Decisão da UE que rotula Hezbolá de terrorista é insignificante

A União Europeia conseguiu, ou melhor, os Estados Unidos e Israel conseguiram. Apesar de a decisão da UE de designar o que chamou de “braço militar” do Hezbolá como uma organização terrorista poder não ser uma surpresa, foi certamente causa de hilaridade, ao menos no círculo pró-resistência.

Por Firas Choufi*

Hezbolá - AFP/Ramzi Haidar

A decisão da UE veio como forragem para piadas na mídia social pouco após o seu anúncio, enquanto membros da resistência, tanto nos “braços” políticos e militares, encontraram nisso um material rico para sarros.

Gozação à parte, porque incomodaria o Hezbolá ou seus líderes políticos e militares a inclusão do grupo na lista de terroristas da Europa? Acaso [Hassan] Nasrallah ou Mustafa Badreddine têm contas em bancos europeus, ou residências em Londres, Berlim ou Bruxelas? Por acaso o falecido Imad Mughniyeh tirou férias em Amsterdã após a captura de dois soldados israelenses [em Beirute] em julho de 2006?

Leia também:
União Europeia inclui ala militar do Hezbolá em lista terrorista
Estabilidade do Líbano depende do diálogo político nacional

Além disso, quem inventou o termo “braço militar”? Como pode a UE distinguir entre braços políticos ou militares do Hezbolá? Fontes da resistência dizem que isto não tem sentido, ponto final.

Enquanto isso, comparada à decisão dos Estados Unidos, a decisão europeia é insignificante. Os EUA, questionavelmente o país mais poderoso do mundo, designou o Hezbolá como um grupo terrorista por décadas, e ainda assim, nada mudou.

Até mesmo a Grã Bretanha, o país a que se atribui a invenção do termo “braço militar”, já listava o partido da resistência como uma organização terrorista, e como nos disseram, “isso nunca teve um impacto no trabalho da resistência”.

De acordo com fontes da resistência, “o Hezbolá não tem qualquer bem na Europa ou interesses com os quais viria a se preocupar. Ao contrário, é a Europa quem tem interesses aqui, e eles definitivamente estão preocupados com eles”.

“A UE submeteu-se à pressão estadunidense e israelense porque a Europa já não tem um papel real na região. Na Síria, a Europa sofreu muitas derrotas militares e políticas, e pudera Israel ter tomado a decisão de Israel como um sucesso para a sua política externa”, continuaram.

Durante as deliberações para a inclusão do Hezbolá na lista, nem todos os países europeus expressaram o mesmo nível de entusiasmo. Fontes da diplomacia em Beirute, em declarações ao portal Al-Akhbar, disseram: “esteve claro durante a reunião da UE que a Itália, a Noruega, a Suécia, Finlândia, República Tcheca e Irlanda opunham-se à decisão, em contraste com uma pressa firme britânica-germânica para aprovar a decisão, e um entusiasmo francês repentino”.

Mas aqueles que fizeram seus lares entre os carvalhos de Maroun al-Ras, em cavernas em Jabal Amal ou em túneis próximos à fronteira com a Palestina ocupada são indiferentes ao luxo encontrado nas ruas da Europa. “A decisão não entrará em vigor até que o Parlamento sueco a aprove, apesar do fato de que a Suécia tenha se curvado à pressão e anunciado sua aprovação preliminar da decisão, que será traduzida a medidas executivas apenas após o estudo de um comitê de especialistas”.

De acordo com fontes da Aliança 8 de Março [da qual o partido Hezbolá faz parte], “a decisão não terá influência na força e capacidades da resistência, desde armamentos até o movimento dos seus líderes para a captação de recursos. Nada mudará, na realidade”. E continuam:

A Europa não tinha que emitir tal decisão, antagonizando amplos seguimentos do público libanês, árabe e islâmico, e excluindo partidos influentes no Líbano e na região, como o Hezbolá. Por que tinham os europeus que insistir em se colocar em um caminho de confrontação com um grande número de pessoas que vêm o Hezbolá como um movimento de resistência honesto? Não entendemos os motivos europeus, e ninguém sabe que forma a confrontação que eles acenderam poderá tomar no futuro.
Outras fontes da Aliança 8 de Março disseram que a UE pode ter buscado alcançar dois objetivos através da decisão. O primeiro é político, e envolve “expandir a abrangência da ação tomada contra o Hezbolá, criando um clima internacional diplomático conducente à perseguição da resistência, da mesma forma que a Europa está tomando ações contra o regime sírio e o Exército”.
 

O segundo tem a ver com a segurança, onde os europeus agora alegarão aos seus cidadãos que “o terror que pode atingir a Europa não é trabalho apenas da Al-Qaeda, mas também do Hezbolá, com que se lidará no futuro da mesma forma com que se lida com o Hamas [partido palestino de resistência na Faixa de Gaza]”.

A mensagem da UE é: “Não há resistência no Líbano, mas sim um grupo terrorista, e subsequentemente, eles querem legitimar qualquer ataque contra o Hezbolá no futuro, seja por Israel ou por grupos terroristas”.

Fontes da Aliança 8 de Março também consideraram que a Europa pode estar buscando estender seu alcance no Líbano. Alega impedir o Hezbolá de controlar cartas importantes em qualquer barganha futura importante, como o petróleo e o gás no país. “O mundo e Israel estão subestimando a força da sua resistência e sua habilidade de lidar com desafios constantemente, então vamos esperar para ver”, disse a fonte.

Em um recente discurso, Nasrallah até tinha antecipado a decisão da UE, e disse: “Aquelas listas de terror de vocês […] encharquem-nas e bebam a sua água”, com a intenção de dizer que elas não valem sequer a tinta com que são escritas.

*Firas Choufi é um jornalista libanês que escreve para o portal Al-Akhbar

Fonte: Al-Akhbar
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho