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Mario Silva Lima: Sobre a revolução permanente

Há na literatura política de esquerda alguns termos que parecem os versos daquele samba do Zeca Pagodinho: “Você sabe o que é caviar? Não comi, nunca vi, eu só ouço falar!” Este me parece ser o caso da chamada revolução permanente. Uma verdadeira usina de confusão permanente!
Mas, o que é a revolução permanente afinal?
Por Mário Silva Lima*

Para Marx, o socialismo é uma transição à conquista de uma sociedade sem classes, em que, portanto, por desnecessário, o Estado é abolido – tese contrária à anarquista, segundo a qual, por um ato revolucionário, a sociedade sem classes é alcançada. Nessa fase transitória, ainda segundo Marx, o Estado tem lugar, e criam-se, inclusive por meio dele, as condições para a superação das divisões de classes.

Então, Marx está nos informando aqui que entre a revolução que derrubou as antigas classes dominantes e a instalação do socialismo existe um período de transição. E que neste período as novas classes no poder deverão desenvolver tudo aquilo que não interessava mais à antiga ordem desenvolver. Em suma, o que Marx está nos dizendo é que a vitória da revolução não significa o fim da luta, mas que a luta continua! Em linhas bem gerais, ele está afirmando que a revolução é permanente.

Por que a revolução tem que ser permanente?

É que neste estágio da luta a classe trabalhadora ainda é coadjuvante, já que os trabalhadores odeiam a política, que vêem como coisa suja e, portanto, não acreditam neste caminho para terem uma vida melhor. Para eles, para alcançarem uma vida boa, basta um bom aumento de salário. Ou seja, neste estágio da luta a consciência da maioria dos que compõem a classe trabalhadora é apenas econômica ou sindical.

Entretanto, existe entre os trabalhadores uma minoria que pensa diferente e considera que a política é o melhor caminho para se alcançar uma vida boa para toda a sociedade. Estes trabalhadores são a vanguarda da classe, pois conseguem enxergar a importância dos trabalhadores na produção de riquezas e, por isto, seu papel de protagonistas na luta.

Mais que isto, conseguem perceber, também, que por serem minoria na própria classe e na sociedade, não possuem a força necessária para promoverem as mudanças que garantirão a vida boa. Então, como vanguarda consequente, alia-se a forças que lutam contra o mesmo inimigo dos trabalhadores. Forças estas que exercem mais influência sobre a classe que a própria vanguarda.

Neste contexto conturbado, leiamos Marx e Engels novamente: (…) “enquanto permanecer a situação na qual a pequena burguesia democrática estiver somada ao conjunto da sociedade na luta contra o inimigo comum os trabalhadores devem marchar lado a lado com ela. No entanto, derrotado o inimigo comum, quando a fração revolucionária desta pequena burguesia democrática desejar encerrar rapidamente as tarefas insurrecionais para consolidar seu novo poder, a tarefa principal da força proletária será tornar a revolução permanente. Defendendo assim os interesses dos trabalhadores, além de os tirarem da influência da pequena burguesia democrática.”

Ou seja, neste estágio da luta somam-se forças contra o inimigo comum. Durante este estágio, prepara-se, acumulando forças, para o enfrentamento do novo estágio, quando o inimigo comum será derrotado e a pequena burguesia democrática assumirá o posto de classe dominante voltando-se contra as conquistas dos trabalhadores. Então, a revolução permanente é o período de acúmulo de forças da classe trabalhadora tendo em vista a conquista do Estado para colocá-lo a serviço de todo aquele que contribui para a produção de riquezas da sociedade, isto é, a serviço dos trabalhadores.

Penso que no momento vivemos o período de somar forças contra o inimigo comum. Penso, também, que o PCdoB é parte importante desta vanguarda consequente. E, por conta disso, penso, ainda, que o Partido acerta ao considerar que o balanço de dez anos de governo de coalizão, comandado pelo PT, é positivo. E que acerta também quando propõe pactos ou acordos com o chamado capital produtivo, já que a revolução permanente é o período de acumulação de forças e que, portanto, rege também a política de nossas alianças.

É aqui que começa a confusão referida lá no começo, pois há camaradas que só de ouvir a palavra pacto sentem arrepios na espinha, calafrios, náuseas e outros sintomas. Há ainda aqueles que não concordam com o balanço positivo dos dez anos de governo das forças populares. Outros que não aceitam o PMDB como aliado, já que só atrapalha. Há também aqueles que criticam até mesmo a aliança com o PT, pois acham que este partido além de ser muito lento na implantação das reformas necessárias, não tem muita convicção no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Nossos camaradas estão com pressa!

Tais reações são compreensíveis, afinal, todos no Partido querem o melhor para o povo brasileiro. Entretanto, não se justificam, pois acelerar tais reformas não é um ato de vontade, já que elas obedecem ao simples fato de que ainda não há as condições necessárias para sua implantação. Querer acelerá-las, além de ser um vanguardismo vazio, é um desvio de esquerda como o que ocorreu com o governo socialista de Salvador Allende no Chile. Querendo acelerar as reformas, sem que houvesse as condições necessárias, jogou-se o Chile numa ditadura das mais violentas que se tem noticia na história da humanidade. E, é bom não esquecer, a revolução permanente é, também, para que se criem as condições necessárias para a implantação do socialismo. Ou, como diz Jorge Bem, “devagar se vai ao longe, devagar eu chego lá!”

Mas este vanguardismo vazio não é uma doença incurável. Uma visita aos clássicos da literatura revolucionária ajudará a preencher esse vazio. Para tanto, fraternalmente, recomendo aos camaradas a leitura de Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, de Marx e Engels; o Prefácio de Engels à obra de Marx Luta de classes na França e Que fazer?, de Lênin. Creio que com essa leitura e alguma reflexão, a ideia de revolução permanente deixará de ser uma usina de confusão permanente para se tornar um entendimento claro e simples das principais tarefas reservadas à vanguarda conseqüente dos trabalhadores.

*Mário Silva Lima é Membro da Célula Comunista de Cultura Paulistana.