George Câmara: Natal – Memória, Verdade e Justiça

Na última 5ª feira, 13 de junho, a Câmara Municipal de Natal aprovou em segunda discussão o Projeto de Lei 36/2013, de nossa autoria, que cria a Comissão Municipal da Memória, Verdade e Justiça, no âmbito do nosso Município.

Luiz Ignácio Maranhão Filho
A matéria já havia sido aprovada na legislatura passada, por proposição da combativa Vereadora Sargento Regina, do PDT. Infelizmente, mais uma frustração com o veto da então Prefeita Micarla de Sousa e, pior, veto mantido à época pela Câmara.

Pelo conteúdo do PL 36/2013, em seu artigo 1º, “fica criada, no âmbito do Município de Natal, a Comissão Municipal da Memória, Verdade e Justiça, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, a fim de efetivar o direito à memória, à verdade, à justiça e a reconstituição histórica que envolveu cidadãos natalenses”.

O período fixado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal vai de 18/09/1946, data da promulgação da Constituição de 1946, até a promulgação da Constituição atual, 05/10/1988, guardando observância ao disposto na Lei 12.528, de 18/11/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade.

No parágrafo único do artigo 1º do citado Projeto de Lei, atribui-se à Comissão Municipal o nome de LUIZ IGNÁCIO MARANHÃO FILHO, esse ilustre brasileiro que deu a vida à causa das liberdades democráticas. Tal escolha sintetiza e simboliza a luta de natalenses e potiguares na resistência contra os atos de exceção praticados pelas forças de repressão.

Evidente que a matéria é objeto de acirrada polêmica, até por tratar de fatos históricos recentes, cujas pessoas diretamente envolvidas estão vivas e nessa condição interferem nos relatos e seus desdobramentos. Como evitar os efeitos no plano emocional entre familiares e amigos de ambas as partes? Porém quando tratamos de uma sociedade e sua formação histórica, acontecimentos vergonhosos como a prática da escravidão, da tortura e da opressão não podem ser considerados apenas no plano individual.

Tratar o tema como um tabu demonstra que na sociedade brasileira ainda vivemos sob o manto da hipocrisia quando se toca nessa questão. Não uma hipocrisia desinteressada, porém matreiramente construída como subterfúgio para esconder a realidade. Para escamotear o debate e a busca do conhecimento acerca de fatos históricos, ainda que vergonhosos, porém indissociáveis de nosso processo civilizatório em curso. Aprender, mesmo que às custas de seus próprios erros, é tarefa permanente para um povo. Para o amadurecimento de uma sociedade.

Outra manobra também muito perspicaz, mas igualmente grosseira, é tratar o tema com ar de revanchismo, sob a alegação de que seria estranho a uma sociedade tão pacata quanto a brasileira essa verdadeira caça às bruxas. Quem sustenta essa tese parece desconhecer que um dos principais traços das classes dominantes ao longo de toda a história do país tem sido a costura de acordos para saídas “negociadas” nos decisivos momentos de impasse.

Afinal, a nossa independência foi proclamada por um fidalgo português. A abolição da escravatura se deu sem indenização imediata ao latifúndio, porém deixando uma triste herança ao largar a população negra ao mais absoluto desprezo. República proclamada por pessoas completamente alheias aos ideais republicanos. Um povo não pode negar sua própria história sem pagar um elevado preço. O “esquecimento” tira de gerações futuras qualquer perspectiva de pertencimento a uma nação. Portanto, presa fácil de dominadores de qualquer espécie.

Contamos com a sanção do Prefeito Carlos Eduardo. Ao aprovar a Lei que cria a Comissão Municipal da Memória, Verdade e Justiça, Natal se coloca no mapa de um país cujo povo vem lutando para construir a sua verdadeira História.
 

*George Câmara, petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB (19/06/13) www.georgecamara.com.br
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