Assis Melo: a CLT e a luta do trabalhador

Subo hoje (quarta-feira, 15) a esta tribuna para manifestar a minha deferência a um instrumento legal brasileiro de suma importância na vida do trabalhador: a Consolidação das Leis Trabalhistas. Nesses 70 anos, completados no último dia 1º de maio, e razão pela qual hoje estamos todos presentes neste Plenário, esse diploma legal representa as reivindicações daqueles que deram e dão o seu suor diariamente, na esperança da construção de uma vida melhor e mais digna para sua família.

Por Assis Melo*

Estamos falando de um mecanismo baseado no direito fundamental ao trabalho, garantia disposta na Constituição da República Federativa do Brasil, que orienta e regulamenta o labor no país, tanto do ponto de vista prático e laboral, quanto do ponto de vista jurídico e institucional.

São regras simples e objetivas, que fornecem aos empregados, aos empregadores e aos juízes do trabalho os mecanismos tanto para a manutenção da regularidade e do respeito na relação de trabalho quanto para o alcance de soluções para os diversos litígios na área do Direito do Trabalho.

Hoje podemos constatar que as inúmeras modificações realizadas no texto da CLT estampam o desenvolvimento dos meios de defesa dos trabalhadores do país. Contudo, apenas por meio de muita luta que, hoje, cada brasileiro goza de garantias que podem viabilizar a diminuição da desigualdade inerente à relação entre capital e trabalho.

Isso porque, o Brasil iniciou a sua industrialização de forma tardia, no início do século 20, quando indústrias instalavam-se nos grandes centros urbanos e a jornada de trabalho cumprida atingia até 16 horas diárias. Homens, mulheres e crianças eram explorados pelo patronato.

A Primeira Guerra Mundial trouxe o desemprego, baixos salários e muitas manifestações populares. Apesar da mobilização dos trabalhadores, estes poucos avançavam, vez que não havia intervenção por parte do Estado nas relações empregatícias, de modo que qualquer acordo dependia exclusivamente do empregador e dos empregados.

Em 1930, foi instituído o Ministério do Trabalho e o Brasil aderiu ao Tratado de Versalhes, firmando um compromisso com a melhoria das condições de trabalho. A pressão internacional e os movimentos operários internos impuseram a mudança das relações de trabalho no que se referia à jornada de trabalho, ao descanso semanal, ao direito de associação e à igualdade salarial, sem discriminação de sexo.

Atendendo aos interesses mais legítimos do povo, toda a legislação trabalhista até então editada foi, em 1943, sistematizada e ampliada, originando, assim, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O diploma foi elaborado por uma comissão que contava com juristas e técnicos do Ministério do Trabalho e trouxe importantes conceitos tais como salário, contrato de trabalho, empregado e empresa, além de regulamentar as relações sindicais. Apesar de grande resistência por parte dos patrões, nela foram instituídos direitos trabalhistas tais como a carteira de trabalho com registro profissional, a jornada semanal de 48 horas semanais e férias remuneradas.

Posteriormente, foram incluídos na CLT o 13º salário e o salário-família. Em 1963, foi a vez dos trabalhadores rurais receberem proteção diante das péssimas condições de vida no campo. Desse modo, gradativamente, as leis foram conferindo o direito à jornada de 44 horas semanais, férias anuais remuneradas, 13º salário e adicional noturno de 25% do valor do salário. Ainda nessa década, os trabalhadores passaram a fazer jus ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.

Durante e após o regime militar, os trabalhadores foram conquistando mais direitos, como o terço de férias, participação nos lucros e licença- maternidade. Mas o ápice do desenvolvimento da legislação trabalhista veio na redemocratização, com a promulgação da Constituição de 1988. O artigo 7º da Carta Magna trouxe os direitos trabalhistas mínimos, estendendo-os aos trabalhadores urbanos e rurais, regulamentando no seu artigo 8º a liberdade sindical e estabelecendo a Justiça do Trabalho como o órgão do Poder Judiciário competente para dirimir os conflitos oriundos das relações trabalhistas.

Nesse ano em que comemoramos os 70 anos da CLT, outros marcos históricos são importantes de registro. Refiro-me aos 25 anos da promulgação da Constituição de 1988, momento impar de avanços, conquistas, amadurecimento, e consolidação de um Estado democrático de direito e os 125 anos da aprovação nesta Casa Legislativa, por 83 votos a 9, do Projeto de Lei que aboliu a escravidão no Brasil.

