Fausto Sorini: Reflexões depois das eleições na Alemanha
O resultado numérico e político é claro. A CDU-CSU da senhora Merkel vence as eleições na Alemanha com 41,5% (+7,7%). Conquista 311 cadeiras e chega perto da maioria absoluta (316). É seu melhor resultado nos últimos 23 anos.
Por Fausto Sorini*
Publicado 23/09/2013 17:41
Veremos nos próximos dias se será formado um governo monocolor, que buscará eventualmente no Parlamento os quatro votos que faltam para prevalecer; ou se haverá uma aliança com os Verdes (que se tornou na Alemanha um partido sempre posicionado ao centro); ou se se inclinará para a Grande coalizão, como na legislatura 2005-2009, mas com um SPD (social-democrata) hoje em posições claramente mais débeis e subalternas do que no passado.
Dadas as posições e colocações estratégicas do SPD e dos Verdes, a hipótese de uma maioria de governo desses partidos com a Linke (Esquerda), que teoricamente seria possível, existe apenas nas ilusões dos que não querem ter em conta o atual posicionamento estratégico da grande maioria da social-democracia europeia , do SPD ao PD (Partido Democrático da Itália), passando pelo PS francês e o péssimo Hollande. A menos que ocorresse uma radical capitulação da Linke, que nem sequer é desejada pelos seus setores mais moderados.
Os aliados de centro direita do governo de Angela Merkel, os liberais da FDP (liberais-democratas), obtiveram 4,8% dos votos, caíram (-9,8%) em comparação com as eleições passadas, não superam a cláusula de barreira (antidemocrática) de 5% e não entraram no Parlamento.
O novo partido (Alternativa para a Alemanha) que pede a saída do Euro e o retorno ao Marco alemão, obteve 4,7%, um resultado de qualquer maneira significativo, sendo um partido que se apresentava pela primeira vez no cenário político. Mas não ultrapassa a barreira de 5% e não entra no Parlamento.
O sucesso da senhora Merkel reforçará a hegemonia da sua linha de “austeridade antissocial” e de “rigor financeiro” de sentido único na política econômica da União Europeia (UE); e isto terá repercussões negativas sobre a política econômica dos países da UE que mais estão em crise, como Portugal, Itália, Grécia, Espanha (os chamados Pigs)
Mais complexa e articulada deverá ser a análise da evolução da política externa. Embora sempre atlantista, a Alemanha – há diversos anos – tem-se diferenciado de outros países chaves da Otan na Europa (Reino Unido, França, Itália) e dos Estados Unidos, por uma política menos agressiva no plano militar, como por exemplo no caso da guerra à Líbia e da guerra à Síria, acontecimentos bélicos nos quais a Alemanha teve baixo perfil, provavelmente para não comprometer suas relações econômicas com a Rússia e a China, que vão bem e estão crescendo (apesar de que isso não agrade aos Estados Unidos).
Os Verdes obtiveram 8,4% (-2,3%) e 63 cadeiras (-5). Pagam por seu baixo perfil, a sua moderação e provavelmente uma posição de substancial respaldo às tentações bélicas contra a Síria.
Esvazia-se o Partido Pirata (2,2%), ao passo que os neonazistas da NPD recolhem um resultado preocupante (1,3%).
O SPD, depois da queda que havia sofrido com a política da Grande coalizão, obtém 25,7% (192 cadeiras) e recupera-se com um modesto crescimento de 2,7% (+ 46 cadeiras), com uma política que não tem grandes diferenciações da de Merkel. Ambos estão substancialmente alinhados em torno dos interesses do capitalismo alemão na competição econômica internacional, com amplas margens de consenso interno nas camadas médias-altas mas também em amplos setores populares e de trabalhadores.
Em nenhum momento da campanha eleitoral o SPD soube (nem quis) realmente diferenciar-se da proposta de Merkel, nem na política interna (não se deve esquecer que a deflação salarial alemã e a precarização em massa das relações de trabalho na Alemanha tem a assinatura do chanceler social-democrata Schröder), nem no plano da política europeia (UE).
Como em anos passados, e como já confirmado também pelos casos francês e italiano, a social-democracia europeia se predispõe a administrar a crise do capitalismo, pondo-se na retaguarda de uma direita perigosa que tem responsabilidades gravíssimas pela situação na Europa. E como quase sempre ocorre nesses casos, o original parece mais credível e convincente do que sua desbotada cópia.
