Os bares de São Paulo: Um bar de rico e um de pobre

Minhas lembranças botequeiras me remetem a dois bares. Primeiro um frequentado por rico – numa época, para mim, de “descobrimento” de São Paulo

Por Mouzar Benedito.

Teatro Municipal São Paulo

A Augusta era a “rua dos playboys”. Rapazes ricos (ou que se faziam passar por ricos) circulavam de carro, às vezes de capota aberta, paquerando as mocinhas que circulavam a pé e que iam lá para fazer programas com rapazes que tinham carro. Era uma coisa estranha, mas existia isso. Muitas meninas pareciam ter tesão por carro. Tanto que era comum o paquerador tipo escroto chegar nelas rodando a chave do carro.

No caso da Augusta, a paquera era à noite e geralmente da avenida Paulista para baixo, em direção aos Jardins. Da Paulista para o centro, a Augusta era menos badalada.

Durante o dia, a Augusta era a rua das butiques caras. Passear na Augusta pela primeira vez foi meio decepcionante para mim, pois eu vinha de uma cidade pequena em que o centro era muito bem cuidado, com calçadas bem conservadas, e achava que a rua mais famosa como “chique” de São Paulo devia ser assim, mas ela era cheia de calçadas quebradas e nem era tão bonita.

Eu não frequentava a rua Augusta nem seus bares, mas aos domingos às vezes ia ao Cine Paulista (que virou Cinesesc) ou a um dos cinemas do Conjunto Nacional, na esquina com a Paulista (cines Astor, hoje Cine Livraria Cultura. Mais tarde, tive uma namorada, já perto do final da década de 1970, que frequentava o Longchamps, que ficava a uns dois quarteirões da Paulista em direção ao centro. Era um bar decorado com cenas de cavalos galopando, que tinha como especialidade sanduíches diferentes. Achei até um lugar interessante, cheio de menininhas bonitinhas, e gozava dizendo que o que a burguesia fazia melhor era filha. Enfim, fui lá algumas vezes. Bebia chope e paquerava um pouco.

Pelo que soube, o bar resistiu bastante tempo, mas com outro tipo de clientela. Virou bar de adultos, e depois foi decaindo pela má qualidade do atendimento. Segundo um dos últimos frequentadores, Jô Amado, o Longchamps tinha o pior garçom do mundo. Tão ruim que as pessoas desistiam de esperar o garçom se animar a atendê-las, mesmo não havendo mais nenhum cliente. Mas o grupo do Jô era tão teimoso que esperava, e o garçom acabou percebendo que eles não iam embora sem tomar umas e outras, e passou a atendê-lo rapidinho. Mas só esse grupo, mais ninguém.

Agora um frequentado por pobres, numa época de militância política.

Íamos muito lá, nos tempos em que a praça da Sé era muito usada para comícios, seja nos Primeiros de Maio, depois na luta pela anistia e depois pelas eleições diretas.

Não me lembro o nome, não existe mais. Hoje, no local, há uma casa de ervas medicinais. Fica na ruazinha que sobe à direita da catedral da Sé, esquina com a praça João Mendes. Os atrativos eram a cerveja gelada, a cachaça simples e barata (não havia nenhuma marca de boa qualidade) e a proximidade das manifestações da praça da Sé. Era um barzinho simples.

O que me lembro mais dele é das reuniões etílico-políticas durante os comícios pelas eleições diretas. A praça ficava cheia, o palanque era montado em frente à escadaria da igreja, e a tal ruazinha ao lado da catedral ficava vazia. Era por lá que entravam os políticos, músicos e outras “personalidades” que subiriam ao palanque, a maior parte para discursar. A gente vaiava boa parte deles. E não me arrependo.

Os políticos que a gente vaiava, sabíamos, não eram a favor das eleições diretas naquele momento coisa nenhuma. Participavam porque apareceriam mal aos seus eleitores se se omitissem, mas não só torciam contra as diretas como, em alguns casos, trabalhavam nos bastidores contra elas, até mesmo convencendo a votar contra o projeto de eleições diretas parlamentares governistas que tendiam a votar a favor delas, pois – como diziam ser o caso de Tancredo Neves – havia um temor de certos “democratas” de que, com as eleições diretas, Leonel Brizola fosse eleito presidente. Assim, enquanto bebíamos no bar, observávamos quem ia chegando para se dirigir ao palanque e vaiávamos quem tínhamos certeza que estava lá só pra se exibir, fazendo veementes discursos pelas eleições diretas, sem nenhuma sinceridade, descendo do palanque e falando com sua turma que o projeto não poderia ser aprovado de jeito nenhum.

Vaiamos muita gente que se passava por boa. E com certeza, pelo que fizeram depois esses políticos, eles mereceram. Os não mortos, continuam merecendo.