Portugueses na China, uma história de 500 anos

Em 1513 Jorge Álvares chega à China. Pelo que se conta, foi o primeiro europeu a pisar em solo chinês. Viagem de sondagens. 500 anos depois, precisamente no dia 2 de setembro de 2013, encontramos em Pequim, na capital chinesa, um grupo de mais de 30 portugueses que acabara de chegar à China com o objetivo sublime de (re)visitar uma parte de sua história.

Por José Medeiros da Silva e Silvia Jing, na Rádio Internacional da China

A programação do grupo é extensa. Uns 13 dias, em diversos lugares, como Pequim e Macau. O grupo é ligado ao Centro Nacional de Cultura (CNC) de Portugal, uma instituição-chave na defesa do patrimônio cultural português. Como guia, um dos principais conhecedores das relações sino-ocidentais, o historiador, tradutor e sinólogo António Graça de Abreu. E claro, acompanhando o grupo, o presidente do CNC, o entusiasta catedrático Guilherme D'Oliveira Martins, com amplo currículo na vida pública do seu país.

E claro que entre 1513 e 2013 temos muitas marcas desses contatos. Marcas vivas, como as que podem ser sentidas no antigo Observatório Astronômico de Pequim, local do nosso encontro com o grupo. Relembre-se que 1774, o padre português Félix da Rocha foi nomeado como diretor do referido Observatório.

Nessa dança do tempo ali estávamos para participar de um Workshop sobre o padre português Tómas Pereira (1645 – 1708), grande exemplo da capacidade de construir amizades entre povos tão diversos. No evento, primeiro vieram as palavras de boas vindas, proferidas pelo professor Zhu Jin, diretor do Planetário de Pequim, e pelo embaixador de Portugal na China, o Dr. Jorge Torres Pereira, que enfatizaram a relevância do encontro. Depois o momento dos palestrantes.

Primeiro, o catedrático Guilherme D'Oliveira Martins, presidente do CNC, falou sobre o exemplo do observatório de Pequim. Ele olha para esses sinais de passagens não de forma nostálgica, mas como "um notável e premonitório exemplo de cooperação cultural e científica, que hoje merece ser recordado como sinal de futuro".

Depois, foi a vez do professor e pesquisador chinês Jin Guoping – aliás, o professor tem entre suas contribuições para esse diálogo intercultural, a tradução para o chinês do livro Mensagem, de Fernando Pessoa. Ele falou sobre o Padre Tómas Pereira, usando relatos de coreanos que visitaram Pequim. Como bem destacou, isso foi possível porque na época os coreanos usaram nos seus registros o chinês clássico.

Em sua intervenção, o professor Guoping destacou três atributos principais que marcaram a atividade de Tómas Pereira na China: o trabalho como missionário, como músico e diplomata. Na lápide tumular do padre, um edito do imperador Kangxi mostra o quanto ele foi admirado pela sua atuação no império celestial: "Eu, considerando que Tómas Pereira, com lealdade, veio de longe e me prestou serviços durante muitos anos (…)É um companheiro exímio, com completa dedicação às responsabilidades que lhe são confiadas. Leal desde o início até ao fim, é um homem muito cândido e modesto por natureza. Disponível a todo o tempo e sempre leal a mais não puder. Eu aprecio-o de há muito tempo".

Para finalizar gostaríamos de dizer que o Observatório Astronômico de Pequim continua ali, com uma paz de quem marca o tempo não somente como um passar, mas como uma continuidade. Cercado de modernidade por todos os lados, mas bem preservado pelo governo chinês, o espaço nos instiga a apreciá-lo com um olhar de astrônomo, não mais de céus, mas de um legado de distintas civilizações que se encontraram e abriram as desafiantes portas de se conhecerem. Um legado que precisa ser continuado, para "sermos dignos do que fomos", como sabiamente enfatizou o Embaixador de Portugal em Pequim, Jorge Torres-Pereira, na abertura do evento.

Pela atitude do grupo que saiu de Portugal para esta visita especial à China; pela recepção dos Chineses e pela grandeza do evento, saímos de lá com a certeza de que a amizade entre o povo chinês e português está enraizada em dobras de tempo profundas. Nós, pela Radio Internacional da China, podemos testemunhar esse momento histórico.

Em uma obra clássica da língua portuguesa, Grande Sertão: Veredas, o brasileiro Guimarães Rosa escrevia que "o Sertão está em toda parte". Pela escassez de água, as plantas desse bioma são geralmente baixas, porém têm raízes profundas que as defendem de grandes estiagens. Nesse encontro no antigo Observatório Astronômico de Pequim, sentimos ainda mais quão profundas são as raízes lusíadas. Portugal é como os Sertões.