Belluzzo:“Marx via o socialismo como radicalização da democracia”

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo proferiu a frase durante sua participação na última mesa do seminário "Balanço de uma década de governo democrático e as bases de uma nova arrancada para o desenvolvimento". Realizado pelo PCdoB e Fundação Maurício Grabois, além do economista, participaram também Luiz Fernandes, secretário executivo do Ministério do Esporte, Renildo Souza economista e professor da Universidade da Bahia e o secretário nacional de relações internacionais, Ricardo Abreu.

Fernandes Lima

O seminário foi convocado à luz do 13º Congresso do Partido Comunista do Brasil, principal espaço de discussão sobre os rumos do país e da organização comunista. O objetivo da atividade foi de antes de elaborar seu caderno de tese, dialogar com intelectuais que não necessariamente são do PCdoB, mas que elaboram sobre os desafios da sociedade brasileira para ampliar o acúmulo teórico do conjunto dos quadros do partido mais antigo do país.

No debate sobre o balanço e tendências da crise capitalista e da nova luta pelo socialismo foram constatados alguns consensos, por exemplo, sobre o papel da China na geopolítica mundial e na resolução da crise, mas também problematizações que são essenciais para definir a causa central da crise do capital.

Tendências da discussão sobre a crise

O colunista da Carta Capital, Luiz Gonzaga Belluzzo, ressaltou a atualidade do pensamento de Karl Marx, a quem ele classifica como o “pensador da liberdade. “Marx via o socialismo como uma radicalização da democracia, porque daria ao indivíduo o caminho para a sua autonomia e liberdade”.

De acordo com Belluzzo, a partir da década de 70 a economia mundial entra no período de
“estagflação”, uma mistura de estagnação com inflação, que marca o momento de reivindicação dos conservadores na gestão e governança da política econômica.

“Isso significava tornou os mercados de trabalho mais flexíveis, abrir as economias para a movimentação do capital financeiro e fazer a desregulamentação dos mercados, produzir bens para o mercado financeiro. Isso é que está implicado nas teorias que buscam justificar o que deveria acontecer”.

As teorias que prevaleceram nessa discussão, segundo o economista, foi primeira a monetarista, que dizia que era preciso controlar os agregados monetários para impedir a inflação e que criaram a taxa natural do desemprego, a partir de uma relação determinada de crescimento e emprego, era necessário crescer a de desemprego para que a inflação mantivesse estável.

A segunda ideia é que preciso baixar os impostos sobre os mais ricos, chamada de economia da oferta, é baseada em detrimento das altas taxas das cargas tributárias, que desestimulava a poupança e, consequentemente o investimento. “Se os ricos poupassem e investissem, os de baixo teriam melhores salários e condições de vida”, exemplificou Belluzzo.

Outros instrumentos financeiros desarticula a economia financeira da economia real, e assim, transfere definitivamente o comando das decisões capitalistas para finanças. “As taxas de juros são baixas, porém os mercados criam novos instrumentos que favorecem o rendimento financeiro sobre os outros rendimentos”, afirmou Belluzzo.

Sobre o Brasil, o professor falou sobre as questões em relação as políticas industriais e demanda interna. Para ele Brasil tem que usar esses instrumentos para estimular o desenvolvimento de setores que nós não desenvolvemos.

“A Petrobrás tem que ser dirigida sim. A Petrobrás foi politizada quando eles quiseram privatizá-la. Ela é um instrumento de política industrial sim e tem que ser tratada como tal, como o fazem os chineses”, interviu.

A tendência secular da taxa de lucro

O acadêmico Renildo de Souza também abordou elementos que compõem a origem da crise. A sua primeira constatação é que a raiz da crise não está nas economias periféricas e mais fracas, mas sim nas economias mais desenvolvidas.

“A maioria das economias desenvolvidas, particularmente as da Europa, estão sendo tragadas para uma espiral declinante com elevado desemprego, em que decididamente firmas e famílias cultuam a fragilidade bancária, pesados riscos soberanos, aperto fiscal, um círculo vicioso. Algumas economias europeias já estão em recessão”, afirmou Renildo.

O problema da explicação da crise, do ponto de vista marxista da taxa de lucro, segundo Renildo, deve-se levar em consideração, o movimento da taxa de lucro ao longo prazo, a tendência secular da taxa de lucro, ao mesmo tempo que a variação cíclica conjuntural em determinado período da taxa de lucro. “Mesmo que haja a tendência de queda a longo prazo, como previa Marx, por conta do aumento da produção orgânica do capital, essa é uma tendência contínua sobre a taxa de lucro”.

“O sistema capitalista precisa cumular capital para produzir mais excedente, para obter aumento da mais-valia. Isso é da natureza e da lógica do sistema capitalista, que para obter aumento dos seus lucros através do aumento da mais-valia, ele tem que aumentar a produtividade do trabalho, consequentemente ele precisa ampliar a massa de capital constante e ao fazer isso, essa massa de capital constante vai ter um crescimento superior ao crescimento que ocorra na ocupação da força do trabalho, do crescimento do capital variável. Portanto, Marx tinha razão quando afirmou que havia uma contínua pressão, uma espada de dâmocles apontada sobre a cabeça do sistema capitalista”, deslindou o professor baiano.

