Haroldo Lima: “Propriedade”, “concessão” e “gestão”
Parte 1
Os conceitos de “propriedade”, “concessão” e “gestão” são fundamentais, perpassam as nossas Teses e tem aparecido em nosso Debate.
Por Haroldo Lima*
Publicado 14/10/2013 16:58 | Editado 13/12/2019 03:30
O ponto 137 das Teses mostra que “concessões de determinados serviços públicos” são “nas condições atuais da economia brasileira”, uma “necessidade para se alavancar e modernizar o desenvolvimento”. O ponto 138 alerta para os cuidados que precisam ser tomados quando se celebra uma concessão, para resguardar os interesses nacionais e populares.
O tema suscitou o que me parece serem incompreensões em nosso debate. O camarada Tinoco Luna, por exemplo, formulou que, “conceder… a propriedade estatal para a iniciativa privada… é uma formulação teórica que não se aplica ao petróleo” (01.10.2013) Na verdade, esse tipo de concessão não devemos aceitar nem no petróleo nem em nada. Mas, nunca falamos em “conceder… a propriedade estatal para a iniciativa privada…”. Isto é uma posição privatista. O ponto 137 fala em “concessões de… serviços públicos”, não de propriedade estatal.
A concessão, de que trata nossas Teses, é um contrato que o Estado – poder concedente – celebra com alguma empresa – concessionária – no qual o Estado, que detém a propriedade de determinado bem ou recurso, permite que a concessionária o explore, por um determinado tempo, dentro de condições estipuladas, sem abrir mão, em nenhum instante, nem de leve, da propriedade do bem ou recurso concedido.
Quando, por exemplo, o Governo concede a exploração dos serviços de transporte de uma estrada, a estrada continua sendo integralmente uma propriedade pública. Uma empresa que receba a concessão para explorar o transporte na Ponte Rio Niterói, não vira proprietária dessa ponte.
A concessão é feita com condições prévias estipuladas, beneficiosas para a concedente e para o concessionário. Se o concessionário não cumpre as condições estipuladas, por exemplo, o pagamento de taxas, a feitura de obras, a manutenção da qualidade do serviço, etc., a concedente pode suspender a concessão e trazer de volta o bem concedido.
É ilustrativo ver o que frequentemente faz a Agência Nacional do Petróleo. Ainda há poucas semanas, a ANP tomou blocos de petróleo de uma empresa que não estava cumprindo suas obrigações contratuais. Mas só tomou porque os blocos não eram propriedade da empresa, que apenas tinha a concessão de explorá-los. O proprietário era a União e por isso a ANP, representante da União, tomou os blocos de volta.
A diferenciação entre “concessão” e “privatização” é clara. Correntes neoliberais, entretanto, se esforçam por dizer que tudo é a mesma coisa e pessoas incautas, até de esquerda, às vezes vão na onda. É como aquele político corrupto que fica todo alegre quando alguns ingênuos, que se acham radicais, dizem que “todo político é corrupto”. O corrupto sorri, sente-se elogiado, pois é igualado ao político sério.
A propriedade é uma categoria básica que não comporta tergiversação, sobretudo para os marxistas. Quem detém a propriedade, detém o poder de deliberar sobre o destino do bem apropriado. Pode até não usá-lo, dar-lhe outro destino, vende-lo e torrar o dinheiro.
Quando dizemos que a Cia. Vale do Rio Doce foi privatizada, ou a Embraer, ou a Usiminas, ou a Companhia Siderúrgica Nacional, ou o Sistema Telebrás é porque a propriedade de cada uma dessas empresas passou das mãos do Estado para as mãos de um particular. Daí por diante, se qualquer uma delas cometer erros, praticar abusos, escravizar mão de obra ou o diabo, seus proprietários podem ser criminalizados, mas o Estado não pode retomar a empresa, não tem essa prerrogativa. Isto só pode acontecer em ato excepcional, necessariamente traumático, não rotineiro, que ocorre nas revoluções ou em governos de acentuada marca de esquerda, quando há interesse nacional envolvido. Mas, repetimos, é comportamento excepcional, não de rotina.
O ponto 138 alerta para a importância de se observarem as condições que o Estado propõe em suas concessões, para que os interesses nacionais e populares sejam resguardados. Aí cabe toda a atenção por parte dos movimentos sociais e dos representantes do povo, porque, se o contrato não for bem feito, os interesses nacionais e populares podem ficar prejudicados.
*Haroldo Lima é Membro do Comitê Central do PCdoB.