“A EBC tem que ser uma mídia de vanguarda”, diz Rita Freire

A jornalista Rita de Cássia Freire Rosa e a socióloga Rosane Maria Bertotti, empossadas no Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), em abril, garantem: estarão lá para ampliar a troca entre a empresa pública e a sociedade civil. Com isso, a agenda das mulheres e do movimento pela democratização das comunicações ganham reforço na empresa.


Rosane Bertotti e Rita Freire / fotos: Agência Brasil

O Conselho Curador da EBC recebeu em abril dois reforços na representação da sociedade civil: a jornalista Rita de Cássia Freire Rosa e a socióloga Rosane Maria Bertotti. Apesar de terem trajetórias distintas de atuação e formação, as duas compartilham as bandeiras pela quais se mobilizam: os direitos das mulheres e pela democratização das comunicações no Brasil. Justamente por esse traço em comum, a indicação dos dois nomes foi entendida por parte da sociedade civil organizada e pelas próprias novas conselheiras como um sinal de maior comprometimento da EBC com essas duas agendas.

O Conselho Curador da EBC é a forma de participação da sociedade na sua gestão e um grande diferenciador entre ela e os canais estatais, controlados exclusivamente por governos ou poderes públicos. No sentido de promover a gestão participativa, o conselho tem prerrogativas como aprovar anualmente o plano de trabalho e a linha editorial, assim como fiscalizar a programação da EBC. Segundo o estatuto da empresa, o conselho é composto por 22 membros, sendo 15 representantes da sociedade civil, quatro do governo federal, um da Câmara dos Deputados, um do Senado Federal e um funcionário da empresa.

Rosane e Rita ocuparão por quatro anos (prorrogáveis por mais quatro) as vagas que eram de Paulo Sérgio Pinheiro e Lúcia Willadino Braga. Com a mudança, o conselho passa a ser constituído por 10 mulheres e 12 homens. Em entrevista, elas destacam seu compromisso com a agenda dos movimentos sociais que se mobilizaram em torno de sua nomeção. Confira:

Agência Patrícia Galvão: O que representa para você o fato de as duas nova integrantes do Conselho Curador da EBC serem mulheres com formação feminista e do movimento pela democratização das comunicações?
Rita Freire: Eu e a Rosane [Rosane Bertotti] tomamos posse no dia 17 de abril e essa indicação de duas mulheres foi até uma surpresa para alguns setores do movimento social, já que não fomos as únicas indicadas, houve um amplo processo de mobilização do movimento para indicação de outros nomes interessantes, de outras regiões e tudo mais. Contudo, Rosane e eu recebemos um número significativo de indicações.

Bem, fomos indicadas por movimentos sociais e pelo movimento feminista, passamos a integrar a lista com 12 nomes articulada pelo Fórum Nacional pela Democratiza para a escolha de 2 nomes para compor o conselho curador da EBC. Doze conselheiros da EBC indicarm nossos nomes e a presidenta Dilma ratificou.

Isso traz, ao meu ver, dois indicativos: um deles é o interesse do conselho no diálogo com as mulheres brasileiras e do movimento feminista. O outro é que são duas mulheres comprometidas com a democratização das comunicações, com um marco que venha regular a radiodifusão e mídia brasileira, o que é bastante significativo pensando que estamos nas vésperas de lançar o projeto de lei de iniciativa popular para a comunicação.

Rosane Bertotti: Primeiramente, eu acho que a nossa indicação é resultado do processo da luta dos movimentos que estão na luta pela democratização das comunicações, com um recorte tanto do perfil feminista, quanto de ser de movimento social – e esse é justamente o grande avanço dessas nossas duas indicações. Como nós tomamos posse e participamos da primeira reunião, conhecendo a realidade e o debate do conselho, nossa entrada fortalece essa compreensão que o conselho é um espaço de gestão e de participação social.

Então, o conselho tem um papel importante, mas ele precisa estar articulado, tanto internamente como para fora, ter capilaridade junto ao movimento social, pela demoratização da comunicação (democom) e feminista e acho que nossa entrada vem com essa missão. E eu estou aqui por ser uma dirigente sindical e do movimento social organizado pela luta pela democratização das comunicações e por ser uma feminista que luta pelo direito das mulheres.

Agência Patrícia Galvão:
 Qual papel você espera que o conselho desenvolva nesse ano e como irá atuar para que ele se concretize?
RF: O trabalho que eu entendo como minha maior contribuição é atuar realmente numa interface entre os temas tratados pelo conselho e os temas que os movimentos sociais querem que sejam tratados, particularmente, em relação à agenda das mulheres.

Há uma questão latente sobre isso na grande mídia, que, de modo geral, mercantiliza a informação, a cultura, o conhecimento. E, do ponto de vista das mulheres, esse é um problema ainda maior, porque há a mercantilização do nosso corpo, ele é apropriado como insumo publicitário que cria um manto de estereótipos, de preconceito, de ‘coisificação’, que impedem as mulheres de debater na mídia questões essenciais, a começar o direito pelo próprio corpo, e outros como a proteção contra a violência de gênero, o próprio direito pela comunicação etc.

E aí entra o papel da mídia pública: ela pode desconstruir essa cultura de ‘coisificação’. Mas, isso é algo que nem o conselho, nem a equipe da EBC podem fazer sozinhos, o diálogo com as mulheres e o movimento feminista é essencial.

