Sem categoria

Marcelo Teixeira: Rediscutir a política agrária brasileira

No século 19, Marx e Engels, ao afirmarem que a história da civilização humana “tem sido até hoje a história da luta de classes”, situaram o momento histórico em que viveram, quando o mundo acompanhava a ascensão da burguesia como classe dominante, e indicaram, dentre outras medidas para sua derrubada, a realização da reforma agrária.
Por Marcelo Brandão Teixeira*

Engels, ainda demonstrou que o caráter social das forças produtivas levaria à transformação das relações de produção, exigindo a socialização dos meios de produção, dentre eles a terra.

Inseridos nesse contexto, muitos países consideraram a questão agrária com centralidade em importantes momentos de sua história. Na Rússia do início do século 20, a opressão dos camponeses pelos latifundiários foi uma das grandes motivadoras para as revoluções que ocorreram, e que culminaram na Revolução de Outubro de 1917, com a implantação de uma experiência de Estado Socialista. Em Cuba, a realização da reforma agrária na década de 50 foi uma das principais medidas adotadas pelo novo regime social, mediante adoção de leis severas, com vistas à erradicação do latifúndio, abolição da propriedade burguesa e transição do capitalismo para o socialismo. Os camponeses foram organizados através do cooperativismo, diversificando a produção agropecuária, substituindo as relações, que antes eram de exploração, pelas de cooperação.

No Brasil, o controverso processo de colonização e a extensa dimensão territorial foram fatores que dificultaram a consolidação de estrutura agrária favorável ao desenvolvimento para o conjunto do povo. A intervenção do Estado nesse sentido materializou-se tardiamente. A sanção do Rito Sumário, em 1993, a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, em 1996, e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, em 1998, foram marcos importantes nesse processo. Ainda, o incremento dos investimentos estatais em termos de recursos, transformações de caráter político e ideológico, e aspectos ligados à emergência do debate sobre desenvolvimento sustentável, nos anos subsequentes, contribuíram para o novo cenário.

No entanto, o momento atual evidencia gradativa marginalização da importância da política agrária, principalmente por parte da maioria das autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas três esferas de poder. Tal quadro é reflexo das dificuldades em se reconhecer a indispensável associação entre campo e cidade, dando-se cada vez mais atenção aos problemas urbanos, em detrimento dos agrários. Um exemplo emblemático foi a afirmação do atual presidente petista do Incra, numa mesa de negociação com servidores do órgão, em agosto deste ano, quando disse que “reforma agrária no século 21 é um discurso rebaixado”.

Nesse sentido, deve-se considerar o tema da aquisição de terras por estrangeiros, refletindo a deficiente gestão da malha fundiária nacional. Dados mais recentes do Sistema Nacional de Cadastro de Imóveis Rurais do Incra (SNCR) informaram o quantitativo de 34.300 imóveis cadastrados em nomes de estrangeiros e outros 9.262 imóveis em processo de apuração quanto à nacionalidade dos adquirentes. O problema se agrava quando se constata que inexiste base de dados confiáveis sobre a localização desses imóveis, de maneira a garantir o acompanhamento, fiscalização, gestão e controle das terras no país. Outra contradição relativa a esse sistema refere-se à existência de municípios cuja área total dos imóveis neles cadastrados chega a superar cerca de dez vezes sua área física (consulte a situação do seu município em http://www.gestaodaterra.com.br/consultamunicipio.aspx). Tais exemplos demonstram como o referido sistema é obsoleto, já que se baseia em dados meramente declaratórios.

Ao se buscar suprir a falta de informações confiáveis sobre a localização exata dos imóveis, em especial das grandes propriedades, foi sancionada em 2001 a Lei 10.267, que criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). Este novo mecanismo deveria organizar informações gráficas (plantas e memoriais descritivos dos imóveis cadastrados) e literais (informações sobre o imóvel) a serem geridas em conjunto, pelo Incra e a Receita Federal. No entanto, isso ainda não ocorreu, dificultando sobremaneira o controle e a fiscalização sobre quem são os proprietários de terras do país, qual a área que ocupam e onde se localizam os imóveis rurais, já que os dados de levantamentos de que dispomos não contemplam tais aspectos estratégicos para o desenvolvimento nacional.

Apesar de pouco explorada pela esquerda brasileira nos últimos anos, a temática agrária apresenta-se, portanto, como fundamental para o aprofundamento da democracia e o desenvolvimento das forças produtivas, no rumo da transição ao socialismo. Ainda, as desigualdades e os índices de violência no campo mantêm-se elevados, como pode-se verificar nas estatísticas anuais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em www.cptnacional.org.br, ensejando a necessidade de mudanças profundas na política agrária brasileira, acomodada em vícios e insuficiências. Sua atual condição de marginalidade para o Estado brasileiro tem ocasionado temerária fragilidade, especialmente no que diz respeito à soberania nacional. Urge a necessidade de o Partido pautar essa temática com maior ênfase nos próximos períodos, associando-a mais intimamente a novos métodos para a frente institucional/eleitoral, já que os atuais têm-se demonstrado descaracterizadores do seu papel revolucionário.

*Marcelo Brandão Teixeira é Militante do PCdo-Espirito Santo.