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Jomar Ricardo da Silva: O PCdoB e a educação popular

A presente reflexão resulta de nossa participação a partir das reuniões de base do Partido Comunista do Brasil, na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba, que culminou com a Conferência Estadual em João Pessoa, nos dias 12 e 13 do corrente mês.
Por Jomar Ricardo da Silva*

Uma das preocupações que nos ocorreu foi o aspecto relativo à educação política da sociedade, mais especificamente no tocante a educação popular. Afirma-se que o termo percorre uma longa caminhada e data em sua origem, na Revolução Francesa, quando em 1792, Nicolas Condorcet evocou a necessidade dos trabalhadores das manufaturas, de elevarem-se pelo conhecimento e exercício dos seus direitos e deveres através da educação política. (Cf. Franck Lepage, Educação popular e cultura, Le Monde Diplomatique, maio de 2009).

Na França, do período pós-guerra, criou-se um “Gabinete de Educação Popular”, em razão das experiências do nazismo na Europa e da colaboração do país à Alemanha. A iniciativa proveio da constatação dos limites da educação formal que instruía os indivíduos, mas não formava cidadãos de consciência crítica. Era necessária uma educação política de jovens e adultos que levassem as pessoas a refletirem sobre a democracia como uma conquista da sociedade para evitarem regimes autoritários. Ainda mais, pensando com os convencionais do século 18, os intelectuais da primeira metade do século 20, deduziam que a educação formal poderia reproduzir “desigualdades fundadas em saberes”, ou seja, o conhecimento não é neutro e sua produção obedece a uma lógica de dominação de classe.

No Brasil, a educação popular despontou com a experiência de alfabetização da Ceplar (Campanha de Educação Popular da Paraíba) no inicio de 1961, coordenador por Paulo Freire e Pierre Furter. Em Pernambuco a mesma iniciativa foi realizada com a participação dos jovens do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Recife. Na América Latina, Cuba, com a eclosão da Revolução de 1959, tinha o projeto de consolidar o processo revolucionário, formar a população com conhecimentos técnico-científicos e dizimar um dos grandes males sociais do País, o analfabetismo. (Cf. FEITOSA, Sônia Couto Souza, Educação de Adultos: método Paulo Freire. Brasília, Liber, 2008).

Na década de 1980, em decorrência do fim da ditadura militar e, consequentemente, com a efervescência dos movimentos sociais, a educação popular passou a ser vista com novos olhares pelos acadêmicos. Nesse período a categoria Movimento Social é referência para os estudiosos de ciências humanas da América Latina e de análises mais intensivas de grupos específicos organizados, ou de identidades restritas. Foi a fase em que os intelectuais deixaram suas visões preconceituosas em relação à cultura popular – os funcionalistas e estruturalistas a viam como arcaica, os liberais como ilógica e irracional, e os marxistas como alienada – e começaram a valorizar os aspectos positivos de seu espontaneísmo, autenticidade e comunitarismo. (Cf. SCHERER-WARREN, L. Rede de Movimentos Sociais. São Paulo: Loyola, 1993, p.17).

Há uma diversidade nas formas como a educação popular se afeiçoou na sociedade brasileira, adquirindo várias modalidades de ações que foi da alfabetização de adultos, movimentos sindicais e populares, economia solidária até as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).

Em relação às potencialidades políticas das CEBs, um dado importante, para a reflexão sobre partido à esquerda e catolicismo, foi a grande participação de membros das pastorais que atuavam no Partido dos Trabalhadores em seu nascedouro. Para termos uma idéia, no 4° Encontro das CEBs em Itaici, EM 1981, com o tema: "Igreja, povo oprimido que se organiza para a libertação" (1981), 66% dos participantes que tinham afinidades partidárias, atuavam no PT. (Cf. DOIMO, Ana Maria. A Vez e a Voz do Popular: Movimentos Sociais e Participação Política no Brasil pós-70. ANPOCS/Relume-Dumará. Rio de Janeiro, 1995, p.174). Essa aglutinação na hoste partidária não se deu de forma espontânea, pois havia uma orientação dos intelectuais da Igreja para uma militância partidária, a ponto dos teólogos como Leonardo e Clodovis Boff, procurarem dar direção partidária as CEBs, sugerindo-lhes assumir o Partido dos Trabalhadores, embora posteriormente refizessem essa posição.

