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Mazé Leite: Em defesa da cultura brasileira

Nestes ricos dias de debate sobre as teses do 13º Congresso, é importante que todas as instâncias do PCdoB coloquem em suas pautas também o tema da cultura. Defender a cultura brasileira e suas manifestações, como bem simbólico de todos e como fator de desenvolvimento nacional, deve ser uma de nossas grandes metas.
Por Mazé Leite*

No último dia 24/09, em seu discurso na 68ª Assembleia Geral da ONU, o presidente do Uruguai José Mujica criticou fortemente a ação malévola do “deus Mercado” que não só “organiza a economia”, mas também impõe padrões de vida e de consumo, gerando uma “aparência de felicidade”. O “deus Mercado”, esse que move toda a engrenagem do capitalismo atual, também patrocina a massificação cultural.

Junto com as ideias sobre “globalização” (que removem as fronteiras para o lucro, mas não para a imigração), circulam o capital e, junto com ele, a massificação cultural de origem imperialista. Além de influenciar nossa vida cultural, trazendo de fora o cinema blockbuster, as comédias da Broadway, o circo midiático, a pop music com seus ícones milionários, interferindo em nosso modo de falar, de vestir, de ser, o sistema do Mercado também cria o “pensamento único” nas artes plásticas, onde reina a completa falta de democracia. E nos deixa a todos à mercê dos interesses privados, globais e locais.

No capitalismo atual, o sistema financeiro domina a economia, que dirige a política que se apropria da cultura e lhe impõe as regras do… Mercado! É um movimento como o do cão em torno do próprio rabo. Enaltece e fortalece a cultura de massas, criando aquela hegemonização destruidora da nossa rica e diversificada cultura; esta forma de pensar, alimentada pelas ideias, ainda predominantes, do Neoliberalismo, é a morte da cultura de qualquer povo.

A indústria cultural baseada nesses termos citados acima prefere anestesiar a capacidade crítica do povo, não busca de forma alguma a emancipação dos espíritos, mas sua escravização.

Nesta festa da globalização, o grande executor é o “deus Mercado”, de que falava Mujica. E sua cultura, é a da competição, é a do indivíduo isolado no seio de uma massa de indivíduos fundamentalmente idênticos e em competição uns com os outros. É uma cultura de desumanização, que apresenta modelos pré-formatados que eles vendem como ideais. E como espetáculo para as massas. Propõem a uniformização e se satisfazem em mostrar “mais do mesmo” em escala mundial. Pois esta é também uma das faces do “vale-tudo” pós-modernista.

A cultura massificada traz em si conteúdos ideológicos altamente perniciosos para todos os povos. O modelo passa a ser o do primeiro mundo, em especial o dos EUA. Essa cultura serve, enquanto tentativa de uniformização, como poderoso instrumento de dominação, enquanto rende lucros consideráveis para grandes empresários da indústria cultural. Um exemplo nas artes plásticas, é que essa elite endinheirada cada vez mais se apossa dessas novas commodities, que são as obras de arte. Essa cultura neoliberal gera um sistema em rede para açambarcar mais lucros sobre obras de arte, galerias, feiras, bienais, marchands, curadores… e artistas. Quem menos ganha nessa cadeia malvada são os artistas. Com exceção de uns dois ou três que enriqueceram nesse jogo, a imensa maioria se submete às regras impostas, gerando lucros altíssimos para a minoria, ficando com uma pequena fatia do bolo.

Essa dominação cultural é dirigida e lançada todo o tempo sobre nossas vidas. Valores coletivos são varridos pelo espírito de competição que é lançado sobre todos desde cedo, criando gerações de “sobreviventes”, os que resistem em todos os lugares: nos costumes locais, na música, nas danças, nas rezas, nas falas, nas vestimentas, nos sotaques, nas culinárias, nos gestos…

Mas em alguns momentos da história do Brasil, nos voltamos para a valorização da nossa cultura e da nossa gente. Um dos ícones desses movimentos para dentro do Brasil foi a Semana de Arte Moderna de 1922. Ridicularizou-se, naquele ato, os trejeitos, as tentativas de fala e o modo de ser da elite brasileira que imitava (?) o modelo europeu. Como antídoto criamos Macunaíma e toda a arte brasileira dos próximos anos se voltaram para o Brasil.

No final da década de 1960, afirma o professor Celso Frederico da ECA-USP (em seu ensaio “Comunistas e a Cultura”), como contraposição aos movimentos culturais nacional e regionalizados, que tinham vivido um período de efervescência riquíssimo até aquele momento, a Ditadura Militar resolveu investir pesado na indústria cultural como fator de “integração nacional” (entenda-se “segurança nacional”). Do mercado editorial de livros, ao da indústria fonográfica, passando pelo cinema, pelo teatro e pela televisão (sobretudo), os militares fizeram grande esforço para calar as manifestações locais, levando para todo o Brasil os enlatados produzidos para uniformizar todos os costumes. E essa verdadeira intervenção oficial da ditadura inaugurou o fomento à produção cultural que visa o lucro.

É o que o teórico francês Jean Pierre Warnier assinalou: “A indústria cultural se intromete na cultura local, muda-a e, por vezes, a destrói”.

Após o fim do regime militar e o advento do Neoliberalismo, novas investidas contra nossa diversidade: Fernando Collor extinguiu qualquer ação cultural do Estado; a política cultural de FHC se concentrou entre Rio e São Paulo, potencializando a intervenção do mercado na cultura. Isso, em conjunto com ideias de restrição à participação estatal em qualquer área, pregando a “autonomia” como um discurso falacioso, incentivando o individualismo e a competição.

Mas nossa cultura – muito ao contrário disso tudo! – se alimenta com a participação de todos, com a diversidade, com a pluralidade, com as diferentes formas de se apresentar.

Nem tudo está perdido! Para além de qualquer política cultural de cunho oficial, o povo se mexe e se manifesta em todos os junhos: festivais proliferam pelo Brasil (de música a livros); se multiplicam grupos de teatro, saraus literários, grupos de músicos, de desenhistas, de cordelistas, de cineclubes, rodas de samba, ateliês de arte, grupos de artistas de rua, de gente que quer cidades para gente, além das festividades locais (do bumba-meu-boi, da ciranda, dos terreiros, das festas religiosas)…

Tudo isso cria focos de resistência muito importantes!

E a cultura brasileira vive!

*Mazé Leite é Militante da Célula Comunista de Cultura Paulistana.