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Thiago Costa: A saúde de Caicó em tempos de crise

Muito se tem comentado sobre a precariedade da saúde pública na maior parte do nosso país, do nosso estado e, em particular, da nossa querida cidade de Caicó-RN. Como usuário do sistema de saúde pública e no intuito de contribuirmos para esse debate, faremos aqui uma breve análise sobre essa temática a luz de algumas terminologias utilizadas no âmbito da historiografia, a saber, os conceitos de tempo cronológico e tempo histórico.
Por Thiago Costa*

Didaticamente, definiremos como tempo cronológico os mecanismos pelos quais os homens percebem o tempo, por exemplo, tendo como norte a sociedade pós-industrial, o tempo do relógio, dos segundos, minutos, horas, dias, meses e assim por diante. Porém, quando se fala em tempo histórico nos colocamos diante de algo mais complexo.

Ainda de forma didática, podemos dizer que o tempo histórico refere-se ao modo como cada historiador divide os acontecimentos históricos de acordo com suas características particulares, seus inicios e términos, situando-os numa perspectiva temporal. Para a análise a qual nos propomos a fazer, é de grande relevância considerar que esses tempos históricos não segue uma lógica linear, ou seja, com começo, meio e fim rigidamente definidos.

É possível perceber diferentes tempos históricos, numa mesma época e em diferentes espaços geográficos. É possível também perceber diferentes tempos históricos, em um mesmo lugar e em um mesmo tempo cronológico e a saúde de Caicó é um interessante ponto de referência para verificarmos a aplicabilidade desse conceito.

Cronologicamente, vivemos no ano de 2013, numa sociedade pós-industrial, na era da informação, dos direitos humanos e das garantias fundamentais instituídas em nossa jovem constituição que, no ultimo sábado (25/10/2013) completou 25 anos, e do Sistema Único de saúde (SUS).

Entre as garantias fundamentais, expressas tantos Direitos Humanos como em nossa carta magna, destacamos o direito a vida, o qual também pressupõe o direito a um sistema de saúde que atenda de modo eficaz e digno a todos os cidadãos.

Para que tais garantias tornem-se realidade foi criado o SUS, o qual dispõe de mecanismos jurídicos e administrativos para garantir um atendimento eficaz, humanitário e de modo equitativo aos cidadãos brasileiros. Acrescente-se, a isso, o fato de que a pasta da saúde é uma das que mais recebem recursos públicos, tendo sido ainda mais robustecida com a lei dos Royalties do Petróleo, a qual garantirá a injeção de cifras ainda maiores para contemplação dessa área.

Porém, esses ditames legalistas tá longe de se constituírem em uma realidade unanime, tratando-se mais de casos isolados, uma vez que tem sido cada vez mais comum à imprensa e as redes sociais noticiarem os escândalos na saúde pública: desvio de verbas, obras inconclusas, mau atendimento, falta de medicamentos e equipamentos básicos, corredores da morte e muitas outras mazelas que demonstram a pouca seriedade no trato com os recursos público.

Tais fatos nos remetem a outros tempos históricos que ainda perduram, coexistindo paralelamente com esses tempos contemporâneos que já nos foram anunciados mais estão longe de ser hegemônicos. Assim, a realidade prática nos mostra que ainda vivemos a era do coronelismo, do populismo, clientelismo que deixam marcas profundas na saúde pública.

Em nosso estado e, em particular, na nossa cidade, o que vemos é os hospitais serem tratados como propriedades particulares, onde falta desde dipirona, anestésico até profissionais especializados em procedimentos complexo equipamentos e instalações. A saúde é gerida na ótica do compadrio, aonde para que o cidadão tenha a garantia de seu atendimento precisa gozar de amizades pessoais com personalidades politicas ou pessoas ligadas a essas.

É preciso ser amigo dos “donos” dos hospitais e das ambulâncias, para que se possa garantir que os nossos filhos nasçam, já que muitas vezes nossas esposas precisam ser transportadas as pressas para outra cidade, pois os mesmos que se vangloriam por estarem a décadas no poder são os que não foram capazes de dotar a saúde do município com condições mínimas para garantir o nascimento de nossas crianças.

E ainda podemos citar os mais recentes episódios da saúde do município de Caicó, marcado pela constatação do sucateamento das ambulâncias e pela divisão dos Agentes de Saúde em duas categorias salariais, fato esse consumado com aprovação do plano elaborado pela atual gestão municipal e pelo SIDAS, sindicato forasteiro e com pouquíssimo conhecimento de causa.

Feito essa abordagem, podemos afirmar que a saúde de nossa cidade vem cambaleando entre dois tempos históricos. O primeiro poderíamos definir como um tempo ainda fictício, haja vista a forma patrimonialista de gestão da saúde pública que impedi a eficácia do SUS e a aplicabilidade das garantias fundamentais que nos é garantida por nossa constituição. Já o segundo poderíamos chamar de um tempo real e retrógado, caracterizado por todas as mazelas citadas no decorrer desse texto.

Assim, nega-se direitos trabalhistas, mutilam-se corpos, ceifam-se vidas e frustram-se famílias e, nessa carnificina, também se decepam as esperanças de muitos cidadãos.

Portanto, se posta diante nós, cidadãos de bem e comprometido com a construção de um mundo melhor, o desafio de enfrentar esses gargalos da saúde de nosso município e darmos início a um novo tempo: o tempo da dignidade humana.

*Thiago Costa é Membro do PCdoB Caicó-RN.