Patriota: "Era de ingerência de potências está ultrapassada"

No que depender do Brasil, as autoridades e a sociedade da Venezuela resolverão o impasse atual, sem interferência externa, exceto se for para contribuir na busca do consenso. A avaliação foi feita pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota em entrevista à Agência Brasil. “A era da ingerência por parte de potências hemisféricas ou de outras regiões está ultrapassada”.

Antônio Patriota - Jose Cruz/ABr

Patriota ressaltou ainda que não há data definida para o retorno do Paraguai aos blocos regionais – que elegeu neste domingo (21) Horácio Cartes, do partido Colorado, o novo presidente do país com 45,84%.

Ele avaliou também que determinadas situações de crise, como é o caso da Síria, que dura dois anos, dependem de liderança e também de “boa vontade”. “[Tudo isso] exige criatividade, liderança e boa vontade.”

Patriota analisou ainda a relação com a Argentina, a situação dos brasileiros presos na Bolívia e dos imigrantes haitianos no Norte do Brasil, a crise na Península Coreana e a visita da presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos.

Atento para escolher cada palavra, o chanceler disse que costuma associar sua experiência de 34 anos na diplomacia com a intuição e sensibilidade.

A seguir, os principais trechos da entrevista do chanceler.

Agência Brasil: O clima tenso na Venezuela pode prejudicar a governabilidade?
Antonio Patriota: Temos confiança nas instituições venezuelanas. Houve uma missão de acompanhamento eleitoral que emitiu um comunicado dizendo que os resultados devem ser respeitados. Lamentamos a violência que se produziu e esperamos que a situação volte ao normal. Esperamos que essa tensão tenha sido episódica e vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. O importante aqui é a sociedade venezuelana procurar a conciliação, porque são muitos os desafios, apesar dos avanços nos últimos anos.

Há quem acredite que a instabilidade leve à ingerência externa, ações de outros países na Venezuela, por exemplo. O que o senhor defende?

Partimos do princípio que isso não é aceitável. Uma coisa é a cooperação, aquela que é buscada pelo país, que é livre para escolher seus parceiros e estabelecer as condições. A era da ingerência por parte de potências hemisféricas ou de outras regiões está ultrapassada e espero que não volte, pois trabalhamos para isso, já que somos sociedades democráticas e que se integram cada vez mais e se fortalecem também.

Com as eleições no Paraguai, já se pode pensar no fim da suspensão do país do Mercosul e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)?
A eleição é agora, mas a posse é só em agosto, então existe um grupo que foi criado em decorrência da decisão de suspensão do Paraguai [em junho de 2012 devido à divergência dos líderes sobre a forma como o então presidente Fernando Lugo foi destituído do poder] sob coordenação do ex-presidente peruano Salomón Lerner, manteve contato com as autoridades eleitorais paraguaias, e os países aguardarão um relatório. Ainda não há definição de passos, mas imagino que poderá haver uma reunião da Unasul para tomar nota, mas poderá ser uma reunião com vice-ministros. Minha expectativa é que o processo seja respeitado, mas aguardaremos o pleito e as observações para nos certificar.

Nos últimos dias, o governo enfrentou um impasse envolvendo a imigração haitiana. Será que a ação conjunta federal resolverá a questão?
É preciso diferenciar vários aspectos da questão. O Brasil está disposto a acolher imigrantes haitianos, que preencham certos requisitos básicos, como atestado de bons antecedentes e que desejem trabalhar no Brasil, até mesmo abrindo uma certa flexibilidade sobre contratos de trabalho. Em manifestação de solidariedade à sociedade haitiana em função de anos de instabilidade, mas também devido ao terremoto [ocorrido em 12 de janeiro de 2010], temos o objetivo de combater a imigração que é favorecida por intermediários que atuam à margem da lei, que é inaceitável e que [caracteriza] violação de direitos humanos. É com esse espírito que buscamos intensificar a cooperação com o Peru, a Bolívia e o Equador para que a imigração transcorra no marco da legalidade e ajude a combater essas redes de intermediários [os chamados coiotes].

Mas as autoridades do Acre se queixaram, inicialmente, da falta de apoio do Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty. Como o senhor responde a isso?
Eu entendo a frustração com as autoridades acrianas ao se verem confrontadas com uma situação inusitada para o Estado com a apreensão de um influxo inesperado de imigranes, então o elemento surpresa de compreensível preocupação, mas tenho certeza que elas apreciam os esforços feitos pelo governo federal. Mas é preciso diferenciar o que o Itamaraty colabora, mas não tem o papel de liderança. Mas não nos furtamos em participar dessas ações. Há uma preocupação do governo peruano com eventuais efeitos negativos do fluxo migratório, estamos trabalhando nisso também e estamos acompanhando.