O SPD se recupera em prejuízo da Linke, que obtém um notável 8,6%, apesar de inferior (-3,3%) em comparação com os 11,9% de 2009, quando atingiu seu máximo nível histórico beneficiando-se do maior espaço político aberto à esquerda com o ingresso do SPD na Grande coalizão.
A Linke obtém apesar de tudo um bom – 64 cadeiras no Parlamento (-12 em comparação com a legislatura anterior) – se considerarmos que as pesquisas do último ano e uma difusa propaganda hostil da parte da mídia indicavam uma preocupante e mais consistente flexão.
Este resultado premia a sua firme oposição tanto às políticas antissociais do governo CDU/FDP, quanto à política europeia do governo Merkel (que sempre obteve o voto no Parlamento do SPD e dos Verdes), baseada no ditame sobre os países em crise e inclinada a exportar a toda a Europa a deflação salarial alemã ; premia, enfim, suas posições sobre as últimas guerras e à tentativa de agressão à Síria nos últimos meses.
Não obstante a diversidade histórico-política dos contextos e uma série de diferenças estratégicas e ideológicas que distinguem nosso projeto de reconstrução autônoma de um partido comunista vis a vis o da Linke (hoje ponta de lança do Partido da Esquerda Europeia), seria um erro sectário subestimar o fato de que no mais importante país da UE, em uma das maiores potências imperialistas do mundo, confirma-se a existência não testemunhal de um espaço político progressista, em que a prevalência de orientações social-democratas convive com alguns componentes comunistas e outros mais marcadamente antissistema; ou seja, a existência de uma esquerda crítica ao capitalismo, fortemente adversa ao neoliberalismo, que se opõe à guerra…
É necessário apreciar o fato de que no coração do imperialismo alemão e europeu, com amplas camadas de trabalhadores que têm as melhores condições na zona do Euro, existe um partido de esquerda alternativo seja à direita, seja ao SPD e aos Verdes e obtém este resultado.
Com justiça se escreveu que “somente os números não representam com clareza este fato: enquanto se produzem (na verdade existem há um século) novos fenômenos de aristocracia operária alimentada pelo chauvinismo monetário de Merkel, uma parte consistente do eleitorado não se deixa encantar e contribuir com uma oposição de esquerda”, como ocorre em muitos outros países da UE, onde alcança em torno de 10%, com perspectivas ainda mais elevadas na Grécia, em Portugal, no Chipre…
Portanto, as nossas congratulações aos companheiros e companheiras da Linke e os votos fraternos dos comunistas italianos por este resultado e pelas batalhas que os aguardam, na perspectiva comum da construção de novos e mais avançados equilíbrios em níveis europeu e mundial.
De um modo mais geral o resultado das eleições na Alemanha induzem a refletir – sem para-choques de autoconsolação – sobre a orientação de conjunto de autoconservação social corporativa, em face da crise do sistema capitalista mundial, da maioria das classes média e média-alta (e também de camadas de trabalhadores), na Alemanha, mas também em boa parte dos países que formam o coração do sistema capitalista e imperialista mundial. E os perigos que isto comporta, também em termos de estabilização de orientações conservadoras ou reacionárias de massa, e de indiferença destes povos ao tema da paz e da guerra, quando esta não os envolve diretamente, não provoca mortes na própria pátria, e se abate sobre os povos e países de outras regiões do mundo.
Trata-se de dinâmicas que, por exemplo na Itália, tragicamente explicam o persistente apoio social a Berlusconi e o crescente deslocamento centrista e moderado do PD, que por solicitação do grande regente estratégico, o presidente Napolitano, se moveu e se move na lógica da Grande coalizão do sistema.
Nesta situação, também na Itália, a primeira tarefa dos comunistas e dos progressistas é a de unir-se, até mesmo para não desaparecer, e trabalhar juntos por uma contraofensiva social e política de luta que – desde a oposição – reorganize e represente os interesses da classe mais subordinada e golpeada pela crise. Não será fácil, e se tratará de um trabalho de longo fôlego. Comecemos ao menos a dar os primeiros passos na direção correta.
(*) Fausto Sorini é membro da Direção Nacional do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI). Tradução de José Reinaldo Carvalho.
Fonte: Blog da Resistência