Sobre o assunto, alias, o Procurador-Geral do Trabalho, Professor de Direito do Trabalho e Especialista em Trabalho Escravo Contemporâneo, Luís Camargo, fez uma importante atualização desse tema em brilhante artigo publicado no jornal Correio Braziliense do último dia 14. Disse esse estudioso do trabalho escravo que “É forçoso reconhecer que, passados todos esses anos, nosso país ainda vive com a mácula do trabalho escravo, conforme demonstram denúncias, investigações, comprovações e condenações de empresas que submetem seus funcionários è condição análoga à da escravidão”.

Diante dessa afirmativa, a defesa desse Diploma Legal como instrumento de proteção e resguardo de direitos trabalhistas continua atual, e exige desse parlamento e da sociedade em geral, que seja dito em alto e bom som, o suor e o sangue de milhares de brasileiros que deram cores as letras escritas na CLT, ninguém haverá de apagá-las.

Como podemos ver nos últimos 20 anos, presenciamos muitas mudanças sociais no país e na justiça do trabalho. A CLT sofreu inúmeras alterações e, a cada ano que passa, estabelece novas regras e direitos, tanto para o empregado como para o empregador brasileiro. Apesar de ainda carente de uma atualização que se adeque perfeitamente à realidade social de hoje, a CLT tutela direitos importantíssimos e irrevogáveis, tais como férias, adicional noturno, salário mínimo, licença-paternidade, 13º salário, FGTS, PIS, carteira de trabalho e previdência social. Por isso, essa atualização deve seguir rumo ao progresso, não para subtrair direitos dos trabalhadores, mas para continuar promovendo a sua ampliação, bem como a inclusão dos trabalhadores na participação da produção, de modo que tenham acesso à riqueza que é gerada a partir do seu esforço e dedicação.

É questão de justiça que as conquistas sejam preservadas e que a tutela dos direitos dos trabalhadores não cesse de avançar, fato este que de certo ocorreria com a flexibilização dos direitos trabalhistas, medida que representaria, atualmente, um retrocesso no ordenamento jurídico brasileiro e uma afronta à nossa Lei Maior, que admite a flexibilização de alguns direitos apenas por meio da negociação coletiva, prevendo a devida proteção ao trabalhador.

Nesse sentido, é com satisfação que reconheço que, em 2013, grandes vitórias ocorreram: a aprovação da PEC das Domésticas, que concedeu a essas trabalhadoras os direitos que há muito tempo lhes eram devidos, a promulgação da regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da negociação coletiva no setor público e que atende a uma das principais demandas do movimento sindical, a aprovação da lei que regulamenta a profissão de comerciário, a exemplo de outras matérias legislativas que definem trabalho descente, direitos e obrigações de outras categorias profissionais.

Causa-nos preocupação, no entanto, a tramitação do Projeto de Lei nº 4.330/2004, que regulamenta o trabalho terceirizado. Se por um lado, é forçoso reconhecer a necessária regulamentação da matéria, buscando propor garantias de direitos para os mais de oito milhões de trabalhadores nesta condição, não podemos permitir que esta lacuna em nosso texto normativo seja utilizado para implantar a precarização da relação de trabalho.

Esse é um tema que deve ser tratado com veemência e em regime de prioridade, a fim de que seja possível a conquista de garantias mínimas àqueles que sofrem por não terem alternativas senão submeterem-se a esse regime de contratação. A matéria encontra-se na CCJC, e o relator da matéria, deputado Arthur Oliveira Maia (PMDB-BA), apresentou seu parecer, que a nosso ver, carece de alguns ajustes, que apresentamos na forma de emendas ao parecer do relator, que esperamos sejam contempladas pelo o ilustre parlamentar baiano.

Outro tema que merece a atenção desse parlamento é a correção da injustiça praticada contra os aposentados e a necessária votação da extinção do famigerado Fator Previdenciário, tendo em vista que prejudica milhares de trabalhadores exatamente no momento em que vão requisitar o que lhes é de direito. O Deputado Henrique Eduardo Alves, nosso digno presidente, instituiu Grupo de Trabalho para analisar o tema, do qual esse parlamentar é membro titular, e aguardamos ansioso, o início dos trabalhos, pois dos 28 membros titulares, 22 já foram indicados pelas respectivas lideranças partidárias, o que já permitiria seu funcionamento.