Com a Argentina, há reclamações dos empresários brasileiros sobre os obstáculos impostos pelo governo argentino, como agora com a questão da Vale cujas atividades foram suspensas no país pela empresa que se queixa da elevação dos custos para a manutenção do projeto de potássio, em Mendoza. Será que a diplomacia consegue uma solução para isso?
A diplomacia está sempre a serviço da busca de encaminhamento de temas. Mas também há de reconhecer que existem decisões que são tomadas a partir de considerações dos agentes do setor privado. A suspensão das atividades da Vale foi decidida pelo conselho da empresa. Há situações em que as decisões são tomadas pelos atores privados. É o caso. Em relação à Argentina, podem surgir situações, comerciais e de investimentos, mas é um país que é um parceiro estratégico. Nosso futuro está indissociável e juntos chegaremos mais longe do que separados. Não há o chamado plano B, como dizem alguns empresários. Mas isso não significa que não tenhamos de trabalhar na busca da superação das dificuldades.

O senhor, quando esteve no Senado, foi cobrado pelos parlamentares sobre a situação dos 12 brasileiros presos, em Oruro, na Bolívia. Há perspectivas de libertação deles, como estão as negociações?
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esteve na Bolívia esta semana e estamos trabalhando em coordenação, pois há responsabilidades comuns. O embaixador do Brasil, Marcel Biato, está liderando uma ação diplomática e humanitária. Não é uma situação simples: um cidadão boliviano perdeu a vida, um torcedor e jovem [Kevin Espada, de 14 anos, morto em fevereiro por um sinalizador durante jogo do Corinthians com o San José, na Bolívia]. Como no caso de Boston [que explosões provocaram mortes e feridos], não se pode deixar de sensibilizar perdas de vida a eventos que devem ser a celebração da vida, que é o esporte.

A imprensa internacional diz que a presidenta Dilma Rousseff fará uma visita de Estado aos EUA. Isso está confirmado?
Já conversei algumas vezes com o secretário [de Estado norte-americano, o equivalente a chanceler no Brasil] John Kerry, por telefone, e temos abordado assuntos bilaterais, como o da agenda de paz e segurança internacional, como Síria e Irã. Estamos definindo um horário até o final do mês. Não posso antecipar os resultados da reunião. Eu não excluiria a [hipótese de viagem da presidenta aos Estados Unidos] até o final do ano.

Observando a crise na Síria, que dura dois anos, ela parece insolúvel, o senhor tem a mesma percepção?
Essa palavra insolúvel não deve fazer parte [da vida] do diplomata. Com a dose certa de liderança política, é possível superar situações que parecem difíceis, complexas e sem esperança. A questão da Síria é uma questão que nos preocupa pela escala de destruição que já ocorre hoje, com dezenas de milhares de mortos, elementos e ingredientes muito preocupantes sob o ponto de vista de desestabilização em uma das regiões mais tensas do mundo. Sempre lembro que a questão Israel-Palestina, talvez, seja o principal desafio para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, mas também que não deve ser visto como insolúvel. [Tudo isso] exige criatividade, liderança e boa-vontade. O Brasil tem sido chamado a colaborar.

Como o Brasil pode contribuir na busca pelo fim do impasse na Síria?
Converso muito com interlocutores da região e dos que fazem parte do Conselho de Segurança, da União Europeia e dos Estados Unidos. Há também um grupo formado por Brasil, Turquia e Suécia que nós trocamos informações sobre Síria, Israel, Palestina e Irã. Temos nos mantido uma postura que favorece o diálogo, a paz e condena as violações e da plena utilização dos mecanismos multilaterais. Não somos favoráveis a sanções unilaterais contra um grupo ou outro. O Brasil sempre deixou clara a responsabilidade primordial do governo, no respeito aos direitos humanos e na contenção da violência. Mas a verdade é que existem elementos desestabilizadores associados a agendas fundamentalistas. Consideramos preocupante que diferentes atores tenham disposição de armar as diferentes disputas. 

Qual a avaliação que o senhor faz na Península Coreana? A impressão é a de que possa ocorrer uma guerra a qualquer momento?
A crise na Península Coreana tem momentos de intensificação e de relativa estabilidade. É interessante e significativo que não houve pedidos de reunião no Conselho de Segurança sobre o tema. Isso significa que as maiores potências [Estados Unidos, Rússia, China, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Japão], de mais influência na península, estão em contato umas com as outras e procurando um caminho. A visita do John Kerry na região foi importante. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que é sul-coreano, está muito atento a essa situação. Vale lembrar também que pode haver diferenças de ênfase, mas no conjunto, o Conselho de Segurança adotou uma resolução de repúdio aos ensaios nucleares e de sanções. Há um consenso contrário à nuclearização da Coreia do Norte.

Fonte: Agência Brasil