Novo governo egípcio terá de redefinir o seu papel na Palestina

O regime israelense e o Exército egípcio têm investido na coordenação securitária e militar, sobretudo na península do Sinai e nos túneis entre o Egito e a Faixa de Gaza. O ministro da Defesa Abdel Fattah Al-Sisi, que tirou o presidente egípcio Mohammed Mursi do poder, representa o Exército na coordenação com Israel, de acordo com informações desta segunda-feira (8), do portal Middle East Monitor, que também relatou a morte de 34 manifestantes durante as orações islâmicas no domingo (7).

Hamas e Irmandade Muçulmana - Carnegie Institute

Uma emissora de rádio israelense citou fontes militares sobre a continuidade da cooperação militar e securitária com o Egito, no marco histórico dos acordos de paz entre os dois países, assinados no fim da década de 1970, com a mediação determinante dos Estados Unidos.

A fonte israelense ressaltou o papel do Egito para o fechamento dos túneis entre o Sinai e a Faixa de Gaza como um “golpe doloroso ao Hamas”, partido de resistência islâmica que governa o território e que muitos analistas disseram ter sido decepcionado pela negligência do governo egípcio enquanto liderado pela Irmandade Muçulmana, através de Mursi, até a semana passada.

A Faixa de Gaza está sob o bloqueio militar israelense há seis anos, o que tem posto a economia palestina e a subsistência em patamares de pobreza extrema. Os túneis, neste contexto, são em grande parte utilizados para o “contrabando” (como chamado pelos israelenses) de produtos alimentícios, médicos e de combustíveis.

No mesmo sentido, agências de notícias próximas à Autoridade Palestina citaram fontes militares egípcias que disseram que a coordenação entre o Egito e Israel está se desenvolvendo em preparação para a entrada de veículos militares, soldados e aeronaves no Sinai, para “combater o terrorismo”. Segundo a mesma fonte, o Exército do Egito encontrou caixas com bombas e munições na entrada de um túnel do distrito de Rafah.

Protestos e violência

As forças de segurança do Egito mataram 34 pessoas neste domingo (7), depois de abrirem fogo contra uma demonstração contra a medida do Exército de retirar Mursi do poder, na capital Cairo, de acordo com o Middle East Monitor. Mais de 300 pessoas foram feridas quando as forças usaram munição real contra os manifestantes, enquanto realizavam a oração matinal.

Testemunhas disseram ter visto atiradores de elite nos prédios à volta do edifício da Guarda Republicana. Soldados estacionários em veículos blindados também estiveram envolvidos, e as ambulâncias foram atrasadas ao chegar ao cenário, enquanto os feridos foram tratados em uma clínica improvisada estabelecida em uma praça. Um doutor disse que a clínica tinha poucos recursos, mas não recebeu qualquer ajuda do Ministério da Saúde.

Porta-vozes da Irmandade Muçulmana na praça descreveram o ataque como um “massacre” cometido deliberadamente contra os manifestantes. De acordo com jornalistas e ativistas locais, muitos dos feridos receberam disparos na cabeça, nos olhos e no peito.

Acredita-se que o presidente deposto Mohamed Mursi esteja detido no edifício da Guarda Republicana, e os manifestantes disseram que permanecerão na praça à frente do prédio até que ele seja liberado. Já os militares afirmaram que a ação que deixou dezenas de mortos foi provocada por um grupo terrorista.

Um novo governo e a questão Palestina

O analista e autor palestino Nassar Ibrahim publicou um artigo no Centro Alternativo de Informações (AIC, na sigla em inglês), sobre o efeito da intervenção militar do Exército na retirada de Mursi da presidência egípcia, na semana passada.

Ibrahim diz que a Irmandade Muçulmana, que governou o país durante um ano após a queda do ditador Hosni Mubarak (apoiado e mantido como um aliado pelos Estados Unidos e até por Israel), apresentava-se como uma alternativa à ordem política existente, principalmente à aliança com os EUA.

Entretanto, diz o palestino, os Estados Unidos fizeram questão de entrar em acordo com a Irmandade Muçulmana durante a Revolução de 2011 e durante as eleições presidenciais de 2012, o que ficou patente na declaração da Irmandade sobre não ser contrária ao Ocidente e sobre o seu compromisso com os acordos de paz assinados com Israel, que dizia se sentir ameaçado pela mudança de regime.

Por outro lado, afirma, “Israel diz que é estável, mas a violência e a instabilidade são ferramentas usadas pelos norte-americanos no Oriente Médio, principalmente contra regimes que se opõem às estratégias estadunidenses.”

A questão palestina, independentemente da sua expressão por regimes árabes, é um marco para os povos do Oriente Médio, diz Ibrahim. Israel precisa entender que o mundo árabe em mudança irá, eventualmente, chegar a esta questão.

“As pessoas, no Egito, estão ocupadas agora com questões internas, mas o próximo governo será demandado por suas políticas externas. O povo não continuará silencioso sobre isto. ‘Qual é a sua abordagem para a economia, as questões sociais, as relações com Israel e o sofrimento do povo palestino?’”, pergunta o analista.

O Egito sempre foi um fator essencial na situação, e os acordos que assinou com Israel, na década de 1970, evidenciam a ênfase dada ao Egito pelos EUA, mediador entre eles e os israelenses, mesmo que os palestinos tivessem se manifestado profundamente frustrados e até traídos pelos irmãos árabes.

Entretanto, diz Ibrahim, “ninguém no mundo árabe pode escapar da questão palestina […] e talvez o momento atual seja propício para uma discussão profunda sobre isso, mas a questão não desaparecerá. Se o novo regime no Egito não lidar com essas grandes problemáticas, a turbulência social será mantida”.

Com agências,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho.