diálogo entre as esquerdas da América Latina e Caribe, África e Oriente Médio".

Por Deborah Moreira, enviada especial do Vermelho à Tunísia


Tenda da Democracia na Universidade El Manar/fotos: Deborah Moreira

Sob um vento forte da primavera tunisiana que soprava mesmo debaixo de um sol intenso, cerca de 40 pessoas se reuniram em 29 de março, uma sexta-feira, na Tenda Democrática, instalada no campus da Universidade El Manar, para ouvir os relatos de dirigentes de partidos e movimentos tradicionais da esquerda em todo mundo.

O diretor administrativo e financeiro da Fundação Maurício Grabois, Leocir Costa Rosa, juntamente com Iole Ilíada, vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo, coordenou o diálogo. Para Leocir Costa Rosa, o debate cumpriu importante papel no FSM 2013, pois além de possibilitar uma reflexão e diálogo sobre o atual momento das lutas da esquerda no Brasil, na América Latina e no Caribe, pode proporcionar uma reflexão sobre o Oriente Médio no contexto da chamada Primavera Árabe.

“Especialmente na Tunísia, onde o processo de abertura se intensifica e há na sociedade, como houve no Brasil na redemocratização, um anseio por mais democracia e mais liberdade e conquistas sociais”, afirmou Leocir. Ele diz ainda que a situação é bastante complexa na Tunísia, pois, depois dos imensos protestes que provocou a deposição de Ben Ali, com o povo tomando a Praça 14 de janeiro, houve uma divisão da esquerda que agora busca retomar terreno na assembleia constituinte e se preparar para as próximas eleições”, avaliou.

Leocir lembra que o atual partido que comanda o país, o Ennahda, é bastante dominado por setores integristas forjados no fundamentalismo islâmico, o que causa muita apreensão entre as forças democráticas, progressistas e de esquerda no país. "O Fórum Social Mundial na Tunísia foi importante para que os movimentos sociais e nós da esquerda reafirmássemos nossa solidariedade com o povo Tunisiano e com sua luta", concluiu o comunista.

O debate contou com a presença marcante do tunisiano Mohamed Jmour, vice-secretário geral do Partido dos Patriotas Democratas Unificados (PPDU), mesmo do líder assassinado em fevereiro deste ano, o advogado Chockri Belaid. Mohamed fez questão de abrir sua fala citando os mártires “do passado e do presente” atribuindo a eles a realização de um Fórum Social Mundial na Tunísia.

“Há três, quatro, anos era impossível pensar num momento como este. Este momento que vivemos agora era impossível porque o país vivia numa situação em que as ações democráticas eram impossíveis. O nosso povo através de grandes sacrifícios encurtou o nosso caminho rumo à liberdade”, declarou.

Representando o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a secretária de Movimentos Sociais, Lúcia Stumpf, fez uma explanação sobre o atual cenário geopolítico, lembrando que a crise do capitalismo vem gerando uma “onda de retrocessos que se reflete de diferentes formas em todos os continentes”, onde mulheres e jovens são os mais afetados pelo desemprego e supressão de direitos sociais e trabalhistas: “Há um novo avanço neocolonial empreendido pelo imperialismo. Como podemos ver nos ataques contra os povos da Síria, da Líbia, da Palestina e do Mali”.


Lúcia Stumpf representou o PCdoB na atividade

Lúcia Stumpf lembrou que, em meio a esse cenário, o Brasil vive um momento de avanços e conquistas, após 10 anos do que chamou de “um novo modelo de governança”, com diminuição da desigualdade social e redução da pobreza.

“Esse governo é fruto de décadas de luta do povo e do movimento social organizado. Um governo que, no âmbito nacional, promove a diminuição da desigualdade e na política externa também marca uma agenda diferente da que tivemos anteriormente. Se antes éramos mais uma peça do jogo imperialista, nos últimos 10 anos o Brasil te fortalecido as relações do chamado eixo sul-sul”, enfatizou a secretária comunista, lembrando o estreitamento das relações sociais com países da América Latina, África e Oriente Médio.

“Devemos ampliar a unidade dos povos na luta anticapitalista. Ampliar os laços de solidariedade entre os continentes da América Latina, África e do Oriente Médio. Façamos desse encontro de hoje e desse fórum social um passo além da nossa luta anticapitalista, anti-imperialista e pela paz no mundo”, finalizou Lúcia.