Essa argumentação procura demonstrar que, se o partido hoje recebe dividendos político-eleitorais, em parte, além das alianças com partidos de centro, é em razão do capital político constituído em suas origens. Ora, ao fazer uma aproximação nas bases da Igreja católica progressista, em termos de afinidades programáticas, pois ambos lutavam contra a ditadura e defendia a construção de uma sociedade justa e igualitária, O PT beneficiou-se recebendo a inclusão em seus quadros de um militante formado em uma pedagogia emancipatória.

O leigo católico recebia em sua formação uma metodologia compreendida em três fases: A analítica, que lança mão das ciências sociais; a hermenêutica, que é a palavra de Deus vista pela ótica do oprimido, com o auxílio do método histórico-crítico e a mediação prática representada pela ação como busca das soluções para os problemas, enriquecida com o conhecimento da realidade.

Desse modo, proponho uma reflexão sobre a necessidade de constituir-se uma metodologia que permita o diálogo do Partido Comunista do Brasil com as classes populares, no sentido de se entender que esses grupos são os protagonistas das transformações sociais, em vista da consecução de uma sociedade socialista.

Essa formação não se efetiva apenas com as leituras de referenciais teóricos, indispensável à educação de quadros, mas principalmente numa ação – reflexão da própria prática, resultado do engajamento em atividades da sociedade civil, a saber, sindicatos, escola, igrejas, organizações sindicais e populares, que na afirmação de Marx é “verdadeiro foco e cenário da história” (Cf. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 39). Assim sendo nossas atitudes seria de negação das posturas assistencialistas, autoritárias e paternalistas que caracterizam as ações das elites diante das necessidades do povo.

Numa ação pedagógica estaríamos expressando a vontade política que leva a uma prática revolucionária, pois, “os homens são produtos das circunstâncias e da educação, de que homens modificados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, [o materialismo de Feuerbach] esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o educador tem que ser educado” (Cf. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p.537-38).

Um desafio que se apresenta é modificar a própria educação que o Estado burguês impõe as classes subalternas e a educação popular se apresenta como um paradigma que faz frente a essa demanda, pois dotados de uma consciência crítica alcançada pela inserção na realidade, pode-se adquirir uma nova visão de mundo e nas circunstancias adversas, por meio da atividade humana, modificar a situação de opressão produzida pelo modo de produção capitalista.

O Partido Comunista do Brasil, por ser um partido de quadros, teria como desafio pensar sua relação com meios populares, principalmente no tocante a sua metodologia. Pois se precisamos do povo para construir um projeto socialista, precisamos nos educar com esse povo, intermediado pela mundo, para compartilhar esse projeto alternativo de mudança. Seria nos capacitarmos a dialogar com os empobrecidos, conhecendo o universo de sua cultura e participar com ele nosso projeto de sociedade em que prevaleça a justiça, a igualdade e a solidariedade.

Cito um trecho de Maria Stela Graciani, em forma de sugestão, a perspectiva que ela aponta para os educadores populares, para enquanto animadores de cultura almejam a hegemonia da sociedade através de uma educação libertadora, que implica: “buscar e caracterizar os componentes ideológicos das classes populares, expressar e organizar, com estímulos diferentes, as ideologias dominadas em suas múltiplas formas de manifestação, empregando estratégias (técnicas e métodos) criativas de comunicação com o povo e utilizando meios e instrumentos ajustados à melhor divulgação dessas ideologias para o conjunto da sociedade civil. Ganhando amplitude paulatinamente e conquistando aliados.” (Cf. Pedagogia social de rua. São Paulo: Cortez, 2001).

*Jomar Ricardo da Silva é militante do PCdoB /Paraíba.