Ao lado do fim do Fator Previdenciário, outras bandeiras contempladas na agenda das Centrais Sindicais, como a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais sem redução de salário, a ratificação da Convenção 158 e a regulamentação da Convenção 151, da OIT, são medidas que se impõem urgentemente.

Além disso, tendo em vista que o desenvolvimento econômico é uma pauta comum em toda esta Casa, não podemos nos esquecer do fato de que o avanço tecnológico implicou em inúmeras doenças do trabalho, antes incomuns. As novas divisões do trabalho e o estabelecimento de metas de produção expõem a saúde do trabalhador a muitos riscos. Por isso, é importante que o governo direcione maior atenção e proteção para aqueles que trabalham para que a riqueza seja produzida e para que o desenvolvimento se concretize. Para tanto, é necessária a definição de políticas públicas de proteção à saúde e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma profunda reflexão deve ser feita acerca da contradição existente na previsão legal de sanções por inadimplementos contratuais e descumprimento de normas regulamentadoras de segurança no trabalho. É que não se mostra razoável que, por exemplo, uma multa pelo atraso na entrega de uma obra possa superar o montante de três milhões de reais, enquanto o descumprimento de uma norma de segurança do trabalhador acarrete ao empregador o pagamento de apenas seiscentos reais. Nesse aspecto, uma excelente ação partiu do Conselho Nacional de Saúde, que definiu, em sua última reunião, que o governo irá convocar a Conferência Nacional da Saúde. A convocação dessas Conferências temáticas, como a que trata da saúde do trabalhador, representa outra conquista da classe trabalhadora.

A exemplo desta solenidade que a Casa promove na manhã de hoje, outras tantas casas legislativas de âmbito municipal e estadual, e dezenas de organizações sindicais realizaram sessões para homenagear nossa bíblia de proteção aos trabalhadores. Quero fazer uma menção especial ao ato solene promovido no dia dois de maio pela nossa Corte Maior das lides trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho, brilhantemente conduzida pelo Ministro Presidente Carlos Alberto Reis de Paula, nessa Sessão Solene representado pelo Ministro Vice-presidente Antonio José de Barros Levenhagen e uma expressiva delegação de Ministros e Ministras, que comemorou essa data tão importante. Na ocasião, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos lançou um selo comemorativo dos 70 anos da CLT, bem como foi dado publicidade a uma edição especial do diploma legal aqui homenageado, cujo exemplar tive a honra de receber.

Não poderia deixar de registrar a satisfação em podermos contar com uma figura do porte de Manoel Dias à frente do Ministério do Trabalho. Sua trajetória está vinculada à de um dos maiores líderes do Brasil, o senhor Leonel de Moura Brizola, que, ao lado de outros grandes nomes, tais como João Amazonas e Miguel Arraes, contribuiu para a consolidação do regime democrático nacional brasileiro. O Ministro Manoel Dias é integrante de uma geração de grandes brasileiros que dedicaram e dedicam suas vidas à conquista de um país democrático e soberano, e temos certeza de que podemos contar com seu apoio no que diz respeito aos temas abordados no decorrer desse discurso, temas esses urgentes e necessários para a consolidação do trabalho descente.

Quero registrar ainda, na pessoa da Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Desembargadora Maria Helena Mallmann, meus agradecimentos pela presença de todos os demais membros das cortes judiciárias trabalhistas, os membros do Ministério Público do Trabalho, advogados que patrocinam causas trabalhistas, dirigentes sindicais, meus colegas de parlamento, que aqui vieram render homenagens à nossa CLT.

Por fim, quero aproveitar este momento para cumprimentar cada homem e cada mulher que constrói a riqueza deste país, com mãos de ferro e bravura, conclamando-os a integrar as manifestações para que lutem pelo objetivo comum de construir melhores condições de vida para toda a classe trabalhadora, a verdadeira responsável pelo aumento da riqueza e do desenvolvimento do Brasil.

*Deputado pelo PCdoB do Rio Grande do Sul e dirigente nacional da CTB.