Colômbia

Quem também falou foi o representante do Vale do Cauca, na Câmara colombiana, Wilson Arias Castillo, do Polo Democrático Alternativo, que chamou a Colômbia de Israel da América Latina, referindo-se à influência estadunidense no país. Wilson Arias foi enfático ao discorrer sobre a atuação do governo de Juan Manuel Santos que, em muito pouco tempo, promoveu a "estrangeirização" das terras públicas do país, ocupadas por camponeses. A disputa pela terra, que alimentou a guerrilha no país, por mais de meio século, acirrou a rivalidade entre Santos e Álvaro Uribe, ex-presidente colombiano.

Panorama tunisiano

O dirigente do Partido dos Patriotas Democratas Unificados (PPDU) enfatizou que a chamada revolução está numa encruzilhada. De um lado os que querem a mudança. Do outro, um governo liderado por um partido bastante influenciado pelo aspecto religioso: “Há forças no nosso país formadas por trabalhadores, que querem avançar rumo a uma sociedade mais justa. Essas forças lutam por uma república democrática, cívica, não teocrática e social. Uma república que seja capaz de reduzir as injustiças sociais, as divisões entre as classes sociais e entre as regiões. E há forças que são contrarrevolucionárias, que estão hoje no governo, que querem instaurar um Estado teocrático, um regime corrompido”.

Mohamed Jmour modifica a voz, a fim de chamar a atenção, para quem são os tunisianos que querem dar continuidade ao processo revolucionário. “As forças principais da nossa revolução são os pobres, as mulheres e os excluídos. E é com essas forças que contamos para dar prosseguimento ao nosso processo”.

O dirigente tunisino elencou alguns pontos que fazem parte do programa da Frente Popular, criada pelo PPDU e outros 11 partidos, em setembro de 2012, para contrapor as Ligas para a Proteção da Revolução (LPR), formada por salafistas (muçulmanos sunitas ultraconservadores que lutam para definir a nova ordem de acordo com as tradições religiosas) e simpatizantes do partido que atualmente governa a Tunísia, o Ennahda. Chokri Belaid morreu denunciando à sociedade crimes praticados, e não apurados, por membros das Ligas.


O dirigente tunisiano Mohamed durante a atividade do Fórum Social Mundial

De acordo com Mohamed, a Frente Popular quer proteger a indústria e a agricultura tunisina a partir de relações comerciais com o empresariado estrangeiro que vise o desenvolvimento do país e a geração de empregos, renegociando os acordos firmados no passado com a União Europeia e outros países do Norte com o objetivo de preservar os interesses do país. Além disso, exige a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa até que seja feita uma auditoria efetiva sobre a mesma.

“Isso não quer dizer que a gente recuse os investimentos estrangeiros, mas os investimentos estrangeiros devem levar em conta também os nossos interesses. A mais valia local deve ser integrada ao produto estrangeiro também. A Frente Popular quer diversificar as relações com os países do terceiro mundo, com a África, America Latina e Ásia. Isso não quer dizer que queremos fechar as portas da Tunísia para a União Europeia e para os Estados Unidos, isso seria pouco sério da nossa parte. Mas queremos renegociar os nossos acordos”, destacou.

Democracia, justiça social e soberania nacional

Ele negou, ainda, que a Frente Popular pretenda expropriar o empresariado, como tem afirmado a direita tunisina. Para alavancar a economia do país e conquistar a soberania alimentar, a Frente aposta em três pilares: setor público, setor privado e setor da economia solidária. Para o bloco de partidos é inadmissível que 50% dos produtos agrícolas da mesa dos tunisinos sejam importados, em um país com forte vocação agrícola. “Saibam, caros amigos, que a União Europeia, principalmente a França e a Alemanha, não querem que a Tunísia continue produzindo trigo, batata, gado”, alertou.

Baseada na democracia, na justiça social e na soberania nacional, a Frente Popular pretende ampliar sua base na construção do que chamou de “projeto nacional pela Tunísia”, promovido por homens e mulheres, lado a lado, sem distinção de gênero.

Para encerrar, voltou a falar da violência contra os insurgentes e reforçou que, mesmo diante de ameaças e pressão, continuarão lutando com o povo tunisiano: “Infelizmente o nosso partido foi o primeiro a perder uma grande liderança, o secretário-geral Chokri Belaid. Esse assassinato vergonhoso não vai nos impedir de continuar a lutar por vocês e por nós. Mesmo que isso nos custe outras vidas”.


banner do evento / foto: divulgação Fundação Maurício Grabois