Chega de Fiu Fiu: 98% das mulheres já foram assediadas na rua

Ninguém deveria ter medo de caminhar pelas ruas simplesmente porque nasceu mulher. Mas infelizmente isso é algo que acontece todos os dias. E é um problema invisível. Pouco se discute e quase nada se sabe sobre o tamanho e a natureza do problema. Para tentar entender melhor o assédio sexual em locais públicos, a jornalista Juliana de Faria, a partir de sua página ThinkOlga, colocou no ar, em agosto, uma pesquisa elaborada pela jornalista Karin Hueck, como parte da campanha Chega de Fiu Fiu.

Contamos com 7762 participantes e 99,6% delas afirmaram que já foram assediadas – um número tão alto que já dá a ideia da gravidade do problema. Quando perguntadas onde recebeu cantadas (era possível selecionar mais de uma opção), a maioria delas (98%) respondeu na rua; 80% em lugares públicos como parques, shoppings e cinemas; 77% na balada; 64% no transporte público; 33% no trabalho. Conheça a íntegra da pesquisa aqui.

Para detalhar a gravidade do machismo, foram disponibilizados alguns dos depoimentos concedidos para o levantamento. Na campanha Chega de Fiu Fiu, mulheres e homens são convidados ao debate sobre assédio sexual nas ruas. Se quiser contribuir com sua história, escreva para [email protected]. Abaixo alguns exemplos do que ocorre quando uma mulher anda pelas ruas:

“Eu tinha 10/11 anos e vestia uma blusinha branca de malha do tipo baby look, nada de especial: nem muito larga, nem justa (quanto menos provocante!). Meus seios estavam começando a crescer, mas eu ainda não usava sutiã. Foi quando um taxista já bem mais velho disse que eu tinha uns “limõezinhos” lindos. Quis chorar, bater naquele pedófilo asqueroso, sumir do mundo… Senti como se eu tivesse provocado usando uma roupa inconveniente e mudei muito minha maneira de vestir. “
Carolina C.

“Hoje tenho 17 anos, mas tudo aconteceu quando eu tinha 15. Nunca fui de frequentar baladas e festas do tipo, mas fui com umas amigas por pura insistência. Ao atravessar a pista lotada, eu e minhas amigas estávamos andando em fila, de mãos dadas, e eu estava por último. No meio da escuridão e da confusão da festa, um grupo de meninos me cercaram e passaram a mão na minha bunda, na minha vagina e, não sei como, abriram meu sutiã e apalparam meus seios. Fiquei desesperada e, quando consegui me soltar, corri ao encontro das minhas amigas e chorei como nunca, em desespero. Ninguém que tenha visto a situação tentou me ajudar, ao contrário, ouvi risadas e xingamentos. Depois do acontecido, fiquei relembrando a situação por semanas e nunca mais fui em nenhuma balada e festas do tipo. Me sinto humilhada até hoje, e consigo lembrar com clareza do sentimento de inferioridade que me invadiu na hora.”
Débora B.

“A minha é essa: num dia de chuva torrencial em São Paulo, o trânsito ficou impossível, como sempre. O corredor de ônibus da Av. Rebouças parou e todos os passageiros desciam dos ônibus para ir a pé. Eu estava toda molhada por causa da chuva, quando passaram por mim uns caras dizendo “Tá molhadinha? Vem cá que te esquento”. Eu não respondi e continuei andando.”
Alice F.

“Durante um carnaval na praia eu e minhas amigas estávamos andando em um lugar muito cheio tentando chegar em uma barraquinha. Um homem chegou em mim, me cantando e me segurando. Eu falei que não queria e tentei sair andando atrás de minhas amigas que continuaram seguindo e não olharam para trás. Eu tentei fugir e ele me segurando e eu falando que não queria ficar com ele. Ele me agarrou e me beijou.”
Paula P.

