Jandira Feghali: O avião da CPI 

Há 79 anos, o mundo via a criação do australiano David Warren revolucionar a indústria da informação, em paralelo à modernização da indústria da aviação civil. Uma pequenina caixa contendo mecanismos capazes de interceptar conversas entre os pilotos trouxe à tona detalhes de desastres aéreos antes praticamente impossíveis de compreender. O avião caía, mas por que caía?

Por Jandira Feghali*

Sabe-se que caixa-preta é o nome usado até hoje para designar esta engenharia. Serve, contudo, numa infinidade de referências. É da figura de linguagem, no dicionário, que aponta para “situações onde se pode esperar surpresas” ao seu sentido real e técnico: aparelho resistente a elevadas temperaturas e pressões em profundidade. Não seria mais apropriado para explicar o atual cenário da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores do Rio.

Nos últimos dois meses, as mobilizações sociais explodiram nas cidades, inclusive na capital carioca, sob a justa questão da mobilidade urbana e seus graves e históricos problemas estruturais. Enquanto o povo se espreme em ônibus caindo aos pedaços, os ricos transitam no conforto de seus carros pelas metrópoles. Não haveria injustiça nessa comparação se o transporte público carioca tivesse a fiscalização devida e rigorosa que compete ao setor. Fiscalização rima com rigor do Estado, que rima com serviço de qualidade.

É mais grave ainda quando a CPI da Câmara Municipal surge presidida por quatro parlamentares que não assinaram o pedido de investigação e são ligados às votações em 2010 de redução da alíquota de ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) para as empresas de ônibus. De acordo com cálculos da Prefeitura, esse agrado fez com que os cofres municipais deixassem de arrecadar R$33 milhões até hoje. Não seria menos desastroso quando o debate que surge é exatamente este: quem deve financiar a recente redução de R$ 0,20 promovida incisivamente pela voz das ruas? Obviamente que não é a população e nem os recursos municipais.

A ocupação promovida pela juventude na Câmara dos Vereadores, sem corpo social e político, vai nessa direção e muitas outras, demonstrando o poder questionador da massa que reage ao que é apresentado pelo poder instituído. E a sociedade deve abraçar esta causa e apoiar todos aqueles que desejam romper a caixa-preta dos transportes do Rio. Deve-se dar transparência àquele setor que caminhou durante décadas ao largo da clareza fiscal e seus deveres com a população.

E mais, deve-se respeitar a autonomia da Casa, embora a solução para a crise sobre o quadro de comando da CPI é redirecionar sua presidência àqueles que requeriram sua instalação. E ir além: é respeitar a reação da população, maior mandatária.

O que fez ou faz a Fetranspor (Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio) desde as reivindicações da sociedade? E antes disso? Por que o lucro maciço das empresas de ônibus não retorna em qualidade do serviço à população? Simples perguntas desta natureza deverão ser feitas na Câmara, a ponto de romper com determinação – e sem acenos teatrais – a caixa-preta dos transportes da cidade. Como pensou Warren na década de 30, o avião que levanta voo não pode estar fadado a cair por terra sem revelar suas verdades. A CPI também não.

*Deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara