O complexo dos “entendidos”

*Por Aldo Rebelo

O futebol brasileiro volta a ser vítima do “complexo de vira-lata” de que falou o cronista Nélson Rodrigues. Não é de hoje que viceja, sobretudo em certos estratos urbanos intelectualizados, a exemplo de escritores comoSílvio Romero e Euclides da Cunha, a sensação de que somos um povo inferior. A pesquisadora Lúcia Miguel Pereira, em Prosa de Ficção – De 1870 a 1920, publicado em 1950, colheu difuso “sentimento de inferioridade racial”, registrando que era moda “uns exaltarem os alemães, outros, os franceses, alguns os ingleses e americanos do Norte, mas todos concordavam em que os brasileiros e seus avós, portugueses ou negros, pouco valiam.”

Tanto pessimismo social está em baixa e ao menos no futebol chegou mesmo a ser invertido: depois de muitas conquistas, os brasileiros passaram a achar-se os melhores do mundo, e por isso só aceitam a vitória com jogo bonito. Mas bastam alguns maus resultados para que o negativismo latente ressurja furioso. Como noutras temporadas pré-Copa, o jogo europeu volta a ser exaltado por sua “disciplina tática”, e os pentacampeões do mundo são desdenhados como “superados”. Tal e qual em 1970, quando Nélson Rodrigues esperneava contra os “entendidos” e a sua crítica de que estávamos “atrasados de quarenta anos para mais”. E lentos: “Os brasileiros andavam de velocípede e os europeus a jato.”

A temporada de caça de agora mirou em Neymar como alvo da vez. Nosso único craque, jovem e talentoso, em formação tanto como pessoa quanto atleta, em vez de ser tratado com a reverência devida aos ídolos, é até vaiado. Chega-se a dizer que tem ir ao Exterior para se aperfeiçoar… Ao ouvir esses “entendidos, Ronaldo Fenômeno foi incisivo: “Eu joguei na Europa 18 anos, aprendi muitas coisas, menos a marcar.” Fica a questão:um craque brasileiro precisa sair do País para aprender a jogar?

*Ministro do Esporte e deputado federal licenciado pelo PCdoB

Artigo publicado no jornal Diário de S. Paulo