Imperialismo e Resistência dos povos são campos antagônicos

As forças anti-imperialistas e amantes da paz nutrem a expectativa de que a República Popular Democrática da Coreia não dê o primeiro tiro, menos ainda realize um ataque com armas nucleares. De todos os países, o único que se recusa, por razões de princípio e cláusula pétrea de conduta, a declarar que não usará a arma nuclear contra algum país são os Estados Unidos da América, algo que nem de longe comparece nas opiniões difundidas pela mídia privada.

José Reinaldo Carvalho no Blog da Resistência

Mesmo o atual presidente, Barack Obama, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz por supostamente lutar pelo desarmamento nuclear, jamais fez uma declaração nesse sentido. Igualmente – é preciso sempre lembrar – foram os Estados Unidos da América o único país que usou tais artefatos, contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, o que foi um crime hediondo de lesa-humanidade, pelo qual os imperialistas estadunidenses, em algum momento do tumultuado desenvolvimento histórico das nações, ainda hão, sem dúvida, de pagar.

Por certo, não só um ataque desta natureza não deve partir de um país socialista, como em uma época de explosivos conflitos no mundo gerados pelo intervencionismo de potências agressivas, inclusive na Península Coreana, é também óbvio que uma retórica de ameaças pode tornar-se um fator a mais de instabilidade.

Os amigos da República Popular Democrática da Coreia, do Partido do Trabalho da Coreia, os admiradores do grande líder que foi o libertador Kim Il Sung e têm apreço pela obra dos seus sucessores – os comunistas brasileiros estão entre esses amigos – confiam em que “o país das manhãs serenas” saberá se conduzir com justiça e equilíbrio, sem perder a firmeza e a energia combativa e sem recuar da decisão de defender seu território, o direito à vida de seu povo e outro mais, absolutamente irrenunciável, de seguir adiante, em plena soberania, na construção de uma nova vida com o regime político e sistema econômico-social que julgar conveniente aos seus interesses nacionais. Temos expendido esta opinião em editoriais do Vermelho e no amplo espaço que dedicamos ao tema, seja no noticiário ou em artigos opinativos.

Um bom começo para abrir caminho à paz na Península Coreana poderia ser a suspensão das iniciativas militaristas dos Estados Unidos, o fim das manobras militares conjuntas e a retomada das conversações de seis partes (RPDC, Coreia do Sul, Japão, China, Rússia e Estados Unidos), patrocinadas pela China.

Os EUA e os focos de tensão

O secretário de Estado dos Estados Unidos está fazendo um périplo no Oriente Médio e na Ásia. Entre outros países, visitou a China neste sábado (13). Em meio à retórica de “paz” e das juras de que os Estados Unidos estão em busca de “soluções diplomáticas” para os problemas, o chefe do Departamento de Estado voltou a usar palavras ameaçadoras dirigidas à República Popular Democrática da Coreia, as mesmas a que o presidente Obama recorreu na véspera durante encontro com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Entre outras coisas, ambos os dirigentes referiram-se às medidas extremas a que os Estados Unidos podem chegar em seu confronto com a RPDC e se arrogaram o direito de asseverar que jamais permitirão que este país se converta numa potência nuclear.

Na China, John Kerry declarou aos seus interlocutores de alto nível que entre os principais problemas mundiais da atualidade estão as tensões na Península Coreana, o programa nuclear do Irã e a situação na Síria e no Oriente Médio.

Escrutinar esses problemas e, com base na boa compreensão sobre eles, tomar iniciativas para a paz seria um benéfico exercício de política multilateral e de boa governança, para usar expressões em voga. Contudo, não alimentamos esta ilusão quando se trata da política externa do Departamento de Estado e da Casa Branca, para os quais conceitos como estes encobrem objetivos deletérios.

As tensões na Península Coreana têm uma origem clara e insofismável: o comportamento agressivo e ameaçador do imperialismo estadunidense e do regime sul-coreano. A mídia privada refere-se com frequência à Península Coreana como “o lugar mais militarizado do mundo” e classifica o conflito latente como “o último vestígio da guerra fria”. E por quê?

É necessário que se diga com todas as letras e se demonstre que os Estados Unidos mantêm no território da República da Coreia (Sul) dezenas de milhares de soldados, bases de lançamento de mísseis (com ogivas nucleares) e mais de uma vez por ano realizam exercícios militares conjuntos. Mas, agora, pela primeira vez mobiliza em tais ensaios meios de ataque nuclear, o que é percebido pela RPDC como uma provocação e uma ameaça de aniquilamento.

Para atiçar ainda mais as brasas que podem incendiar o conflito, o imperialismo estadunidense instrumentaliza o Conselho de Segurança da ONU, levando-o a adotar sanções econômicas contra a RPDC, com as dramáticas consequências que isto acarreta.

