Uruguai: Lei regula acesso e proíbe publicidade da maconha

Há pouco mais de uma semana, a Câmara de Deputados do Uruguai aprovou a regulação da produção, da comercialização e do abastecimento pessoal da maconha no país. Após longas horas de discussão entre as três principais forças políticas do país – o Partido Nacional, o Partido Colorado e a Frente Ampla – o projeto foi aprovado e segue, agora, para o Senado.

Por Iuri Müller, no Sul21

Projeto pela regulação da maconha pelo Estado uruguaio pôde unir todos os setores da Frente Ampla | Foto: MPP/Divulgação

A lei, conforme o texto votado no último dia de julho, busca a redução do consumo e a diminuição da movimentação financeira e da violência intrínsecos ao narcotráfico.

Ainda que tenha maioria nas duas câmaras nacionais, a Frente Ampla – coalizão de esquerda que sustenta o governo do presidente José Mujica – teve no projeto de regulação da maconha uma das votações mais complicadas dos últimos tempos. A sessão mostrou, no entanto, o quanto a lealdade partidária interfere nas decisões políticas do país. Houve deputados da Frente Ampla que opinaram de forma contrária ao projeto, mas votaram a favor; da mesma maneira, representantes da oposição elogiaram diversos aspectos da medida, mas ainda assim votaram contra a legalização da marihuana.

Desde 1974, tempo em que o país ainda vivia sob a ditadura militar, a legislação uruguaia não criminalizava o consumo da maconha, mas sim a compra de qualquer quantidade da planta, bem como o autocultivo da mesma em residências. Com o novo projeto de lei, desde que aprovado também no Senado e sancionado pelo mandatário Mujica, todos os processos relacionados à maconha passam a ser regulados pelo Estado uruguaio.

A bancada da Frente Ampla, durante o debate sobre a legalização da planta, tratou a antiga lei como “paradoxal” – já que criava uma situação inviável para o usuário, que não poderia obter a maconha por meios lícitos, mas não era proibido de consumi-la. Com as modificações, ocorrerá a descriminalização também de outras etapas.

Conforme o quarto artigo das “disposições gerais” do projeto, “a presente lei tem por objetivo proteger os habitantes do país dos riscos que implica o vínculo com o comércio ilegal (…) mediante a intervenção do Estado”. Conforme a organização “Regulación Responsable”, agrupação de movimentos sociais e cidadãos uruguaios, o narcotráfico relacionado à maconha movimenta mais de trinta milhões de dólares por ano no país – cifra que poderia custear os órgãos e atividades criadas a partir da regulação da cannabis.

O acesso dos habitantes de todo o país – qualquer cidadão residente em solo uruguaio, seja ele nativo ou não – ao produto poderá ocorrer de quatro maneiras distintas: através do auto-cultivo nas residências, com um máximo de seis plantas por pessoa; da compra em lugares autorizados pelo governo, como farmácias (até quarenta gramas por mês); da autorização medicinal para utilizar a maconha no tratamento de enfermidades; e, por fim, através dos chamados “clubes de cannabis”, que reúnem usuários interessados na produção e cultivo de forma coletiva.

Desde que aprovado o projeto, será criado também o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA), vinculado a ministérios do governo federal, como o da Agricultura e o da Saúde Pública, e que atuaria ao lado da Junta Nacional de Drogas do país. A oposição argumentou, durante a sessão na Câmara de Deputados, que o instituto nasceria sem os recursos e a estrutura necessários para operar todas as suas atribuições.

Há pelo menos duas proibições definidas no projeto. A primeira delas estabelece o acesso à maconha apenas para maiores de dezoito anos, além da penalização para os usuários que dirigirem sob efeito da planta – como já ocorre no que diz respeito ao álcool no Uruguai. Por outro lado, também se proíbe qualquer espécie de publicidade dirigida à maconha. “É proibida toda forma de publicidade, direta ou indireta, promoção, apoio ou patrocínio dos produtos de cannabis psicoativa por qualquer meio de comunicação”, esclarece o texto.

A aprovação da lei tornaria o Uruguai o primeiro país do mundo a controlar todo o processo de cultivo e venda da marihuana no mundo. Cobrado pela oposição e por alguns deputados da própria base quanto ao apoio da sociedade ao projeto, o presidente José Mujica não descartou voltar atrás caso os primeiros resultados da legalização não agradem. Em entrevista, o ex-tupamaro qualificou a lei de regulação como “um experimento”, que conta inevitavelmente “com os seus riscos”.

Enquanto aguarda a tramitação de projetos como este, que marcaram continentalmente a gestão de Mujica, a Frente Ampla trata de pensar o pleito presidencial de outubro de 2014. Na noite desta quarta-feira (7), representantes das três maiores organizações políticas da coalizão – o Partido Socialista, o Movimento de Participação Popular (MPP) e a Frente Liber Seregni – anunciaram o nome de Tabaré Vázquez, presidente entre 2005 e 2010, para representar outra vez a Frente Ampla na disputa. Ainda assim, outras correntes podem indicar candidatos para a disputa interna.