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Fábio Palácio: Uma revolução de muitas revoluções

Apontamentos sobre as relações entre ciência, tecnologia e desenvolvimento. Para o aprimoramento dos pontos 139 e 140 das Teses para o 13º Congresso do PCdoB
Por Fabio Palácio*

Gostaria de partir dos tópicos 139 e 140 das Teses ao 13º Congresso para desenvolver uma breve reflexão sobre as relações entre ciência, tecnologia e desenvolvimento, tema de grande importância cuja análise, se realizada de maneira multilateral – isto é, com a devida consideração dos fatores econômicos, políticos e culturais necessariamente envolvidos –, pode ajudar na superação das pressões economicistas que dificultam o entendimento da revolução nacional em suas múltiplas dimensões.

Inseridos na seção intitulada “Mais desenvolvimento!”, os referidos tópicos versam sobre o avanço científico e tecnológico como “parte fundamental da estratégia de desenvolvimento nacional”. Afirma-se ser “imprescindível dinamizar e criar estruturas que deem base para o desenvolvimento científico e tecnológico autônomo do país” (tópico 139).

Com essas palavras, o excerto situa bem os desafios que se colocam no terreno científico e tecnológico. Entretanto, é possível perceber, na sequência da redação, trechos passíveis de aprimoramento. Cabe notar, em especial, que a abordagem se acha excessivamente focada no aspecto econômico do tema.

No tópico 140 lê-se que “[…] o problema [científico e tecnológico] é financeiro e macroeconômico. Financeiro porque deve haver condições financeiras para se entrar com força no mercado internacional de novas tecnologias – como fazem a China e a Índia com muito êxito. E também macroeconômico porque, com o crédito encarecido, o setor privado perde capacidade de investimento”.

De fato, o problema da ciência e tecnologia em nosso país é, antes de tudo, macroeconômico. Sabemos que o ambiente reinante – condicionado, como apontam as Teses ao 13º Congresso, pelo chamado “tripé macroeconômico” (cf. tópico 136) – desestimula investimentos em geral, e mais ainda aqueles cercados de riscos, como são os investimentos em tecnologia e inovação. Trata-se de um problema há muito debatido. Já em 1991 o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as Causas e Dimensões do Atraso Tecnológico concluía que “o modelo instituído pelas políticas econômicas no Brasil inviabiliza o desenvolvimento tecnológico, independentemente de serem bem ou mal concebidas as políticas específicas de ciência e tecnologia e as de educação e formação de recursos humanos” (CONGRESSO NACIONAL, 1992, p. 157). O referido relatório afirma ainda que, “sem reforma total das políticas econômicas, não há como reverter o processo, em curso, de atraso tecnológico crescente” (Id. Ibid. p. 163).

É preciso notar, entretanto, que o equacionamento do ambiente macroeconômico representa condição necessária, mas não suficiente para o alcance de uma efetiva autonomia tecnológica. Há outros fatores em jogo, em particular de natureza política, educacional e cultural, que não devem ser subestimados. Detalhemos melhor esse ponto.
Em seu tópico 139, as Teses ao 13º Congresso afirmam: “Parte significativa da inovação tecnológica se consegue através da capacidade financeira de obtenção do que de mais avançado se produziu no exterior para em seguida processarem-se, nos centros de pesquisa, tecnologias necessariamente acopladas e integradas à grande produção industrial, a chamada ‘engenharia reversa’, algo que não ocorre no Brasil”.

Antes de mais, esse trecho parece desconhecer o fato de que, nos setores que mais interessam e que têm jogado o papel de mola propulsora do desenvolvimento tecnológico – como as áreas espacial e nuclear, além da informática, da bioquímica e da genética, entre outras com fartas possibilidades de aplicação direta e indireta no terreno militar –, muitas vezes ter capacidade financeira apenas não resolve. Há bloqueios políticos que falam mais alto do que os bloqueios econômicos. Como explica Rex NAZARÉ (2012, p. 80) em seminário promovido pela Fundação Maurício Grabois,

“[…] Não adianta ter dinheiro para comprar aquilo que a gente quer, porque nem todo insumo para fazer, digamos, medicamentos está disponível no mercado; nem todo insumo é vendido. Pode-se ter dinheiro, mas nem tudo de tecnologia é vendido. Mesmo as informações, os equipamentos devem ser desenvolvidos autonomamente; garanto-lhes que não se trata de ‘xenofobismo’.”

Como revelam – ainda que por vias transversas – as recentes denúncias de espionagem industrial envolvendo nosso país, as palavras de Rex Nazaré não podem mesmo ser tomadas como mero “xenofobismo”.

A questão, contudo, vai além. Ainda que todas essas tecnologias estivessem disponíveis, do ponto de vista do poderio nacional será sempre mais vantajoso possuir capacidade própria de gerá-las e produzi-las. Os motivos para isso não são apenas econômicos, mas comecemos por estes.

Conforme explica BARBIERI (1990, p. 46), há muitos tipos de inovação tecnológica e muitas formas de classificá-los. Uma delas se deve a Lazer, que concebe basicamente três tipos de inovações: as fundamentais, as funcionais e as adaptativas.

“As inovações fundamentais são as que introduzem produtos completamente novos e, consequentemente, criam novos mercados e novas indústrias que requerem habilidades, recursos, padrões de consumo e sistemas de distribuição completamente novos. […] Nas inovações funcionais os produtos ou serviços permanecem os mesmos, mas os métodos para realizar suas funções são novos (exemplos: faca elétrica, avião a jato, barbeador elétrico). As inovações adaptativas são menos complexas e referem-se às alterações no aspecto, cor, formato, tamanho, embalagem etc. Estas adaptações introduzem modificações em produtos conhecidos sem produzir alterações nas suas funções.”

Observando essa classificação, não é necessário pensar muito para perceber que há inovações mais e menos cruciais, e, portanto – seguindo a lógica de concentração do capital e do poder no mundo –, mais e menos disponíveis. A inovação chamada “fundamental” é decisiva porque possui a capacidade de inaugurar mercados, ramos inteiros da indústria e, no limite – como no caso da máquina a vapor –, ciclos econômicos. Esse tipo de inovação não é algo que se consiga apenas com engenharia reversa. São necessários, como vemos nos países centrais, investimentos maciços em estruturas educacionais e culturais de fomento à criatividade e ao espírito crítico, sem o que não é possível forjar uma autêntica cultura empreendedora. Um bom modelo é o que conecta estruturas educacionais e industriais no Vale do Silício norte-americano. Na segunda parte desta série de artigos discutiremos o caso da China.

*Fábio Palácio é Membro da Comissão Nacional de Formação do PCdoB.