Eu entendo que tenho um papel no conselho de levar isso junto com outras companheiras. E isso aumenta a responsabilidade do movimento de estar pautando o que quer em termos de conteúdo veiculado e da participação da mulher nesse conteúdo.

O conselho da EBC tem algumas câmaras temáticas que são voltadas a acompanhar conteúdos, o movimento pode dialogar com essas câmaras. Eu demonstrei interesse nas da área de jornalismo e de rádio, e também de criminalização da juventude. Fora isso se montou um grupo para discutir a autonomia da EBC, enquanto mídia pública, que eu quero acompanhar também.

Está se formando o grupo pra discutir a autonomia, qual a relação que a EBC deve ter com o governo, a autonomia financeira. A EBC é uma empresa pública que vive fazendo um esforço danado para economizar porque o dinheiro que lhes pertence, que deveriam vir das empresas de telecomunicação, está todo parado na justiça, é um dinheiro que está preso, porque as teles não querem pagar o que lhes cabe. São assuntos que esse grupo deve debater. Eu penso que esse grupo de autonomia vai ser um espaço importante para discutir a política nacional de comunicação.

RB: A primeira coisa que espero é levar para o conselho a luta de onde a gente vem, que é justamente essa contribuição do respeito à diversidade e da luta pela democom. Espero que a EBC seja um espaço que reflita isso, o respeito às mulheres, aos movimentos sociais, às minorias. Vamos ajudar a construir também o debate para qualificar a gestão e a programação da EBC, e também o debate sobre a autonomia da EBC perante os governos, enquanto um meio público de comunicação. Mas, tudo isso só irá efetivar se a relação com o movimento existir de fato.

E é nessa perspectiva que a gente vai pra lá. Então, eu queria agradecer as entidades e os parceiros que participaram do edital e nos elegeram, sobretudo o movimento de mulheres, e agradecer essa responsabilidade que nos deram com muito carinho. Mas quero dizer para esses companheiros/as também que estamos abertas, que estamos lá como um canal e que seguiremos firme na luta. Então se um movimento ou uma organização achar importante que um determinado tema seja debatido no conselho, nós podemos construir isso.

Agência Patrícia Galvão: A mídia pública tem que ser de vanguarda então?
RF: Ela tem que ser de vanguarda, precisa ser exemplo de como é possível fazer TV no país com diversidade regional, de gênero, raça etc. A EBC é nova e esta sendo construída, e é um espaço fundamental para essa construção. Ela já faz um exercício de vanguarda ao utilizar a livre reprodução, então, para além da sua audiência direta ela é muito replicada e lida por jornalistas. A EBC tem a responsabilidade de pautar os meios de comunicação. Só que essa vanguarda não vai existir se a sociedade civil também não tiver uma relação de vanguarda com a EBC.

Agência Patrícia Galvão: Nesse sentido, como a EBC pode entrar no debate para regulamentação da comunicação?
RF: O movimento social construiu uma plataforma coletivamente que dizia qual era o papel da EBC do ponto de vista da democratização da comunicação e um dele é ser catalisador do debate sobre a necessidade de um novo marco regulatório do sistema de comunicação do país, fazer tudo que estiver ao seu alcance para que esse debate seja amplo, plural e denso. E isso não só em termos de debater a legislação, embora seja essencial pautar isso junto à sociedade, mas também debater a importância e o impacto da comunicação na sociedade e a partir daí discutir a necessidade de um novo marco regulatório.

Nesse momento, tem pontos em movimento, como a discussão de universalização da banda larga e o debate sobre o projeto de lei de iniciativa popular para a comunicação, e tem outras questões que estão mais paradas, como o marco civil da internet. O conselho é para trazer essas pautas e mostrar a urgência desse debate através da EBC, enquanto TV publica.

No próximo mês, vai ter uma audiência sobre censura, por exemplo, nós temos que estar lá para mostrar que regular a mídia não é censura. Vai ter uma semana inteira chamada “O Proibido”, só com programas sobre censura. É um bom momento para mostrar que na Ditadura Militar houve censura, e que a luta pela democratização do país foi também para não mais permitir censuta. A proposta de um novo marco legal para o sistema de comunicação é na perspectiva da liberdade de expressão, pela libertação de setores que estão silenciados.

RB: Ela pode contribuir através de reportagens, mostrando a realidade brasileira, e também dando exemplo, respeitando de antemão os princípios colocados pela Constituição Brasileira que ainda precisam ser regulamentados, como o da pluraridade e diversidade na programação. A partir do momento em que a EBC faz um programa mostrando as mulheres brasileiras do jeito que elas são, por exemplo, ela já está com uma cobertura e com programas diferenciados. Então, independente da regulação da mídia em nível de política publica federal, a EBC tem que exercer os princípios constitucionais e de liberdade de expressão na prática.

Agência Patrícia Galvão: Como foi a reunião de posse e quais as perspectivas para a atuação do conselho nesse ano?
RB: Na reunião de posse, eu tive a dimensão da importância do conselho, das possibilidades de debate e do papel fundamental desse espaço. Ele cumpre um papel de fazer avaliação da programação e sugerir programação, e também de monitorar – ou seja, pode apontar se um programa infringe o direito das mulheres, por exemplo.

Mas, o conselho tem também alguns desafios pela frente. Há um descompasso, por exemplo, entre as decisões do conselho e os encaminhamentos práticos dados pela EBC e isso precisa ser agilizado. Falta também fortalecer a articulação da sociedade civil com o conselho, debater como a sociedade civil que está lá representada atua naquele espaço.

Fonte: Agência Patrícia Galvão