"Tenho o interesse de sempre pelo erotismo", diz Isabel Allende

A ideia de compilar as cenas de amor dos livros de Isabel Allende veio de seus editores alemães, Jürgen Dormagen e Corinna Santacruz. “Minha primeira reação ao saber disso, foi de pânico, porque, fora do contexto, essas cenas poderiam parecer piegas, e todas juntas poderiam resultar similares, mas eles me tranquilizaram”, diz Isabel, nos agradecimentos.

Por por Xandra Stefanel, na Rede Brasil Atual

Isabel Allende - Lori Barra (2011)

Longe de ser piegas e semelhantes, os textos do livro "Amor" são um deleite não só para os leitores já assíduos da escritora e jornalista chilena. Afinal, quem já conhece seu estilo, sabe que, não importa o tema, Isabel conduz facilmente o leitor em suas viagens literárias, muitas vezes inspiradas em suas próprias histórias ou nas de pessoas próximas.

O que mais chama a atenção em "Amor" são a introdução do livro e as aberturas de cada capítulo. A apresentação dedica 24 páginas a uma espécie de desabafo capaz de emocionar e fazer rir: a descoberta da sexualidade, ainda no jardim de infância, aos cinco anos de idade, quando engoliu uma bonequinha e achou que estava grávida; a tensa confissão para a primeira comunhão; a decepção quando viu pela primeira vez um homem nu; o desconforto da primeira dança de corpo colado; o inesquecível sex appeal dos marines americanos que conheceu no Líbano durante a adolescência; o tabu da infidelidade, tema da sua primeira (e polêmica) reportagem…

Passagens engraçadas, constrangedoras e picantes levam o leitor a viver, na imaginação, suas experiências amorosas – reais ou não. “Nesse momento da nossa vida, Willie e eu estamos num desses umbrais, o da maturidade, quando quase tudo se deteriora: o corpo, a capacidade mental, a energia e a sexualidade. Que diabos nos aconteceu? (…) Certa manhã nos vimos despidos no espelho grande do banheiro e ambos nos sobressaltamos. Quem eram aqueles velhinhos intrusos no nosso banheiro?”, questiona-se.

Como resposta a uma cultura (cruel) que supervaloriza a juventude e a beleza, ela assume que é preciso muito amor – além de alguns truques de ilusionista – para manter aceso o desejo pela pessoa que antes costumava nos causar frisson. “Em minha idade respeitável, na qual me dão desconto no cinema e no ônibus, tenho o mesmo interesse de sempre pelo erotismo”, diz, empenhada em manter acesa a paixão pelo marido, “embora já não seja o fogo de uma tocha, mas a chama discreta de um fósforo”.

Apesar de não inéditos, os textos ganham outro sabor reunidos como antologia, dividida por temas – O despertar, Primeiro amor, A paixão, O ciúme, Amores contrariados, Humor e Eros, Magia do amor, Amor durável e Na maturidade. No início de cada capítulo, a romancista explica o motivo das escolhas.

No primeiro, por exemplo, conta como despertou para o mistério da sexualidade: aos 8 anos, um pescador a levou a um bosque, onde a acariciou e a fez tocá-lo. A experiência, terrível, não foi tema de sessões psicanálise, mas de sua literatura. É assim que ela prefere exorcizar seus demônios: “Quase sempre o relato é veemente ou violento, como foi minha experiência ou como costumam ser as paixões infantis”.

Seus temas nem sempre são leves, mas os textos deste romance mostram a maestria com que Isabel Allende retrata esse sentimento que nem sempre (ou quase nunca) é fácil de expressar.

Isabel Allende é sobrinha do presidente Salvador Allende, morto durante o golpe de estado liderado por Augusto Pinochet, em 1973. Começou sua carreira de jornalista aos 17 anos. Também são de sua autoria "A Casa dos Espíritos", "Inês de Minha Alma", "A Soma dos Dias", "O Caderno de Maya" entre outros. Em seus livros, costuma usar como pano de fundo cenários da América Latina, sempre com a presença de mulheres fortes e lutadoras.