O conceito leninista de desenvolvimento desigual

O tema apresentado pelo cientista político Luís Fernandes foi sobre a geopolítica no contexto da crise, que acentuou o retorno da discussão sobre o assunto para pensar a evolução mundial, que se contrapõe a ideia de que o temário não servia mais, parte de uma ofensiva ideológica do neoliberalismo que o intuito era minar a capacidade de reflexão crítica e de resistência perante o papel da moeda dos Estados Unidos.

“Chegaram a falar em fim da geografia, que com a intensificação do processo de globalização e a integração global de mercados financeiros e circuitos produtivos, o território e o Estado teriam se tornado irrelevante, porque agora o que interessava era a operação global de mercados financeiros e de circuito de investimentos que passaram por cima dos Estados nacionais e, portanto, não seria mais uma categoria importante para pensar a evolução mundial”, realçou Fernandes.

As duas premissas introduzidas como ideias forças por Luís é que, primeiro, a marca dessa transição nos sistema internacional, são dois processos estruturantes e entrelaçados. O primeiro é de fim da guerra fria com o colapso do antigo campo capitalista e seu impacto sobre a evolução da ordem mundial e no sistema internacional. “Nós ainda analisamos as mudanças na geopolítica ainda no contexto da defensiva estratégica inaugurada pelo colapso do campo socialista”.

O segundo processo, relatado por Fernandes, é a intensificação do processo de desenvolvimento desigual no mundo e no sistema internacional. “O desenvolvimento desigual aqui entendido na chave da teoria do imperialismo do Lênin”.

A teoria mencionada pelo palestrante de desenvolvimento desigual desenvolvida pelo líder da revolução de 1917 é diferente da teoria da dependência e da opinião que contrapõe o crescimento do centro e da periferia mundial.

“A teoria de desenvolvimento desigual desenvolvida por Lênin é uma teoria de erosão e decomposição do centro e ascensão inexorável de potências concorrentes do sistema internacional. Essa é uma chave muito mais relevante para pensar a crise é a teoria leninista, que apontava que o processo de monopolização nos países centrais, gerava formação de capital excedente, que impulsionava a expansão externa”, seguiu Fernandes.

O atual secretário executivo do Ministério do Esporte alegou que “com o novo papel da exportação de capital, os ganhos no centro do sistema se tornam cada vez mais rentistas e parasitáveis, associado ao processo de financeirização do circuito de acumulação e ficam dependentes dos lucros e investimentos feitos fora das economias centrais”.

Lições da luta atual pelo socialismo

Ricardo Abreu, o Alemão expôs a situação dos países socialistas e a participação das forças democráticas e progressistas no mundo para posicionar o público quanto as alternativas da crise do capital que estão em curso.

“A luta anti-imperialista contemporânea não se desenvolve somente pela luta dos trabalhadores e dos povos, também por meio da luta dos países independentes, pelo desenvolvimento e independência nacional, que lutam por soberania nacional, se fortalecem pelo desenvolvimento desigual do capitalismo e tem contradições objetiva com os países imperialistas, portanto, têm um papel contra-hegemônico que cria melhores condições internacionais para a luta dos povos, pela sua libertação nacional e social e para a luta pelo socialismo no Brasil e nos países que estão buscando esse objetivo”, considerou Alemão.

Nesse cenário, a esquerda latino-americana e caribenha é cada vez mais referência para esquerda em nível mundial, defendeu o secretário de relações internacionais. “Todos os povos olham para a resistência da América Latina e do Oriente Médio, porém em termos de ideia e de transição ao socialismo no quadro atual, é a América Latina”.

Alemão asseverou que, para obter a unidade é preciso constituir amplas frentes políticas e sociais para lutar pela paz, soberania e pelo progresso econômico e social. “Hoje em dia o internacionalismo proletário e as amplas alianças anti-imperialistas internacionais são fundamentais para nós, ao mesmo tempo que valorizamos a luta para aumentar a amizade, a cooperação entre as forças políticas comunistas e anti-imperialistas, ressaltamos que a relação de cooperação e intercâmbio com essas forças deve-se dar na base da igualdade, do respeito mútuo, inclusive pela orientação programática de cada partido e não interferência em assuntos internos”.

Para Alemão é preciso extrair, verdadeiramente, as lições das experiências socialistas, que são novas, e ainda “têm um longo caminho à frente”.

“Muitos desses problemas continuam ocorrendo nas experiências atuais, na Ásia e na América Latina, como a centralização do planejamento e a negação do papel do mercado, pouca inovação, baixa qualidade dos produtos e desabastecimento, a socialização de todos os meios de produção, inclusive os secundários, o burocratismo e a fusão de Partido- Estado, a pouca participação popular na gestão e limitação da liberdades políticas e abuso do aparato repressor, o dogmatismo no campo teórico e a ingerência em outros partidos ou países sobre o pretexto do valoroso e correto internacionalismo”, enunciou Ricardo Abreu.

Durante os dois dias de seminário, procurou-se oxigenar algumas ideias, reafirmar e consolidar outras, mas também avançar na elaboração justa sobre como os comunistas brasileiros irão intervir na realidade do país para elevar a condição de seu povo, ao construir uma Nação forte, soberana, desenvolvida e igualitária.

Por Ana Flávia Marx,
do Portal da Fundação Maurício Grabois