Elias Jabbour: O tomate, os juros e a inflação
Não bastasse nosso país passar mais de duas décadas dedicado ao “combate à inflação”, o nível do debate econômico – que nunca foi lá essas coisas – chegou ao nível mais baixo, jamais visto. Difícil acordar um dia e perceber uma potência, da estatura do Brasil, estar sendo pressionada não por grandes oligopólios internacionais ou mesmo uma ameaça militar considerável.
Por Elias Jabbour*
Publicado 15/04/2013 15:53
Nada disso. É o preço do tomate que coloca em xeque alguma estratégia de desenvolvimento surgida nos últimos dez anos. Trágico e cômico. Expressão do nível do debate sobre os destinos do país. É isso mesmo. Transformaram o tomate em agregado macroeconômico. O nível é esse. Rir para não chorar?
Dependendo da forma como cada um encara determinada gama de problemas, o fato em si pode provocar choro e riso. É fato que o Brasil teve uma safra de grãos abaixo do esperado em 2012. Que essa queda na safra iria provocar problemas no mecanismo de formação de preços interno, idem. Mas também é fato que o mercado tem seus mecanismos de autocorreção, logo a alta dos preços de determinados itens poderão tender à normalidade na mesma proporção em que nossa agricultura voltasse ao normal de sua pujança. Se a natureza e a sociedade são regidas por ciclos, não é de difícil compreensão que os preços também variem – no curto prazo – ciclicamente, ainda mais se tratando de gêneros alimentícios.
A grande finança, auxiliada pelos grandes meios de comunicação, não poderia perder a oportunidade e partir para a ofensiva diante deste quadro. Neste mercadão de ideias, o que mais ocorre é a venda de gato por lebre. No caso em tela é a disseminação para quem o preço do tomate poderá ser controlado por uma inclinação para cima na taxa de juros. Em outras palavras, significa dizer que o preço do tomate deve ser controlado pelo desemprego, valorização cambial e exposição de nossa indústria, e agricultura, a concorrência externa. É neste momento que o debate de ideias deveria ser retomado.
E o debate de ideias não está sendo retomado. Isso é para chorar, e muito. Exceções existem e são poucas. Parece meio que um consenso à máxima da necessidade de se combater a inflação utilizando o mesmo remédio de sempre, ou seja, os juros. Em maior ou menor grau, quase todos tem medo da inflação. Não é novidade que a inflação derrotou João Goulart, desmoralizou Sarney e levou FHC ao trono. E faz tremer as bases de Lula e Dilma. Daí que me faço uma pergunta básica: devemos mesmo levar tão a sério assim a ameaça inflacionária?
Difícil responder, pois existe a verdade da história econômica e uma conjuntura política viciada pelo pensamento monetarista, transformada em política de Estado com o Plano Real (1994) e ainda vigente, onde o combate à inflação paira acima de qualquer governo (seja ele com a coloração que for). Em reles palavras, se perguntarmos aos chineses qual seu grande projeto estratégico, facilmente falarão sobre uma grande nação baseada num imenso parque industrial e financeiro, além de uma capacidade imensa de se defender por meio de ogivas nucleares. Aos indianos, a mesma pergunta será replicada com a necessidade de revitalização da grande Índia Histórica decapitada pelos ingleses. O sonho japonês está na reafirmação de sua poderosa indústria e um império comercial que fez balançar os EUA. E por aí vai.
No caso brasileiro, a grande (não) estratégia nacional reside na manutenção dos “ganhos” obtidos com a estabilidade macroeconômica que vieram no bojo do Plano Real. Na concepção de 95% das pessoas ocupadas, tanto em administrar quanto pensar o destino do país, a partir da conquista da “estabilidade” é possível distribuir renda, executar programas sociais, construir uma ponte aqui, outra acolá e até se aventurar em planos ditos estratégicos para nossa precária infraestrutura. Porém, tudo obedece algumas lógicas, entre tais as políticas de metas de inflação e o equilíbrio fiscal. Se a existência de uma indústria poderosa e investimentos em grandes obras (por exemplo, a transposição do Rio São Francisco) colocarem em questão a estabilidade macroeconômica, a política de metas e o equilíbrio fiscal, que se paralise tudo.
A inflação deve ser vista, como qualquer outro fenômeno econômico, como algo cíclico e assim conviver com ela. A convivência com a inflação pode ser mediada de diversas formas e mesmo terapêutica. A terapêutica do curto prazo está aí sendo ventilada todos os dias (mais juros). Já a profilaxia de longo prazo só pode vir pelo aumento da taxa de investimentos e a ampliação da oferta dela derivada.
A profilaxia de longo prazo demanda a proscrição de toda a institucionalização criada no âmbito do Plano Real. Arrisco-me a dizer que mantida essa institucionalidade “antidesenvolvimento” será impossível o Brasil atingir uma relação investimentos x PIB da ordem de 25%. A válvula para o crescimento, sem a proscrição do pacto de 1994, só poderia ser pelo aumento do coeficiente do consumo e neste caso a inflação poderá ser controlada pela manipulação da taxa de câmbio, como tem sido feita há muito tempo.
É neste grande contexto histórico e estratégico que se insere esse baixo nível do debate sobre a relação entre os juros, a inflação com o preço do tomate. Não falta somente coragem para denunciar a farsa da estabilidade monetária criada em 1994 e o golpe representado pelo Plano Real; golpe tão letal quanto o promovido em 1964 por militares entreguistas.
Em verdade, a estabilidade é instável e a sociedade avança de desequilíbrio em desequilíbrio. Falta ainda, uma série de coisas, entre elas o abandono, por parte do Brasil, do medo de ser nação e de ser o que seu território e história demandam.
Voltando à raia miúda da realidade concreta, caso os juros aumentem na semana que vem, o Prêmio Nobel de Economia deveria ser concedido a um pool de jornalistas econômicos brasileiros. Justificável. Vão conseguir com que uma medida nada “macro prudencial” transforme alguns itens em agregado macroeconômico. Estão provando que as leis da natureza são algo estático, pois ad eternum teremos problemas no cultivo e colheita destes itens, justificando uma política monetária pautada por alguns preços. É assim que o pensamento do capital financeiro vai se transformar em mais um livro bíblico do Novo Testamento. Prêmio Nobel aos que transformaram o tomate em agregado macroeconômico e que muito contribuem para que a Bíblia Sagrada seja constantemente adaptada à realidade… da grande finança!
Enquanto isso, celebremos o equilíbrio fiscal e macroeconômico. Lembrando sempre deles quando vemos metade do rebanho bovino no nordeste morrendo em meio a pior seca dos últimos anos. É bom raciocinar longe: a estabilidade não é somente instável. Ela pode matar. Mata gente, mata boi. E mata o sonho de ser uma grande nação.
*Elias Jabbour é doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Autor de “China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado” (Anita Garibaldi/ EDUEPB, 2006).