Reino Unido manda imigrantes ilegais "irem para casa"

Campanha do governo é acusada de incitar ódio ao coagir pessoas em situação irregular com prisão caso não se voluntariem a ir embora.

Uma campanha do governo britânico tem causado polêmica e tensão política no Reino Unido. Na última semana, o Ministério do Interior contratou duas vans para circular em áreas com grande número de imigrantes em Londres, com outdoors alertando para que indivíduos em situação irregular deixassem o país voluntariamente ou enfrentassem o risco de prisão.

A mensagem usada na campanha foi duramente criticada pela sociedade civil por incitar o ódio e gerou divergência na coalizão entre os Conservadores, do primeiro-ministro David Cameron, e os Liberais Democratas, do vice-premier Nick Clegg. O texto nas vans e em panfletos diz: “Está no Reino Unido ilegalmente? Vá para casa ou enfrente a prisão”. Há ainda um número de SMS para conselho gratuito sobre como deixar o país.

A iniciativa, avalia Joanna Parkin, pesquisadora do Centro para Estudos de Política Europeia (CEPS), é condescendente com as correntes populistas lideradas pelos direitistas Liga de Defesa Inglesa (EDL, sigla em inglês) e o Partido Independente do Reino Unido (Ukip). “Infelizmente, legitima a retórica anti-imigrante que tende a ganhar força perto das eleições e em tempos de crise econômica", diz. "Além de levantar suspeitas sobre todos os estrangeiros, tornando-os alvos legítimos de desconfiança e hostilidade como se fossem criminosos.”

Críticos afirmam que a campanha está relacionada ao crescimento do Ukip nas eleições locais deste ano e das projeções de resultados significativos no pleito europeu de 2014. Os Conservadores, com isso, passaram a adotar temas mais a direita, como medidas anti-imigração. “Em última análise, os verdadeiros alvos desta campanha não são os imigrantes, mas os potenciais eleitores dos partidos de direita no Reino Unido. Neste sentido, a campanha representa uma estratégia bastante cínica e inquietante às custas das relações comunitárias”, afirma Parkin.

Apesar das críticas, o governo anunciou na segunda-feira 29 a intenção de estender a iniciativa para todo o país. A campanha tem o apoio de Cameron, mas Clegg a criticou duramente por destoar da “descente” tradição centrista da política britânica. O vice-premier diz ser difícil convencê-lo a estendê-la. "Não acho que tenha sido uma maneira muito inteligente de lidar com esse assunto.”

A iniciativa custou 10 mil libras (cerca de 30 mil reais) aos contribuintes britânicos. Em meio à polêmica, as vans saíram de circulação, embora os panfletos continuem sendo distribuídos. Mas a legalidade da ação, ressalta Parkin, precisa ser examinada levando em conta que Ato de Ordem Pública da Inglaterra, Escócia e País de Gales torna ofensa incitar o ódio contra um grupo de pessoas baseada no seu status de cidadania.

Outro a discordar da ação foi o secretário de Estado para Negócios, Vince Cable. Em entrevista no domingo 28, ele definiu a campanha como "estúpida e ofensiva".

Uma opinião semelhante à da ONG Hope not Hate, que trabalha pela tolerância e contra o racismo no Reino Unido. A entidade lançou uma contracampanha para levar aos britânicos a mensagem de que as comunidades precisam se unir contra o extremismo. Em seu site, a organização pede 5 mil libras em doações para a produção e distribuição de panfletos pelo país e também para iniciativas de mídias sociais com objetivo de unir as comunidades muçulmanas e não muçulmanas.

Em pouco mais de um dia, a entidade havia arrecadado 4 mil libras. “Essa resposta imediata dos nossos apoiadores demonstra o quão preocupados estão com esse tipo de manobra política. E isso mostra também que as pessoas querem ter outros tipos de discussões sobre o país em que vivem e a sociedade que querem criar”, diz Ruth Smeeth, vice-diretora da Hope not Hate.

A campanha, defende Smeeth, simboliza uma mudança para um “discurso político tóxico” devido às eleições europeias. “Não acreditamos que esse tipo de movimento do governo é bem recebido pela maioria das pessoas que vivem no Reino Unido. Além disso, convidar as pessoas a se autodeportarem não é uma política efetiva para o pequeno problema que a imigração ilegal representa.”

A ação do governo também foi denunciada ao órgão de controle publicitário britânico por um integrante do Partido Trabalhista. Segundo ele, a mensagem diz que 106 imigrantes ilegais teriam sido presos nas regiões visitadas pelas vans “na última semana”. Mas esse número estaria descontextualizado e seria de um período mais antigo que o reportado. “Esse tipo de campanha lembra os imigrantes de sua exclusão e marginalização. E arrisca atingir o oposto, empurrando os imigrantes ainda mais para as sombras”, afirma Parkin.

A campanha ainda tem um agravante, de acordo com a pesquisadora. Ela usa o lema “Go Home” (vá para casa), um termo historicamente utilizado por grupos nacionalistas para abuso racista dirigido às minorias étnicas britânicas a partir dos anos 70. “É particularmente desagradável esse slogan, além de altamente duvidoso que o governo ignorasse suas conotações quando o escolheu. Então, parece particularmente ofensivo e inflamatório.”

Fonte: CartaCapital