Aos 90 anos, morre o premiado poeta colombiano Álvaro Mutis

“Penso às vezes que chegou a hora de calar./ Deixar de lado as palavras, /as pobres palavras usadas”.

Assim começa o último poema publicado de um dos maiores escritores latino-americanos, o colombiano Álvaro Mutis, que neste domingo (22), calou-se aos 90 anos, vítima de “uma longa doença”, como definiu a família.

Por Vanessa Silva, do Portal Vermelho

Álvaro Mutis morreu na Cidade do México no domingo (22) às 18h20 (Horário de Brasília)/ Foto: El Tiempo

O poeta, romancista e ensaísta vivia na Cidade do México há quase seis décadas. Em sua homenagem, o Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, seu conterrâneo e um dos seus melhores amigos, escreveu em no twitter uma única palavra: “Mutis”.

“A poesia não pode morrer nunca; acabará o mundo, morrerá o último homem e seguirá existindo”.
 

Em 1959, três anos após sua chegada ao México, passou um ano e três meses encarcerado, acusado de fraude pela multinacional estadunidense Standard Oil Co., onde trabalhava como relações públicas. Nas palavras do escritor, foi “uma lição que nunca esquecerei nas mais intensas e profundas camadas de dor e fracasso”. Da experiência, nasceu seu primeiro romance: Diário de Lecumberri, publicado no mesmo ano.

Em 1986 publicou o primeiro volume das aventuras de Maqroll, com o qual ganhou a grande popularidade de que gozou dentro e fora da Colômbia. Empresas e atribulações de Maqroll o Gaviero (tadução livre), é um conjunto de sete romances sobre um fuzileiro naval equivocado e quixotesco, considerado pela crítica como um dos personagens de ficção mais marcantes das últimas décadas.

“O homem é uma espécie que falhou como espécie, um ser dedicado a destruir o meio em que vive”.

Entre outros trabalhos, foi locutor, executivo de cinema, ator de rádio, colunista e dirigiu uma empresa de publicidade. Após sua aposentadoria, passou a dedicar-se à leitura e poesia. Junto com García Marquez, é considerado um dos mais importantes escritores latino-americanos de sua época. Ganhou diversos prêmios, entre eles o Médicis Étranger (em 1989), o Príncipe de Astúrias das Letras (1997), o Rainha Sofía de Poesia Ibero-americana (1997) e o Cervantes (2001).

Entre as obras de Mutis, destacam-se Los elementos del desastre (1953), Memoria de los hospitales de ultramar (1959), La mansión de Araucaíma (1973), La última escala del Tramp Steamer (1989), La muerte del estratega (1990), Summa de Maqroll el Gaviero (1973), e Tríptico de mar y tierra (1993). Títulos lançados no Brasil: A Neve do Almirante (1990), Ilona Chega com a Chuva (1990) e Poesias – Alvaro Mutis (coletânea), (2000).

“Que te acolha a morte com todos os teus sonhos intactos”.
 

Homenagens:

"Os milhões de amigos e admiradores de Álvaro Mutis lamentamos profundamente sua morte. A Colômbia inteira lhe presta honras", escreveu, no twitter o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos.

O escritor, jornalista e crítico literário colombiano, Oscar Collazos, escreveu no microblog: "que estranha coincidência: recebi a notícia (da morte) quando pegava um de seus livros em minha biblioteca". E completou em outro tweet: "Muitos fomos seus amigos por tê-lo lido e admirado. Poucas vezes que nos encontramos, mas sempre o senti amigo".

“Qualquer relação, sobretudo no começo, está cheia de estranhezas. Com os livros é igual que com as mulheres e com os amigos: há que ter paciência para chegar a entendê-los e a querê-los. Nenhuma relação é fácil a princípio”.
 

O jornalista colombiano Felix de Bedout comentou que “os grandes criadores não morrem totalmente, sua obra segue batalhando pela imortalidade. Paz na tumba de Álvaro Mutis”.

"Mutis aos 23 anos, antes de Neruda, descobriu a América; viu nossa natureza azarenta ainda nos dias do gênese, e a vida permitiu que visse até o apocalipse". A declaração foi dada pelo poeta, escritor e novelista colombiano, William Ospina, em homenagem feita por ocasião de seu 90º aniversário em fevereiro deste ano.

Último poema

Penso às vezes que chegou a hora de calar.
Deixar de lado as palavras,
as pobres palavras usadas
até suas últimas cordas,
maltratadas uma e outra vez
até ter perdido
o mais leve signo
de sua original intenção.

(…)

Penso às vezes que chegou a hora de calar,
mas o silêncio seria então
um prêmio desmedido,
uma graça inefável
que não creio ter ganhado ainda.

*Versos e poema traduzidos livremente por Vanessa Silva