Informações de Pyongyang divulgadas neste sábado (13), de que não temos razões para duvidar, dão conta de que os Estados Unidos enviaram à zona marítima próxima à Península Coreana dois porta-aviões nucleares Nimitz e Stennis, a pretexto de neutralizar as “provocações” da RPDC, e voltaram a infiltrar o submarino nuclear Cheyenne na zona marítima em torno da península, incrementando o ambiente de guerra.

Tudo isso evidencia que o responsável direto pela escalada da tensão na Península Coreana são os Estados Unidos.

O programa nuclear do Irã

Tomemos agora o outro foco de tensão mencionado pelo secretário de Estado de Obama: o Irã e seu programa nuclear. Os brasileiros têm familiaridade com a questão porque sob o governo do presidente Lula foi tomada a principal iniciativa diplomática multilateral tendo em vista encontrar um bom encaminhamento do tema, que contou com a aprovação do próprio Irã. Os Estados Unidos desqualificaram a iniciativa de Lula, numa das piores demonstrações para com o Brasil de intolerância e exclusivismo da potência imperial.

À parte isto, são reiteradas as declarações e iniciativas da liderança iraniana de que os persas não estão em busca da arma atômica e aderem explicitamente à não proliferação nuclear. Malgrado isso, o país encontra-se também sob sanção da ONU em face das suspeitas que recaem de que estaria em vias de construir a bomba atômica.

A não proliferação nuclear é objetivo justo ao qual devem aderir todas as nações. Mas, enquanto apenas um grupo seleto de países tiver o direito de possuir armas atômicas e brandi-las contra os demais, a questão está mal equacionada e, portanto, não tem solução plausível em perspectiva. Pior ainda quando os Estados Unidos se negam a declarar solenemente que jamais voltarão a usar a arma atômica contra outro país e em sua luta contra “o terrorismo” se arrogam o direito de recorrer à guerra preventiva, na qual podem usar quaisquer tipos de arma, política adotada pelo ex-presidente George W. Bush e a que Obama nunca renunciou.

A não proliferação nuclear conduzida pelo imperialismo estadunidense tem um peso e duas medidas. Israel é o único país do Oriente Médio a possuir armas atômicas, mas não aderiu ao Tratado de Não Proliferação. A última conferência revisora deste tratado decidiu organizar outra, especialmente dedicada ao objetivo de declarar o Oriente Médio como região livre de armas nucleares. O Irã apoia a iniciativa, enquanto que o imperialismo estadunidense e seus aliados a sabotam.

Vejamos se o governo Obama age pela não proliferação nuclear ou exatamente o contrário. Simplesmente, a proposta de orçamento militar enviada durante a semana passada para o Congresso incrementa os gastos com a modernização do armamento nuclear, dedicando um fundo para estas armas.

A proposta fiscal prevê a redução em 20% do orçamento para a não proliferação nuclear e a transferência de parte desse recurso à modernização das armas atômicas dos EUA. Nada menos que US$ 7,5 bilhões serão dedicados à modernização dos arsenais nucleares.

Igualmente, ao dar novos passos para a modernização nuclear, Obama ignora o acordo firmado em abril de 2010 com a Rússia, pelo qual ambos os países se comprometeram a reduzir seu arsenal atômico em dois terços, limitando a 1.550 ogivas o arsenal de cada uma das partes e a 800 as plataformas de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais até o ano de 2018. Note-se bem: mesmo se reduzido, este número de ogivas tem o poder de devastar muitas vezes o planeta. Seu acionamento acabaria a vida na Terra.

Na abordagem da questão, não devemos esquecer os próprios prejuízos acarretados ao Brasil pela condução unilateral que tem sido dada à proliferação nuclear pelos Estados Unidos e seus aliados. O Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação, mas jamais aceitou as pressões para aderir ao abusivo protocolo adicional, pelo qual os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica exorbitam em seus poderes e impõem constrangimentos ao país inspecionado. Afeta nosso país a continuada sabotagem ao programa científico e tecnológico da Marinha brasileira na construção do submarino a propulsão nuclear. Como demonstração da sensibilidade política do tema, vale lembrar que um ministro socialista foi demitido do governo Lula porque ousou defender o princípio de que o Brasil tem o direito a desenvolver-se também como potência nuclear.

Uma nação com interesses próprios e que pretenda desempenhar papel de relevância no mundo, inclusive para contribuir para a paz, não se deve deixar enganar por propaganda falsa, nem se deixar intimidar por chantagens, venham de onde vierem.

Crise síria e Oriente Médio

Finalmente, um breve comentário sobre a crise síria e a questão do Oriente Médio, invocadas pelo secretário John Kerry.

