Pedro Bocca: Que a vitória nas urnas eleve a luta nas ruas
A apertada vitória eleitoral de Nicolás Maduro, confirmada já na madrugada do dia 15 de abril, surpreendeu analistas e militantes, que esperavam um triunfo que, ao menos, superasse a vantagem de quase 10 pontos percentuais obtida pelo ex-presidente Hugo Chávez nas eleições de outubro de 2012.
Por Pedro Paulo Bocca*
Publicado 19/04/2013 22:37
O espanto não é gratuito: a Revolução Bolivariana tem no processo eleitoral sua grande ferramenta de sustentação. No momento decisivo, a primeira eleição após o falecimento de seu comandante, a Revolução liga o sinal de alerta.
A diferença de pouco mais de 1,5% nas urnas reflete um país polarizado, que tende a retomar um debate de projeto (é importante lembrar que o último presidente neoliberal, Rafael Caldera, foi eleito por margem semelhante de votos, em um governo que teve que abrir certas concessões, incluindo a anistia aos militares que tentaram tomar o poder em 1992 – entre eles, Hugo Rafael Chávez Frías). Este cenário nos apresenta alguns importantes desafios para o mandato de Nicolás Maduro.
Primeiro, não pode medir esforços para legitimar seu governo. Se após a tentativa de golpe de 2002, a ameaça ao chavismo era gestada de fora para dentro, a partir do imperialismo estadunidense (reativação da 4ª Frota, acordo para bases militares na Colômbia, entre outras iniciativas declaradamente anti-chavistas), a pouca vantagem eleitoral dá elementos aos opositores internos, que já questionam a validade do processo eleitoral – Henrique Caprilles não reconheceu a vitória de Maduro, e a oposição têm feito ampla campanha na mídia e nas redes sociais bradando uma possível fraude.
Se há onze anos atrás a correlação de forças no interior da Venezuela fez com que Chávez retornasse ao governo após dois dias de golpe, o indício de divisão do país – expressado nas urnas – pode animar os oposicionistas, que não deixaram seu golpismo de lado. O próprio Caprilles foi uma das lideranças “jovens” do assalto ao poder de abril de 2002. E, claro, contam com o apoio do amigo do Norte, para o que der e vier.
Parte de recuperar o apoio popular é recuperar a economia venezuelana, que nos últimos anos tem passado por uma crise, sustentada pelas políticas sociais de seu governo. Para tal, além de reforçar as políticas neodesenvolvimentistas experimentadas por Chávez, a tendência é que Nicolás Maduro trilhe o caminho que ele enquanto chanceler ajudou Chávez a traçar nos últimos anos.
Por um lado, a retomada de conversas estreitas com a Colômbia, principal parceira comercial da Venezuela, cuja proximidade com o governo Santos foi costurada, entre outros, pelo próprio Nicolás Maduro. Por outro, a entrada da Venezuela no Mercosul, oficializada em 2012, tende a não somente oferecer mais neodesenvolvimentismo à Venezuela, como a aproximar ainda mais o país dos líderes do bloco, Brasil e Argentina.
Este movimento é fundamental para pensarmos a política latinoamericana deste próximo período. Se iniciamos a segunda década do século 21 entendendo que havia três projetos em disputa em nosso continente (o projeto imperialista liderado pelos EUA e seus aliados; o projeto neodesenvolvimentista liderado pelo Brasil no Mercosul; e o projeto bolivariano liderado pela Venezuela e representado pela Alba), a conjuntura nos mostra uma mudança neste cenário. Observamos a tendência de aproximação econômica entre o Mercosul e os países da Alba, ao mesmo tempo que iniciativas lideradas pelos dois blocos – como a Unasul e a Celac – atraem inclusive tradicionais aliados dos EUA, como a já citada Colômbia governada por Juan Manuel Santos.
Com os principais líderes da Alba, Venezuela e Cuba, focadas em sua política interna, a tendência é de um enfraquecimento do bloco – ao menos se tivermos em conta sua proposta original. Por outro lado, a projeção de Nicolás Maduro enquanto liderança continental ainda é uma incógnita, mesmo após seu reconhecido papel enquanto chanceler de Chávez. Isso de maneira algum significa um giro à direita dos países do chamado “Socialismo do Século 21”, ou uma perda de seu caráter democrático-popular e socialista. Ao contrário, este cenário nos mostra a complexidade da luta de classes e da conjuntura política na América Latina, bem como os limites institucionais dos governos, ainda que progressistas.
O decisivo, portanto, deve ser a mobilização popular, que seja capaz não somente de sustentar governos de esquerda, mas dar-lhes condições para uma maior radicalização política, alterando a correlação de forças à seu favor. É necessário que os movimentos sociais, partidos e demais representantes das classes populares em todo o continente busquem uma unidade política calcada em bandeiras de luta comum, a exemplo de iniciativas exitosas como as primeiras realizações do Fórum Social Mundial e principalmente a Campanha Continental Contra a Alca, que resultou na própria criação da Alternativa Boliviariana Para os Povos de Nossa América.
Em maio deste ano, cerca de 300 delegados representando movimentos sociais de toda a América se reunirão na Escola Nacional Florestan Fernandes, na Assembleia de fundação da Articulação Continental dos Movimentos Sociais da Alba. Durante o encontro, terão o desafio de articular lutas comuns que avancem para um grande movimento de luta anti-imperialista em todo o continente, do Alaska à Terra do Fogo, e que contribua para a verdadeira independência dos povos latinoamericanos.
A integração de nossas lutas e de nossos povos é o único caminho a trilhar, para aqueles que sonham com uma América Latina justa, solidária, soberana e socialista.
* Pedro Paulo Bocca é graduado em Relações Internacionais pela Unesp e mestrando em Ciência Política na PUC/SP e membro da secretaria operativa da Articulação Continental dos Movimentos Sociais da Alba.
Fonte: Portal da Consulta Popular