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Elias Jabbour: O PCdoB, a estratégia e o debate de ideias

No primeiro artigo publicado por mim neste espaço procurei discorrer acerca de algo que é central ao nosso país e encerrada numa luta, quase fratricida, pelo longo prazo. Trata-se de uma batalha em que o PCdoB deve se impor sob o risco de se perder em discussões imediatas sem fim e pautadas em conceitos e categorias surgidos no final do século 19.
Por Elias Marco Khalil Jabbour*

Somos leninistas contemporâneos na mesma proporção em que decidimos desvendar o Brasil sem as amarras de dogmas prontos e superados. Atitude de coragem. E por isso mesmo somos hoje tão marxistas-leninistas como nossos próceres de 1922, 1962, 1985 e 1992. Não podemos nos refugiar no leito cômodo de conceitos, categorias e citações de clássicos pautadas para realidades diversas. O marxismo-leninismo pode ser uma poderosa arma que nos indica as leis gerais do processo de desenvolvimento, nos faça abrir a mente e os horizontes. E nos capacite a ir fundo na realidade brasileira.

Uma atitude de correção com relação ao marxismo é o que pode condicionar o êxito de nossa estratégia. E a nossa estratégia só terá êxito se formos capazes de entrelaçá-la com o debate de ideias no seio da parte pensante da sociedade brasileira. O primeiro passo é termos clareza de que o Brasil é uma formação social complexa onde – numa relação de causa e efeito – não se fará prosperar esquemas prontos de tomada de poder e muito menos ideias politicamente corretas sobre o que é o socialismo. A questão central de nossa estratégia deve residir tanto nas formas em que alcançaremos o poder quanto desvendar as leis de uma formação social complexa e sua transição ao socialismo. Ambas as questões foram satisfatoriamente respondidas no 12º Congresso de 2009 e o próprio balanço de dez anos de governos democráticos dá conta de nossos prognósticos iniciados, diga-se de passagem, já nos estertores do primeiro governo Lula. O PCdoB acerta.

Neste sentido, as teses ao 13º Congresso nos dá uma grande oportunidade para situarmos o estado da arte do debate de ideias em nosso país e na esquerda em particular: 1) Não é novidade, e tenho apontado isso há algum tempo, que o desenvolvimento está longe de ser um senso-comum no âmbito da própria esquerda, inclusive com grande parte dela já devidamente ocupada em relacionar “estabilidade monetária” e “combate à inflação” com “inclusão social”; 2) Entre as esquerdas que reivindicam o socialismo ainda é hegemônica a noção para quem o aprofundamento da democracia é o caminho em linha reta ao socialismo, negando a noção marxiana que relaciona diretamente o aprofundamento da democracia com a expansão da base material (desenvolvimento das forças produtivas) – o que significa a negação do desenvolvimento como valor máximo de uma estratégia socializante; 3) A crescente força, desde a década de 1990, das chamadas corporações sociais e suas pautas específicas (todas justas, inclusive com incidência estratégica. Afinal, racismo, machismo e homofobia são antíteses de conceitos como “salto civilizacional” e ao próprio socialismo), desconectadas de uma estratégia maior e de negação aberta a categorias como nação, imperialismo e luta-de-classes.

Desde o fim da URSS uma enxurrada de dólares, para a compra de acadêmicos e dirigentes de “movimentos sociais”, desembarcou em nosso país com o propósito de identificar determinadas lutas como o elemento central em detrimento da nação e da estratégia socializante; em um ambiente de completo refluxo e de contrarrevolução em todos os níveis de atividades. É o que costumo chamar de “Consenso de Washington Cultural”: negam de forma aberta a questão nacional e o desenvolvimento, promovem e fortalecem lobbies dentro do governo e de todos os partidos de esquerda, dentre eles, o nosso PCdoB. No debate de ideias negam o contraditório com práticas de tipo fascista (“não leu e não gostou”) que atingem grandes brasileiros e pensadores (e seus seguidores) como José Bonifácio, Gilberto Freyre e Ignacio Rangel.

Esse ambiente ainda não favorável no debate de ideias deve ser objeto de mais estudo e compreensão. A razão desta necessidade está no fenômeno que muitos chamam, corretamente, de “rebaixamento da estratégia”. Os elementos mais visíveis que levam ao risco constante deste tipo de rebaixamento já foi há muito identificado no próprio ambiente de institucionalização, liberalismo e força crescente dos mandatos parlamentares e cargos em governo (sobre o próprio partido). Mas não é só isso.

O rebaixamento da estratégia é a face da mesma moeda do próprio rebaixamento do debate de ideias. Além de questões que envolvem a institucionalidade, devemos perceber a força de pressão que a pós-modernidade e o deslocamento da totalidade histórica em prol do relativismo positivista na base da teoria do conhecimento. Não são poucos os que não resistem a este nível de pressão, se refugiando na especialização e em “fotografias da realidade” que na ponta do processo alimentam pautas “globais”, antinacionais e que são “populares” somente na aparência. Se a força do método materialista histórico e dialético não é suficiente, que se paute o imediato e o específico. Afinal, concluir que a transição ao socialismo numa formação social complexa deve ter como eixo central um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento demanda um exercício nada razoável de materialismo histórico e dialético. Negar o marxismo é apenas um passo no que tange (a título de exemplo) separar inovação tecnológica e processo de produção, campo e cidade na análise da questão agrária, desenvolvimento e questão social.

Neste sentido, vale questionar o que seria o “revisionismo contemporâneo” em tempos de pós-modernidade? O rebaixamento da estratégia e do debate de ideias não seriam expressões de um “revisionismo contemporâneo” sob as vestes de discursos politicamente corretos?

* Elias Marco Khalil Jabbour é membro da Comissão Auxiliar da Presidência Nacional e professor da Escola Nacional do PCdoB.