Jaime Sautchuk: Medicina e Comércio

A chegada da primeira leva de 400 médicos cubanos trazidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a pedido do Brasil, reacendeu o debate sobre a prática da Medicina em nosso País. Escancara uma vez mais o caráter elitista, de matiz mercantilista, do atendimento que essa categoria profissional presta em solo verde-amarelo.

Por Jaime Sautchuk*

Entidades que dizem representá-la, como a Associação Médica Brasileira (AMB), ameaçaram levar adiante ações judiciais contra o programa Mais Médicos, do governo federal. A decisão de chamar médicos estrangeiros foi tomada, porém, em função de as vagas abertas pelo programa não terem atraído a contento doutores que aqui já atuam no setor, apesar de ampla convocação pública.

Isso significa dizer que, na prática, além de defenderem um sistema defeituoso, esses porta-vozes advogam uma injustificável reserva de mercado, o que, por sorte, não tem apoio de toda a categoria. Para essa gente, o caráter social, humanista da Medicina foi pro beleléu faz muito tempo. Além de que os cubanos estão indo para locais aonde ninguém quer ir. Não há competição, portanto.

Os argumentos usados contra o programa governamental são os mais descabidos possíveis. Colocam em dúvida, por exemplo, o acordo assinado pelos dois países, com a triangulação da Opas, e a própria capacitação profissional dos médicos para aqui transferidos. Mas o Ministério da Saúde brasileiro rebateu prontamente.

Desde logo, demonstrou que o ajuste entre as partes segue as normas internacionais, aplicadas em todos os quadrantes do planeta. Inclusive no aspecto que diz respeito à forma de remuneração desses profissionais, já que os valores das bolsas-salários serão pagos pelo Brasil ao governo cubano, que os remunera normalmente. Moradia, transporte e alimentação serão por conta da prefeitura de cada localidade.

Quanto à formação profissional, todos são graduados em Medicina da Família, muitos com pós-graduação em áreas específicas, e têm mais de dez anos de exercício da profissão. De quebra, a maioria deles tem experiência internacional, inclusive em países de língua portuguesa, como Angola e Moçambique, na África.

Isso, sem falar que eles advêm de um país onde vigora um sistema de saúde que serve de exemplo ao mundo. Quem diz é a Organização Mundial de Saúde (OMS), que divulgou há pouco novos dados sobre a situação global da saúde pública, país por país, e coloca Cuba no topo do mundo. O Brasil segue lá embaixo na lista, ainda.

Os contratos feitos com os cubanos e outros médicos estrangeiros atraídos por esse programa terão duração inicial de três anos. Uma possível prorrogação dependerá da formação de novos profissionais pelas instituições de ensino brasileiras. A previsão é de que em três anos seja duplicado o número de faculdades de medicina no País.

Os currículos dos cursos também sofrerão mudanças, para reforçar a formação generalista dos futuros médicos. A ideia é quebrar a especialização prematura, que boa parte dos estudantes busca, escolhendo a área específica de acordo com o mercado. Ou seja, aquelas especialidades que a rede privada remunera melhor.

Além disso, como parte do curso, todo estudante de Medicina terá de cumprir estágio de dois anos em localidades que serão apontadas pelo governo. A presença dos médicos cubanos, que deverão somar 4.000 até 2015, terá reflexos na formação dessa nova geração, pois repassará uma visão do atendimento de saúde voltado para a família e a comunidade. E nada mercantilista.

Longe de representar qualquer tipo de problema, portanto, a chegada desse primeiro grupo de cubanos é motivo de muita esperança.

*Trabalhou nos principais órgãos da imprensa brasileira e na imprensa de resistência (Opinião e Movimento). Também atuou na BBC de Londres.