Carlos Lozano: Chegou a hora da unidade na Colômbia
Advogado, jornalista, politólogo, porta-voz da Marcha Patriótica, Carlos Lozano é uma das personalidades da esquerda colombiana mais respeitadas no país e um incansável lutador pela paz com justiça social.
Por Maylín Vidal*, na Prensa Latina
Publicado 05/08/2013 19:55

Nascido em Tolima, em 1948, nomeado Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra da França, em 2008, o diretor do Semanário Voz dedicou sua vida a lutar para que se erradique a desigualdade em seu país e haja oportunidades para todos.
Autor de uma dezena de livro, dentre os quais “Guerra ou paz na Colômbia? ou o mais recente “A paz sim é possível”, conversou com a Prensa Latina sobre as conversações entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP), sobre a situação atual no país e os desafios da esquerda colombiana.
Prensa Latina: O senhor está acompanhando de perto o processo de paz que transcorre em Havana entre o governo e a guerrilha, como avalia o alcançado até agora e quais são os objetivos de agora em diante?
Carlos Lozano: O alcançado é muito importante. Creio que o processo em geral vai bem. Em um conflito como o colombiano, de tantas décadas, o fato de que, a esta altura, o governo esteja sentado em uma mesa com a força insurgente, com a ajuda e colaboração de Cuba como garantidor, é um passo transcendental.
De concreto, penso que se avançou bastante, praticamente há um acordo parcial sobre o tema agrário, o primeiro ponto da agenda, com aspectos substanciais que transmitem confiança de que sim é possível avançar.
Quando estas conversações foram iniciadas, alguns inimigos da paz e os setores mais ultradireitistas do país diziam que seria impossível chegar a um acordo. O avançado no tema agrário prova o contrário e é significativo, mesmo que fiquem alguns pontos pendentes que tenham que ser retomados no final.
Agora ambas as partes iniciaram um debate sobre a participação política da oposição e as garantias para que na Colômbia se fortaleça a democracia e exista uma participação igualitária de todos os partidos e movimentos diante do tema político e eleitoral.
Será difícil, é um tema complexo. O problema da democracia é um dos aspectos que mais influem para que exista este conflito, por isso estimo que as conversas vão demorar bastante.
Há diferenças, por exemplo, no tema da aprovação dos acordos, se este se realiza mediante uma Assembleia Constituinte ou um referendo, mas creio que, com o esforço de ambas as partes, com a participação cidadã, é possível avançar e seguramente serão estabelecidos novos acordos. Creio que há mais elementos favoráveis para persistir, para continuar.
Acredita que será aberto o caminho para uma Constituinte, apesar das objeções do governo?
A proposta é válida. O governo faz mal em rechaçá-la porque então para quê estão sentados em uma mesa de diálogo. O governo tem todo direito de estar contra, mas não tem direito de expor a estabilidade da mesa rechaçando cada proposta que faz a outra parte.
Considero que a Assembleia Constituinte é uma proposta interessante que deve ser discutida.
Em primeiro lugar, porque no sexto ponto da agenda fala-se de mecanismos para referendar. Assim terá que referendar os acordos. Mas há alguns pontos que estão ficando pendentes e seguramente serão difíceis de resolver por problemas fundamentais de contradição entre as duas partes.
Então tem que ter uma instância nas quais essas contradições possam ser resolvidas e ambas as partes se comprometam a acatar a decisão a que se chegue. Parece que neste caso, pode ser útil uma Assembleia Nacional Constituinte ou um Congresso Nacional Constituinte ou qualquer outra forma, mas não um Referendo porque este mecanismo é muito pontual, trata-se de responder sim ou não a uma pergunta formulada.
Então como fazer para que estas chamadas linhas vermelhas das que fala o governo e que estão em um congelador possam ser resolvidas, sobretudo quando ambas as partes adotaram uma fórmula como “nada está acordado até que tudo esteja acordado”.
Como analisa a questão do marco jurídico para a paz?
O marco jurídico garante a participação política dos insurgentes nas eleições, mas há outro tema fundamental, quiçá o mais importante, as garantias para todos os partidos políticos que estamos submetidos à perseguição, marcação e penalização das lutas sociais.
É imprescindível definir o futuro destas forças insurgentes, porque não se assina um acordo de paz para enviá-las à prisão ou extraditá-las para os Estados Unidos como pretende o procurador, Alejandro Ordoñez.
Existe um tema crucial, a verdade, a justiça e a reparação das vítimas, sobre o qual tem que haver acordos e compromissos bilaterais. A guerrilha, como aceitaram, cometeram erros e está disposta a responder por eles, a dar cara às vítimas.
Mas o Estado colombiano foi o promotor do terrorismo de Estado, o paramilitarismo é uma criatura do Estado, o genocídio da União Patriótica foi executado por agentes do Estado e pela inteligência militar.
Todos estiveram envolvidos nos atentados e atos criminosos contra os sindicatos, contra os movimentos de esquerda, os falsos positivos. As desaparições forçadas, em sua grande maioria, são uma responsabilidade do paramilitarismo e disso não se fala nada.
O Estado colombiano historicamente é o principal vitimizador deste país e não uma vítima como nos querem apresentar.
Considera que a mobilização social pode influenciar para que o governo dê uma volta?
A mobilização social é definitiva, creio que a grande marcha de 9 de abril demonstrou que existe um contingente muito forte de colombianos que estão pela paz, que querem construir um caminho e estão de acordo para que se chegue a um ponto final em Havana sobre a base de uma paz estável e duradoura.
Foi realizado o fórum de participação política, cuja relatoria foi entregue ao governo e à guerrilha. Creio que este documento recorre em boa parte deste encontro substancial, no qual a grande maioria dos participantes se pronunciaram de maneira decisiva e definitiva por uma Assembleia Constituinte.
Há uma insistência para que o calendário eleitoral seja adiado. Como você vê isso?
É uma proposta e eu acho que vale a pena considerar. Todas as propostas devem ser consideradas. O tema das eleições é importante porque há muita pressa por parte do governo, o que estão chamando de ‘os tempos fatais’, e isso está afetando um pouco a mesa de diálogo.
A pressa é porque em novembro tem que definir a questão da reeleição. Também há períodos legislativos. O presidente do Senado disse que o Congresso é quem tem que definir todos os aspectos do marco jurídico, não sei se terá que ser assim.
Estou ciente de que existem aspectos legais, constitucionais, que, talvez impeçam o adiamento das eleições. Mas não considero mal que a mesa de diálogo possa funcionar simultaneamente com o processo eleitoral, não acho que afete nem as eleições, nem a mesa.
O processo de paz é uma questão política e é muito importante que os candidatos em campanha eleitoral se pronunciem para definir quem são os que estão pela paz ou pela guerra, que propostas têm como aspirantes a presidentes para continuar com um processo tão indispensável para o nosso país.
De qualquer forma não é uma fatalidade que haja uma campanha eleitoral, deve haver porque afinal é o que se impõe, porque existem regras e leis difíceis de violar.
Como avalia a convocatória do deputado Ivan Cepeda para uma aliança de esquerda, o que ele defende como indispensável e como um imperativo histórico para a fase de pós-conflito, para a construção e a consolidação da paz?
É necessária a unidade. A carta de Cepeda colocou o assunto em primeiro plano. Antes o Partido Comunista Colombiano havia defendido a necessidade de uma frente ampla de esquerda pela paz, pela unidade.
A esquerda tem que entender que chegou o momento da unidade, para além das diferenças. Embora existam algumas divergências entre nós, há coincidências substanciais como a necessidade da paz e a rejeição do modelo econômico neoliberal. Estes são elementos fundamentais que nos unem.
Temos que nos colocar no caminho que hoje predomina na América Latina, com governos se movendo de forma autônoma, soberana, contra a intervenção habitual e submissão ao imperialismo dos EUA, governos contra o modelo neoliberal de acumulação capitalista, que favorecem a inclusão social.
Somos forçados a deixar para trás as diferenças. O desafio hoje é: ou nos unimos ou nos devastam.
A Marcha Patriótica tem desempenhado um papel protagonista de liderança no processo de paz, a partir de duas mil organizações associadas. Um exemplo disso foi a grande marcha de 9 de abril. Qual o papel que este movimento poderá cumprir no futuro? Poderá se converter em um partido político?
A marcha é um movimento social e político, seu principal mérito são suas organizações sociais, lutas populares travada hoje no país, como a dos camponeses de Catatumbo no norte de Santander, mas também conta com partidos como o comunista e o Poder Cidadão.
O papel da marcha tem que se concentrar hoje na unidade, não pode ser excludente, e oxalá na consulta interna desta organização seja definida a participação eleitoral porque isso lhe permitiria desempenhar um papel protagonista nestes processos unitários, que não devem ser apenas para as eleições, mas para construir uma unidade, um novo país.
Nosso país tem muitos problemas sociais, estamos cheios de abismos e enormes diferenças, este é um dos poucos governos que segue apegado ao modelo neoliberal.
Apesar de a paz estar sendo promovida em Havana, aqui na nossa realidade cotidiana, o que vemos são medidas para fortalecer as transnacionais, os grupos econômicos poderosos, em detrimento do interesse social.
O futuro definirá se a Marcha Patriótica tem que se converter em um partido político ou não. Por hora, o essencial é que siga sendo um movimento, que entenda que em seu interior não se esgota a esquerda e que, fora dela, há outros setores como o Congresso dos Povos, o próprio Polo Democrático, setores indígenas.
Eu acho que a Marcha vai desempenhar um papel muito importante no futuro, e hoje tem um peso na vida política e social do país, e tenho certeza que se chegar a ser definida a questão eleitoral, terá uma presença significativa.
A Colômbia está passando por um momento complexo, com o aumento dos focos de insurgência social no país, especialmente na agricultura, saúde, educação, que até agora têm sido enfrentados apenas com paliativos. Aonde isso pode conduzir?
Se o governo persistir nesta política, vamos para uma convulsão social. Este é o resultado de acordos de livre comércio, que terminaram com a produção nacional no campo.
As medidas de alguma forma traçadas nos acordos em Havana sobre a questão agrícola buscam devolver a potência do campo, dinamizar a produção, restabelecer as Zonas de Reserva Camponesas, com enfoque na soberania alimentícia, para a exportação.
Mas o que se choca com os TLCs, com o acordo da Aliança do Pacífico, um acordo neoliberal da direita da América Latina que abre as portas ao país com produtos estrangeiros, o que liquida a nossa economia. Na medida em que isso persistir, vai existir a agitação social, será inevitável.
O mérito das negociações de paz é que ele está trazendo todos estes problemas para a superfície, em fóruns, em todas as instâncias em que há debates.
* é jornalista, correspondente da Prensa Latina na Colômbia
Tradução, da Redação do Vermelho,
Vanessa Silva