A crise síria faz parte da intentona dos Estados Unidos e potências aliadas para reordenar o Oriente Médio conforme os seus interesses hegemonistas estratégicos. Com as evidentes peculiaridades, pretende-se no país árabe repetir a intervenção realizada na Líbia. Hoje, a Síria é um país cercado e invadido por forças mercenárias terroristas a serviço de determinados regimes da região e das potências imperialistas ocidentais.

É preciso ressaltar sempre, no exame da questão do Oriente Médio qual o problema de fundo que afeta a região, para o que me valho da resolução política do 12º Congresso do PCdoB, de outubro de 2009.


O quadro internacional é fortemente marcado pela execução do plano de reestruturação do grande Oriente Médio, através do qual os Estados Unidos, sob o pretexto de democratizar a região, pretendem moldar regimes dóceis e submissos para facilitar a consecução dos seus objetivos estratégicos de domínio desta importante região, rica em recursos energéticos. É uma ofensiva de grande envergadura (…). Fato da maior gravidade foi a criminosa agressão israelense contra o povo palestino na Faixa de Gaza, uma agressão que se afigurou como um verdadeiro genocídio e hediondo crime de lesa-humanidade, que foi alvo da condenação dos povos, das nações democráticas e da própria ONU. Apesar das palavras conciliatórias do presidente estadunidense Barak Obama, o Oriente Médio continua vivendo situação tensa e explosiva e ainda não foi dado nenhum sinal de que outra política será aplicada na região. A rigor, nada se alterou em essência no propósito de moldar regimes dóceis e submissos, sob o pretexto de democratizar a região, a fim de facilitar a consecução de objetivos estratégicos de domínio. O Estado sionista israelense, principalmente depois da constituição de mais um governo de direita, aumenta sua arrogância, intransigência e agressividade. Já não disfarça seu propósito expansionista e de fazer de Israel um Estado étnico, religioso e integralista, o que implica a expulsão dos palestinos de sua terra. Israel nega liminarmente o reconhecimento do Estado palestino livre, soberano e independente, com capital em Jerusalém e forças armadas próprias. Comporta-se de maneira intransigente quanto ao repatriamento dos refugiados, sobre o que há resolução das Nações Unidas. Israel desrespeita e viola sistematicamente o direito internacional e as resoluções da ONU concernentes ao conflito árabe-israelense, como a Resolução 242, que estabelece a total retirada de todos os territórios árabes ocupados em 1967. A agressividade israelense atinge também outros países árabes. Em 2006, sua aviação bombardeou sistematicamente o Líbano, numa outra guerra em que cometeu genocídio. Problema dos mais agudos na crise do Oriente Médio é a continuação da ocupação dos territórios sírios das Colinas de Golan.

Opções estratégicas

Quando o imperialismo estadunidense empenhou-se no ordenamento do mundo no imediato pós-2ª Grande Guerra, logo se deu conta de que a realidade não lhe sorria, pois que havia uma outra potência vencedora – a União Soviética – cujo sistema socioeconômico e político materializava então os anseios libertadores dos trabalhadores e dos povos. Logo, os Estados Unidos desencadearam a Guerra Fria, durante a qual militarizaram a vida no planeta e impuseram a corrida armamentista-nuclear.

Quando a Guerra Fria acabou, os Estados Unidos sentiram-se à vontade para impor seu domínio unipolar. Na altura, o então presidente, George Bush (pai) afirmou que a liderança absoluta dos Estados Unidos no mundo era obtida com a “graça de Deus”. Correspondeu ao seu mais trêfego filho, George W. Bush, o mais encarniçado empenho para impor a “novíssima ordem” anunciada por seu pai, através da guerra infinita e das guerras preventivas contra o “terrorismo”, em cujo desencadeamento dizia “conversar com deus”, sem que nenhum dos meios de comunicação, zelosos com a pureza da cultura judaico-cristã o acusasse de teocracia nem fundamentalismo religioso. Mas isto é outra história.

Os fundadores da novíssima ordem só não contavam com o declínio da liderança econômica dos Estados Unidos no mundo e o surgimento de novos polos, com o que se esboroaram os planos de domínio unipolar. Entre esses novos polos, como elemento incontornável da geopolítica, está a resistência e a luta dos povos e nações oprimidos, um fator difuso contra a qual o imperialismo estadunidense concentra as suas forças e empreende seu ataque.

Esta é uma das chaves para compreender por que no alvo da ofensiva imperialista estadunidense estão países como a República Popular Democrática da Coreia, o Irã, a República Árabe Síria e a Revolução Bolivariana venezuelana.

Não convém entediar os leitores em um cinzento e chuvoso fim de semana, mas como os tempos são exigentes, sentimo-nos obrigados a repetir. A opção dos povos não pode ser outra. Contra o eixo imperialista, há que soerguer o movimento de Resistência, a frente unida anti-imperialista.

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