Sabotage: retrato, roteiro e programa
Sabotage vive! Dez anos após seu assassinato, que a polícia não conseguiu esclarecer, surge a biografia de Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Seu tema – a vida curta do herói da periferia de São Paulo – é um retrato, um roteiro e um programa
Por José Carlos Ruy
Publicado 14/06/2013 16:32
“Acho que a revolução a gente deve fazer se tiver um livro pra uma criança da favela ler. Quem tem que escrever esse livro tem que ser os próprios pais deles, né, meu? Eu penso assim porque o livro que eu li foi o livro de um cara puxando carroça que é meu pai. Uma senhora que trabalhou por 10, 15 anos num ambulatório, num teve nada, morreu, num deixou nada, que é minha mãe. E nisso aí eu fui pegando, fui lendo, fui aprendendo a lidar com a vida, pela vida mesmo”. Esta frase, de Sabotage – pseudônimo de Mauro Mateus dos Santos – é um retrato, um roteiro e um programa.
É um retrato do povo pobre, preto, jovem e marginalizado das favelas de São Paulo. Favelas muitas vezes encrustadas em bairros ricos – como a do Canão, o trecho da favela do Aeroporto, onde Sabotage, nasceu, bem ali, no Brooklin, ao lado do Campo Belo, na zona sul de São Paulo.
É o roteiro, que vai da sobrevivência (que vai desde buscar comida no lixo até ligar-se ao tráfico de drogas), até a consciência de que a música – o rap – é uma ferramenta de denúncia, de despertar e de luta.
E é um programa: o “livro” – a história – é sempre escrita e reescrita na busca de um mundo onde todas as formas de opressão e injustiças sejam deixadas para trás, vencidas pelo esforço comum de todos os oprimidos. Livro cujos autores são, e serão, sempre os oprimidos e os injustiçados.
A biografia é marcante pelo pioneirismo – traz a história de um personagem que saiu desse mundo de injustiça, opressão e desigualdade, e pode brilhar às portas do reconhecimento artístico. Ele conta a história de Sabotage que, desde criança, andava com um caderno e uma caneta às mãos para escrever canções; virou um astro do hip-hop brasileiro, gravou um disco (“Rap é compromisso”, um marco na música brasileira), participou de inúmeros shows e programas de tevê, foi ator importante em dois filmes cujo tema era justamente a denúncia da vida na periferia (“O Invasor” e “Carandiru”). E foi assassinado a tiros no despertar de uma carreira promissora, na madrugada de 24 de janeiro de 2003, logo depois de deixar sua mulher, Dalva, no trabalho. Assassinato que pode ser arrolado em mais um dos casos misteriosos que a polícia não foi capaz de esclarecer.
Preto, pobre, às portas do sucesso – só pode ser inveja, disse um dos investigadores! Sabotage foi um “indivíduo que tirou suco das engrenagens do espremedor. Por isso mesmo, não foi poupado”, escreveu Toni C., o premiado autor desta biografia. E deixou esse “suco”, o livro de sua vida, como um exemplo e uma bandeira. E o testemunho daquilo que as periferias habitadas por gente pobre, negra e sobretudo jovem, tem a dizer sobre o que pensam do mundo e, sobretudo, sobre o mundo em que vivem. Sem intermediários!
O livro:
Toni C. Um bom lugar: biografia oficial de Mauro Mateus dos Santos – Sabotage. São Paulo, LiteraRUA