“Acabo de voltar de uma simples ida ao mercado, num sábado de sol, numa avenida movimentada. E qual não é a minha surpresa (não, realmente não é surpresa) ao ser rodeada por dois homens que tranquilamente ao longo do percurso que fazíamos na mesma calçada, falam todo tipo de gracinhas e obscenidades pra mim. Perfeitamente normal para todos ao redor inclusive que notaram, o meu olhar constrangido, a minha cabeça baixa e o meu passo cada vez mais acelerado. Eles se aproximavam cada vez mais e quanto mais eu acelerava o passo mais eles aceleravam também. Quando pude, desviei bruscamente do caminho, não com medo, com muita raiva. Pra ter que ouvir muito mais sacanagem e muito mais alto. Tudo normal, como um sábado qualquer de sol numa avenida movimentada. Resolvi desabafar aqui pois pra qualquer pessoa que eu disser, até mesmo a minha mãe ou alguns amigos mais próximos (não por maldade, por ignorância mesmo, por costume, sei lá) vão me perguntar: “Ah, mas você tava com roupa decotada?” Não, não estava, num dia de calor eu evito sair com roupas decotadas pra não ter que passar por isso. Foda-se, e seu eu tivesse? Bom, comecei a pensar, e ainda tô pensando e ainda tô com muita raiva de isso ser normal. E esse tipo de atitude gera um mal que não é só momentâneo, é gradativo e crescente, pois antes eu lidava com mais calma, mais serenidade talvez. Mas hoje isso afeta o meu equilíbrio. Tenho cada vez mais raiva. Isso reascende velhos fantasmas. E além disso, percebi outra coisa: Não uso mais brincos faz um tempão. Parece um detalhe bobo né? Descobri ontem ao perceber que um dos furos da minha orelha estava fechando. Também não tenho me maquiado muito. Não sou um avião, um mulherão, nunca fui, mas inconscientemente estava buscando ser cada vez menos atraente para evitar esse tipo de situação ao qual estamos todos acostumadas. Não quero parecer dramática, sei que pode ser mais leve, e por isso mesmo quis desabafar, pra transformar esse desconforto em energia, em ação, em mudança. Por onde eu começo? Não quero deixar de ser mulher, feminina, de ver minha força estampada no espelho, pra me fazer invisível e evitar problemas.”
Nadja F.

“Trabalho do lado de uma obra e normalmente vou almoçar sozinha. O bairro onde eu trabalho normalmente é tranquilo de andar. Mas esse prédio em construção transformou meu horário de almoço em um tormento. Toda vez que passo na frente, pq é caminho pro restaurante tenho que escutar milhares de ofensas dessas pessoas. Em um dia eu estava mais nervosa que o normal e mostrei o dedo e mandei um dos pedreiros ir se fuder. Agora como se não bastasse, toda vez que ele me vê, vem pedir desculpas, num tom irônico. Já não sei mais que faço, só quero que essa obra acabe para eu poder ter paz!”
Aline B.

“Estava no Bairro de Sta. Cecilia (São Paulo), por volta das 19h30, conversando com um amigo, aguardando o farol de pedestres abrir, vinha vindo um homem, de meia idade, ele se posicionou entre eu e meu amigo cortando nossa conversa, então olhei para ele e sorri com certa ironia. Aí, ele deu um tapa na minha bunda e saiu andando. Na hora consegui dar uma guarda-chuvada, mas não foi tão forte quanto eu gostaria. Ele continuou andando e rindo, gritei “escroto”. Ele falou umas coisas que não entendi, acho que estava bêbado. Morri de raiva até agora. É humilhante. Na hora me senti um lixo, depois veio a raiva. Já costumo andar com cara brava e os olhos voltados para o chão para evitar contatos visuais, o que é um saco. Depois do caso, continuei o caminho ao metrô com ainda mais medo de olhar em volta. É triste. Felizmente meu amigo não reagiu com o gênero ‘machão’, ‘eu vou te salvar’, porque não é isso que a gente precisa, ele ficou sem reação também.”
Andrea C.

“Um dia estava andando na rua para encontrar um amigo, no meio da tarde, no Butantã, quando um homem que andava atrás de mim começou a gemer. Morri de medo, pensei que ele iria me abusar sexualmente. Corri e encontrei meu amigo aos prantos. O homem tinha sumido, não me atentei para onde foi, queria fugir daquela situação horrível. Além desta outras situações me incomodam enormemente, como quando homens passar e falam absurdos como: ‘que bucetão!’, ‘bundona, ‘delícia huuummm’. As buzinas também me incomodam, pior do que se dirigir à uma mulher com um comentário que invade sua privacidade, seu espaço e sua paz, é fazer dessa invasão uma alusão à imagem de que mulher tem interesse pelos bens dos homens. Como se uma buzina faria ela se arrastar aos seus pés. Digo e repito: seu elogio é um insulto, uma agressão e um desrespeito.”
Jucileide F.

Fonte: ThinkOlga