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Marco Figueiredo: Capitalismo em crise

Desde que o capitalismo se consolidou como sistema que a classe trabalhadora sente os efeitos da exploração e das injustiças que sustentam essa estrutura. Ao longo de sua imposição secular, os trabalhadores ainda têm que conviver com sucessivas e ininterruptas crises, gerando períodos onde se aprofundam as dificuldades que o sistema nunca será capaz de equacionar.
Por Marco Figueiredo*

Poderíamos inclusive nomear estas crises, ora estruturais (o capitalismo nunca será capaz de evitar isso), ora sistêmicas, ora especulativas… Tantas quanto interessaria classificar.Poderíamos também nos debruçar sobre cada uma dessas crises, estudando suas causas e efeitos. Mas para esta reflexão vamos observar em especial os fenômenos do final do século 20 e do início do século 21, que afetam a vida de todos na atualidade.

Porém, vamos considerar por breves minutos de atenção, somente o que inequivocamente é óbvio. Sem o aprofundamento científico (sempre necessário, mas não para os argumentos deste texto), onde podemos afirmar que o sistema, dentre outros, se consolida a partir de dois pilares fundamentais, a desigualdade e a acumulação, sobre os quais nos interessa discorrer.

Numa relação diametral observamos que os avanços na estrutura capital sempre irão agir sobre esses dois pilares, onde quem irá sentir seus efeitos sempre será a classe trabalhadora.
Se compreendemos estes dois pilares, igualmente podemos prospectar que a acumulação não se dá somente pelo principio de “ter mais”, mas também abriga numa mesma condição o espectro da concentração. Ou seja, a vazão da riqueza tem fluidez para a mesma direção, o que também não é novidade.

Quando observamos as crises mais recentes, não a percebemos mais como dantes… O próprio sistema, ciente de que não é capaz de equacionar seus problemas estruturais, não tenta sequer esconder ou camuflar suas insuficiências como fazia no passado.

Hoje o sistema assume uma crise, alardeando o fato por todos os meios possíveis, e todo o campo progressista e aquele que almeja a superação deste sistema reforça o coro de que o capitalismo está em “crise”, reforçando tal condição e, neste ponto, creio que de alguma forma se torna aliado do capital nas suas estratégias. Porque a mudança de comportamento?

Em muito se deve ao processo ininterrupto de liberalização financeira, o que naturalmente facilita aquela fluidez de riqueza citada anteriormente. O que quer dizer que ao facilitar essa fluidez, também se agiliza o processo de acumulação e concentração.

Hoje temos tanta riqueza concentrada que sequer é possível calcular ou especular sobre determinados patrimônios. E mesmo neste cenário de intensa concentração ainda temos a acumulação como motivador principal da ação do capital.

Essa intensa concentração aliada á necessidade constante de acumulação num cenário de liberalização faz com que o capital se movimente na direção do meio mais rápido (e ao mesmo tempo menos laborioso) de acumular, que é a especulação.

Quando o sistema capitalista alardeia “uma crise” a partir dos seus próprios meios, sempre com uma “fundamentação explicativa”, seja a bolha da internet, o mercado imobiliário americano ou qualquer outro, na verdade o centro dos recentes fenômenos é sempre o mesmo, parte do capital se movimentou para uma direção que chegou ao esgotamento especulativo gerador de riqueza fácil.

O que não quer dizer que exista por aí um cenário de falência das estruturas do capitalismo, afinal o capital faturou muito antes do esgotamento. O que temos é que parte do capital não atingiu a lucratividade espetacular que esperava.
E, como lembrávamos no início, neste momento entra em cena o outro pilar de sustentação do sistema capitalista, a desigualdade.

Essa condição é suficiente para que o capital busque retomar o caminho do lucro espetacular que almejava, e como se sustenta na desigualdade vai retomar esse caminho tirando da classe trabalhadora tudo o que ela tem, e até o que nunca terá.

E o faz das mais variadas formas, arrocho, pressão no Estado pelo fim de investimentos sociais, desemprego em larga escala, supressão de direitos trabalhistas, liquidando inclusive com as condições de vida de milhares de aposentados mundo afora. E toda uma cartilha de ações que a classe trabalhadora conhece bem.

Toda essa variedade de ações injustas para a grande maioria dos seres humanos carrega como argumento de justificativa a propalada “crise”.

Tais ações nunca terão como objetivo estabilizar ou melhorar as condições de vida do trabalhador, mas sim fazer com que o capital permaneça no seu caminho da acumulação sem limites, com a garantia impositiva de que os trabalhadores garantirão tais riquezas. E tudo em nome da “crise”.

E mais, nunca haverá lição apreendida, pois nunca haverá receio do capital nos seus movimentos, porque para o capital sempre haverá a classe trabalhadora encurralada pela “crise” quando lhe for conveniente.

Tanto é verossímil que estamos vivendo hoje uma das situações mais ambíguas que servem muito bem para ilustrar o que está posto aqui. Temos uma Europa com a classe trabalhadora vivendo das mais sérias formas de supressão, ao mesmo tempo em que a elite desfila em escandalosos arroubos, devaneios e excentricidades que só podem existir num cenário de riqueza sem limites.

Daí só se pode concluir que o capitalismo não está em crise, o capital é que está nas mãos de poucos.

A crise existe para o trabalhador que não consegue mais pagar pelo transporte, não consegue acesso à saúde, à educação, não consegue alimentar a família e ainda perde parte do pouco que tem. É esse trabalhador que está verdadeiramente em crise.

E o capital ganha um aliado mais do que conveniente no convencimento de parte das massas para aceitar tal mistura cruel de ações, pois são as próprias forças que denunciam o capitalismo as que reforçam a contextualização de crise. E isso só faz crer ao trabalhador que realmente temos uma crise, e é mais do que natural que o receio, as incertezas e o medo do que pode acontecer domine esse ser, o colocando numa posição defensiva, desinformada e de submissão às imposições.

Creio que seja o momento de abolirmos as palavras “crise e capitalismo” numa mesma frase, porque isso só serve aos interesses estratégicos do capital. Só serve para alimentar os argumentos do capital contra a classe trabalhadora.

É mais do que necessário sempre mostrar porque o capitalismo deve ser superado, porque nunca será justo ou igual.

Devemos ser esclarecedores das massas, apontando de forma certeira que o problema é do capital e tem origem nas mazelas das elites e que, quando erram, exageram ou não obtém os lucros esperados não pagam pelos seus erros, simplesmente jogam a conta para o trabalhador.

*Marco Figueiredo  é militante do PCdoB Distrital Freguesia-Brasilandia
São Paulo / SP .