George Câmara: Ópera da Comédia, da Tragédia e da Vergonha

O que há de tão sigiloso no programa de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA revelado pelo administrador de sistemas norte-americano e ex-agente da CIA Edward Joseph Snowden aos jornais The Guardian e The Washington Post? Por que Snowden tornou-se o Técnico em Segurança da Informação mais caçado do planeta?

Edward Snowden
Acusação: o vazamento de dados secretos do governo ianque com revelação de detalhes do tal projeto de monitoramento global PRISM que bisbilhotou as conversas telefônicas e transmissões na internet de pessoas dos Estados Unidos e de outros países. Uma trapalhada sem precedentes. O que dizer do livro “1984”, de George Orwell?

Mas a guerra fria não já acabou há décadas? Por ironia do destino parece que ainda não chegamos ao mais grave. Pelos acontecimentos daí decorrentes, tudo indica que o poço dos absurdos não tem fundo. Beira o surrealismo.

Se escarafunchar a vida das pessoas, por si só, é uma atitude inaceitável, como classificar a intromissão na soberania de qualquer nação, a ponto de proibir o avião presidencial de um país sobrevoar o espaço aéreo de outro? Um grave incidente diplomático. Ou melhor, de trapalhada interna a internacional.

Ao final da viagem oficial à Rússia para uma reunião de países produtores de gás, o presidente Evo Morales pegou seu avião para voltar à Bolívia. Pensando que o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, autor das revelações sobre as operações de espionagem nos Estados Unidos, estava no avião presidencial, Washington ordenou que quatro países europeus – França, Itália, Espanha e Portugal – proibissem que Evo Morales sobrevoasse seus respectivos espaços aéreos.

Vergonhosamente, o governo “socialista” de François Hollande cumpriu de imediato a ordem procedente dos Estados Unidos. Cancelou a autorização de sobrevoo de seu território, que havia outorgado à Bolívia em 27/06/2013, enquanto o avião presidencial estava a apenas alguns quilômetros da fronteira francesa. Por falta de combustível o avião precisou fazer uma aterrissagem de emergência na Áustria.

Dessa forma a França colocou em perigo a vida do presidente boliviano. Além de provocar uma crise de extrema gravidade, Paris violou o direito internacional e a imunidade diplomática absoluta a que faz jus todo chefe de Estado. Ao tomar tal decisão, Hollande desprestigiou a voz da França no cenário internacional. Desde 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, nenhuma nação do mundo impediu um avião presidencial de sobrevoar seu território.

Itália, Espanha e Portugal também seguiram obedientemente as ordens de Washington e proibiram Evo Morales de sobrevoar seus respectivos espaços aéreos. Depois que descobriram se tratar de uma informação falsa e que Snowden não estava no avião, não é difícil imaginar o papel vexatório a que se submeteram.

Parecia filme de desenho animado, de título não muito original: “O Capitão América e os Quatro Patetas”. O episódio provocou piadas no mundo inteiro, pois as revelações de Edward Snowden permitiram descobrir que os Estados Unidos espionavam vários países europeus, entre os quais França e Itália. De aliados a vassalos, em nome da OTAN. É a velha Europa colonial, decadente e subserviente.

A Bolívia denunciou um atentado contra a sua soberania e contra a imunidade de seu presidente. “Trata-se de uma instrução do governo dos Estados Unidos”, segundo La Paz. A América Latina condenou, de forma unânime, a atitude da França, Itália, Espanha e Portugal. Ao encenar no mesmo enredo a trapalhada, a prepotência e a submissão, tal feito se assemelha muito mais a uma ópera da comédia, da tragédia e da vergonha.

 

*George Câmara, petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB (05/07/13) www.georgecamara.com.br
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